Capítulo 2

Asthara Varyneus

...***...

O dia de aulas passou correndo e mesmo eu tentando, não consegui me focar em nada que os professores diziam. A minha mente estava nos acontecimentos estranhos e na aura sombria que tem circulado Screamsville a dias.

O desaparecimento de Daniel Moris, afetou a cidade toda. Não se ouvia falar de outro assunto que não fosse esse, e mesmo não querendo tocar no assunto mais tarde ou mais cedo eu tocaria. Não era por medo, eu só não sabia o que pensar.

Se observar na história da cidade verão que tem vários registros de mortes por "animais selvagens" que surgiram em noites de lua cheia, e Daniel Moris desapareceu ou foi morto numa noite de lua cheia. Isso já era suspeito o suficiente.

Lobisomens? Muitos se perguntavam e deixavam a questão de lado, porque parecia algo inacreditável demais para as suas mentes limitadas se quer cogitarem. Mas, e se for? E se realmente existirem? E se eles estiverem a solta?

Existem muitas coisas no desconhecido que os humanos não sabem e talvez, lobisomens seja uma delas. Talvez eu só esteja pensando demais ou só precise de dormir mais. Dormir definitivamente não seria fácil devido aos pesadelos que me têm visitado a cada noite.

— Você parece cansada. — Kaio falou quando as nossas aulas acabaram — Não dormiu o suficiente?

Neguei com a cabeça soltando um bocejo involuntário.

— Bem que eu queria — murmurei, arrumando meu caderno e livro de economia na mochila — Mas eu não estou conseguindo.

O meu melhor amigo me analisou em silêncio antes de chegar a sua própria conclusão.

— Pesadelos, Asthara? — perguntou me acompanhando pelos corredores da escola Destiny.

— Pesadelos, Kaio. — confirmei, a minha cabeça latejando.

Kaio segurou a minha mão, apertando os seus dedos nos meus em sinal de conforto.

— Achei que haviam parado. — sussurrou, a sua frase quase se perdendo aos passos e vozes de alunos barulhentos.

Apertei os meus dedos nos seus, necessitando daquele calor amigável.

— Eu também. Mas parece que eles não vão me largar tão cedo. — o enviei um meio sorriso resignado.

Quando eu era mais nova, passei por uma situação perigosa e estava a beira da morte, aconteceram tantas coisas naquela noite que me traumatizou até hoje. Eu demorei um ano mais que outras crianças para começar a estudar porque tinha que ir ao psiquiatra todo santo dia, ou ficar simplesmente presa numa cama de hospital por surtos e pesadelos que não me deixavam dormir.

Foi um tempo difícil. Mas eu achava que estava a superar, já fazia mais de um ano que os pesadelos não vinham, eu estava bem e pensava que estaria melhor, mas desde o desaparecimento do Sr. Moris, eles voltaram e têm-me atacado com força.

Kaio sempre esteve lá para mim, mesmo quando criança, ele foi a minha luzinha no fim do túnel e ainda é. Quando criança ele atrasou um ano na escola só para ficar comigo  e me fazer sentir melhor. Ele era um ótimo amigo, o melhor dos melhores e eu não podia pedir melhor.

— Eu estou aqui contigo Thara. Sempre vou estar, não importa para o que seja, sabe que pode contar comigo sempre. — os seus olhos não encontraram os meus quando sussurraram verdadeiros.

Os meus lábios se curvaram num sorriso discreto, feliz e agradecida.

— Eu sei, bebezinho Del Rey. — nós dois rimos, relaxados. Eu sabia que podia contar sempre com ele, do mesmo jeito que ele podia contar comigo.

Eu podia ligar para ele as três da manhã dizendo que eu precisava dele que ele viria no segundo seguinte. E ele sempre viria, o meu melhor amigo Kaio Del Rey era um verdadeiro herói, embora não tenha um cavalo branco, uma armadura dourada e uma capa vermelha. Ele seria sempre o meu herói.

***

Folheei as páginas do pesado livro de registros da cidade pela milésima vez. As páginas antigas e desgastadas com o tempo me faziam gastar os únicos resquícios de paciência e cuidado que eu tinha para não as rasgar em descuido.

O desaparecimento de Daniel Moris fez-me perceber que eu precisava me inteirar sobre casos como estes, por isso mesmo aqui estava eu, numa bela quinta-feira presa na biblioteca da cidade pesquisando sobre tudo que pudesse me ajudar e me dar alguma pista do que está acontecendo.

Mas, para a minha infelicidade e total perda de tempo, não havia muito naqueles livros cobertos de poeira que pudessem me ajudar. Além de que eu já havia lido a maioria dos registros sobre mortes e desaparecimentos estranhos de Screamsville.

Levantei da cadeira esticando os meus braços doloridos, aquela cadeira dura quase que roubava a pouca bunda que me restava. Fechei todos os livros que havia pegado e os levei para as suas devidas prateleiras. Quando estava a colocar o último livro no lugar, outro chamou a minha atenção.

Estiquei o meu braço para cima puxando o livro de capa vermelha e dura.

Os demônios de Screamsville

Era o título do livro. As letras estavam desenhadas em um dourado chamativo, letras bonitas e bem detalhadas, mas nada do nome do autor. Ponderei em ficar mais algum tempo na biblioteca, mas já eram quase cinco da tarde, e eu não queria chegar tarde em casa, muito menos com um animal selvagem a solta.

Decidida, arrumei o meu bloco de notas e as minhas canetas na pasta. Segurei o livro nas mãos e me dirigi até o balcão da bibliotecária.

— Senhora Margot — chamei pela idosa de pele enrugada que dormia de forma confortável no seu horário de trabalho.

Ela abriu um olho preguiçosamente por trás das lentes redondas e depois o outro, me olhando entediada.

— Ashara. — ela disse, me chamando da mesma forma errada desde o fundamental.

— É Asthara, senhora Margot. — corrigi pela milésima vez na minha existência, a senhora de idade pareceu não se importar e deu de ombros.

— É a mesma coisa. — claro que não era, mas eu não disse isso.

— Eu quero levar esse livro, duas semanas é possível? — apontei para o livro com o título nada criativo.

Senhora Margot, olhou para mim e depois para o livro umas sete vezes, como se ponderasse e soltando um suspiro, me olhou daquela mesma forma estranha que me olhava desde que eu comecei a visitar a biblioteca a uns anos atrás.

— Você pode ficar com ele até para o resto da sua vida. Não é como se as pessoas fossem tão estranhas que levariam um livro com um título desses em casa. — apenas sorri, porque se não, eu xingaria essa velha desmiolada.

Não acredito que ela me chamou estranha assim, na lata. Sem se importar com o meu conflito interno, ela apenas pôs o livro numa sacola e entregou-me, nem me dando tempo para assinar no registro da biblioteca. Ela praticamente me expulsou, como se estivesse feliz de se livrar do livro com título macabro.

— Que velha maluca. — murmurei comigo mesma, ainda analisando o livro peculiar e que por ironia do destino eu nunca havia visto.

O que de facto era inusitado, porque eu já li a maioria dos livros daquela biblioteca. Lá é como se fosse praticamente a minha segunda casa, as vezes eu passava mais tempo lá do que na minha própria casa.

Tão fascinada com o livro novo ou talvez antigo e estranho, não prestei atenção por onde eu andava e acabei tombando com algo ou alguém.

O impacto impulsionou o meu corpo para trás, tentei me equilibrar, mas acabei me enroscando nos meus próprios pés, fechei os meus olhos e estava prestes a me dar a maior queda do ano quando alguém me segurou e impediu que eu caísse.

As mãos do desconhecido envolveram a minha cintura e a minha nuca me prendendo ao seu corpo anormalmente quente. Engolindo em seco, abri os olhos e deparei-me com o que pareceu um olhar estrelado. Olhos violetas.

Os olhos mais lindos e claros que eu já havia visto. Eram como estrelas na noite, belos. Me perdi naquele olhar, na sensualidade escondida entre eles que quase me esqueci como se respirava.

— Tudo bem?

Porra!

Que ser humano tinha aquele tipo de voz, tão másculo e aveludadamente rouca?

Demorei a raciocinar que era comigo que ele falava. O desconhecido demorou a me soltar, o que evidentemente eu não queria que acontecesse, o seu olhar percorrendo o meu corpo de forma lenta.

— Ah... Tudo, estou bem. Obrigada — finalmente a minha voz saiu, me livrando de um constrangimento maior — E, me desculpe por tombar em você, eu estava com a cabeça nas nuvens.

Finalmente ergui os meus olhos aos seus, de novo, e pude notar o quão alto e forte o seu corpo era em relação ao meu. A sua pele era branca, muito branca, tão pálida e o seu cabelo... Branco, como a mais pura neve. A porra de um albino gostosão.

A linha do seu maxilar era forte, a sua mão era desenhada por veias, um nariz fino e longo e os seus músculos se desenhavam na camisa preta que ele usava.

— Deveria ter mais cuidado — alertou, se abaixando e pegando o meu livro do chão, ele olhou a capa e depois o nome e deu um sorriso de lado — Que gosto peculiar, não sabia que as mulheres de agora são fãs de histórias de terror antigas.

Recebi o livro das suas mãos, agradecendo com um aceno de cabeça.

— Nem todas. — comentei simplesmente, ainda o observando.

A sua cabeça se curvou levemente para o lado, em curiosidade.

— Então, você é uma exceção srta.? — deu uma pausa, esperando que eu me apresentasse.

Estendi a minha mão, dizendo o meu nome:

— Varyneus — eu disse — Asthara Varyneus.— os seus dedos envolveram os meus de forma leve e cuidadosa como se temesse quebrar algum osso.

— É um prazer conhecê-la, srta. Varyneus — ele se curvou levemente deixando um beijo no dorso da minha mão, galantemente — Pode me chamar de Viktor. Viktor Bestlin. — elegantemente ele soltou a minha mão.

Bestlin. Um nome com uma pronúncia tão forte que enviou arrepios ao longo da minha coluna e uma sensação avassaladora de... Familiaridade.

— Você é novo na cidade, Sr. Bestlin? — perguntei curiosa, eu nunca havia o visto antes. E numa cidade pequena como Screamsville, todo o mundo conhece todo o mundo.

E o facto de eu nunca ter o visto era um mistério, ainda mais com a sua figura tão... notável.

— Novo não seria a palavra certa para descrever — as suas mãos foram aos bolsos da calça jeans preta que usava — Mas, creio que pode se dizer que sim.

Fiquei confusa com a sua resposta, mas não tive tempo de dizer nada, aquele homem misterioso simplesmente passou por mim e começou a andar na direção oposta.

— Sinto que ainda a verei muitas vezes, srta. Varyneus — disse misteriosamente, o seu tom se tornou quase um sussurrar — Mal posso esperar. —  e sem mais nem menos ele virou a esquina e desapareceu do meu canto de visão, a sola de suas botas em nenhum momento emitiram som algum.

Fiquei um bom tempo observando onde ele havia ido até me virar e seguir o meu próprio caminho. Assim que dei o primeiro passo, senti que pisei em alguma coisa.

Levantei a sola do meu all star preto e encontrei uma pulseira de prata com o pingente de um lobo e o nome Bestlin encravado nele. Viktor Bestlin havia deixado cair a sua pulseira.

Corri o mais rápido que pude até a esquina onde ele curvou para o devolver a sua pulseira, mas tudo que encontrei assim que curvei a mesma esquina, foi uma rua vazia, sem nenhum vestígio de que um homem acabou de a curvar a apenas alguns segundos.

Perguntei a qualquer um que passasse para saber se alguém o viu, mas tudo que havia sobrado da sua presença era a pulseira e a forte impressão que ele causou em mim

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Comments

Elenita Ferreira

Elenita Ferreira

Olhos violeta???🤔 Bruxo ou feiticeiro??🤨🫣

2025-04-11

0

Elenita Ferreira

Elenita Ferreira

Victor,o misterioso!!! kkkk

2025-04-11

0

Elenita Ferreira

Elenita Ferreira

Companheiros???!!!???

2025-04-11

0

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