A Morena dos Olhos Jabuticaba

A Morena dos Olhos Jabuticaba

Prólogo

...Pov's Kim Jin-wook...

...30 de Dezembro de 1799...

Eram muitas pessoas correndo com todos os preparativos, alguns ordenando e comandando e outros sofrendo por uma simples porcelana quebrada. Meu aniversário de 18 anos era muito esperado por todos da cidade, menos para mim. Eu só estava completando mais um ano de vida assim como todos completavam, mas pessoas igual a mim eram importantes demais.

O ano se finalizava novamente e faltava apenas um dia e meio para chegar o ano 1800. Eu nasci faltando apenas um dia para as viradas de anos. Iria fazer quase 16 que eu morava por essas terras brasileiras, as quais eu amo mais que minha própria vida, o ar puro, o vento, a música, o café, algodão e cana de açúcar. 

Mas não era por todas essas grandezas que minha família era reconhecida, e sim por algo o qual eu me envergonhava e me escondia, enquanto meu pai falava sorrindo como se sentisse completamente bem com tudo que acontecia ao seu redor.

Eu sentia total repulsa, se fosse para ter uma vida daquele tipo eu simplesmente preferia sequer ter nascido, mas nem disso eu poderia ter alguma escolha. Meu pai era brasileiro, minha mãe coreana, ela se apaixonou por ele no mesmo tempo em que os olhares foram trocados. Mamãe Naeun sempre contava a história dela com papai e em seus olhos não haviam arrependimentos, nem momentos ruins. 

Fechei meus olhos por segundos, sentindo a brisa em meu rosto e aproveitando o minuto de paz, ao colocar o pé sobre o chão não vi o pequeno e último degrau, acabei escorregando e, por fim, acordando para aquela desgraciosa e cruel realidade. Em segundos os capatazes daquela fazenda vieram correndo me ajudar e perguntar mil vezes se eu estava bem, enquanto atrás deles haviam idosos e crianças trabalhando pesado sobre o árduo sol que não estava de brincadeira. Voltei ao meu trajeto andando em direção ao plantio e aos escravos. Como eu odeio os chamar assim. 

Minha atenção estava focada em seguir em frente, mas isso foi interrompido quando senti alguém muito pequeno segurar a barra de meu casaco. Olhei para baixo vendo um menino pequeno que parecia ter no mínimo 10 anos, ele era mais um que estava por ali.

— Senhorzinho, sabia que meu aniversário é amanhã também? Eu me sinto tão agradecido por ter nascido no mesmo dia e mês que o senhorzinho! — ele falava com um sorriso.

Nem tive tempo de lhe dar um sorriso sequer, porque no minuto seguinte ele foi arremessado para longe de mim, meu olhar voltou-se para a pessoa ao meu lado, vendo o capataz mais fiel ao meu pai, e no olhar dele via-se raiva, ódio e nojo. 

— NÃO ENCOSTE SUAS MÃOS IMUNDAS SOBRE ELE, ESCRAVO! — gritou alto, afastando a criança com o pé. — Eu devia lhe mandar para o tronco! 

— Não, por favor, não! — Ouvi súplicas, uma mulher puxou o pequeno menino para trás dela. — Leve-me no lugar dele, mas poupe meu filho! Ele é apenas uma criança!

— Cale a boca! — A empurrou para longe, e então pude notar a pequena elevação sobre o ventre dela, fechei meu punho pronto para interromper aquilo.

— Um passo para trás, Morales. — Corrigi minha postura ao reconhecer a pessoa. Meu pai se aproximou, parando do meu outro lado. — Ela está grávida, não se bate em mulheres grávidas.  

— Obrigado meu senhor. — A mulher se curvou completamente agradecida para um homem tão ruim que tinha um sorriso falso e intenções terríveis. 

— Não agradeça, minha querida. — Ele sorriu. — Ele ou ela irá nascer e vai ser claramente um bom escravo, todas as suas crias sempre foram tão boazinhas e fortes. — Ele ajoelhou-se diante do menino que ainda estava agarrado a sua mãe. — Mas alguns têm que aprender uma lição. 

— Por favor, senhor, não faça nada com ele. — As lágrimas dela caiam assim como seus cabelos desciam por seu rosto. — Não sabe de muita coisa, é apenas uma criança, está aprendendo, ele tem só 9 anos. 

— Não irei levar nenhum dos dois sobre o tronco. — falou. — Mas me diga, aquele ali lhe encarando com aflição é seu filho mais velho não é? Ele tem 17 anos, se não me engano, não é? — Ela assentiu. — Então ele pagará o preço pela ousadia e desobediência do pequeno. Leve-o para o tronco e lhe dêem 18 chicotadas, 12 pelo garoto e 6 e meio pela mãe.

Olhei em direção ao garoto, que quase tinha a minha idade, tentando relutar àquela covardia mesmo sendo completamente inútil. Meu pai segurou em meu pulso me, forçando a ir em direção ao tronco que tinha bem a frente de nosso casarão, rasgou a camiseta do pobre menino e me forçou a segurar aquele chicote.

— Castigue-o! — ordenou meu pai.

— Ele não fez-

— CASTIGUE-O! — gritou alto, fazendo-me estremecer, meu punho fechou com força. — Ou eu...

— Castigue-me! — falei calmo, meu pai ficou um olhar inferiorizado e os demais escravos pasmos. — Tire-o e me coloque no lugar dele.

O que recebi em seguida foi uma esbofeteada de meu pai, que estava carregada de ódio. Suas mãos seguraram meus cabelos com força e me forçaram a olhá-lo:

— Preferia que tivesse vindo uma menina no lugar de um fraco tolo igual você! — disse calmo e sereno olhando ao fundo de meus olhos. 

— FRANCISCO! — Nosso olhar se voltou para mamãe, que estava em meio às escadas. — Não diga isso! Ele é nosso filho — ela falou, respirando profundamente triste.

Meu pai, sem delicadeza alguma, me jogou ao chão e pegou o chicote, começando, sem cerimônia alguma, a machucar o pobre garoto que chorava agarrado ao tronco, mas seu olhar era de puro ódio. Atrás dele havia uma mãe agoniada, chorando junto, sentindo a mesma dor que o filho.

Minha mãe desceu correndo e me ajudou a levantar e o mais rápido possível começou a me tirar dali, ou tentar, já que eu tentava achar uma única solução para acabar com tudo aquilo, mas parecia impossível. Eu ouvi cada chicotada e, de 18, foram mais de 26. Sabia que meu pai descontava a raiva que sentia de mim no pobre garoto e aquilo me fez sentir cada vez mais culpado. 

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