capítulo 2

Me chamo Feliphe Veranese, tenho trinta e nove anos e voltar para São Martim depois de tudo o que me aconteceu nesse lugar, não foi uma decisão fácil, porém necessária.

Os anos que passei longe, fugindo de um passado doloroso, alheio a tudo e a todos aqui, me trouxeram muitos problemas, aos quais não posso mais evitar e preciso resolvê-los antes que a minha inércia e despreocupação, me lancem em profunda ruína.

Possuo terras e negócios importantes nessa região e deixei todos abandonados, quando a tristeza de uma dor profunda tomou conta de mim e precisei partir para não deixar o ódio e desespero destruírem a minha alma. No entanto, é hora de voltar, embora eu pense que ainda não estou preparado.

A perda que sofri nesse lugar marcou-me para sempre, e não sei se, serei capaz de superar o ódio, caso encontre no meu caminho, aqueles que causaram-me tamanho sofrimento.

Hoje é um dia festivo, pois se comemoram os quinze anos desse pequeno vilarejo, e infelizmente, cheguei justo nesse dia.

Há comemorações em várias partes e no início da noite, costuma-se fazer uma grande passeata em desfile pelas ruas da cidade, longe de mim querer participar, no entanto, preciso comparecer, pois, tenho que refazer os meus laços de amizades e influência, para reerguer os negócios que não andam nada bem.

Bento é o meu fiel escudeiro, esta comigo desde o início, e sabe que está de volta não é nada fácil para mim, por isso, o trouxe para acompanhar-me nessa noite maçante e nada agradável para mim, pelo menos teria um amigo sincero ao meu lado, já que terei que socializar com tantos outros com os quais, não tenho o mesmo sentimento.

Após participar de um desinteressante sarau no início da tarde, onde estavam presentes as pessoas mais importantes desse pequeno lugar, como, banqueiros, grandes proprietários de terras, e até os representantes da cúpula de governo, com os quais conversei por um bom tempo, sobre a situação das minhas terras, e consegui uma boa oportunidade de solucionar alguns dos meus problemas.

Porém, não encontrei, quem mais desejava essa noite. Imaginei que numa comemoração tão importante para cidade, o comandante de polícia estaria presente, e tinha um interesse pessoal e urgente em encontrá-lo essa noite, no entanto, ele não compareceu.

Disseram-me que tinha um trabalho importante e isso frustrou-me bastante, pois encontrá-lo, talvez tenha sido o principal objetivo que me fez encarar essa festa hoje.

Depois de algumas horas, enfim era chegado o momento da passeata e muitas das pessoas presentes no sarau saíram para participar, no entanto, preferi ficar apenas observando.

Bento quis apreciar um pouco a festa, e não achei justo arrastá-lo comigo para o lado obscuro da minha tristeza.

Dexei-o participar enquanto o aguardava a tomar algumas doses de uísque na taverna quase enfrente a praça principal, por onde a passeata certamente passaria.

Enquanto observo as pessoas felizes, comemorando por toda a parte, sinto-me um tanto revoltado, pois todos parecem seguir a vida tranquilamente e nem sequer se lembram da grande tragédia de anos atrás.

A tragédia que me tirou o meu bem mais precioso, e com a qual, ninguém parece importar-se mais, mesmo sabendo que os culpados ainda não pagaram pelo mal que fizeram.

Sentindo uma grande angústia no meu coração, decido ir embora e não esperar mais por Bento, afinal, ele já é bem grandinho, e pode muito bem voltar para casa sozinho, porém, lembro-me que viemos em uma única carruagem, por isso, levanto-me rapidamente e entro no meio da multidão, para encontrá-lo e poder voltar para casa, no entanto, não vai ser fácil.

Há muitas pessoas nas ruas e caminhar está um tanto difícil, pois todos cantam, dançam e comemoram à sua maneira enquanto caminham lentamente, e esbarrar uns nos outros é quase inevitável, no entanto, de repente sinto um choque intenso contra o meu corpo, e antes mesmo que eu consiga raciocinar, estou a segurar uma mulher pela cintura, para evitar que ela caia ao chão bruscamente.

Ela parece confusa e perdida, e quando encaro os seus olhos amendoados cor de mel, parece que aquela surpresa transformar-se em fascinação, deixando-me apreendido naquele olhar puro e aflito.

__A senhorita está bem?

Pergunto tentando posicioná-la no chão com segurança, ainda segurando em suas mãos por precaução. Ela não responde, apenas continua encarando-me ainda confusa e, confesso que algo nela me atrai de forma diferente.

A sua pele é clara, o seu rosto é pequeno, escondido por trás dos cabelos longos caídos sobre os ombros e os seus olhos emanam certo fascínio que me deixa intrigado, pois embora eu não a conheça, sinto que algo nos une intensamente.

__Se machucou? Por favor, perdoe-me!

Tento novamente chamar a sua atenção, pois suas roupas estão sujas, e mesmo sem ver perfeitamente, parece que está ferida, porém ela continua em silêncio, o que me faz pensar que talvez não fale, ou não consiga entender o que digo, pois, continua encarando-me de forma intensa.

Parece assustada, confusa e com medo. Pessoas passam por nós a todo instante, mas parece que eles não existem agora, estamos os dois ali, no meio da multidão e quando encaro aqueles olhos amedrontados, sinto uma enorme vontade de envolvê-la nos meus braços e protegê-la, seja lá do que for, que esteja a aterroriza-la daquele forma.

__Venham, seus parlemas... Ela não deve estar longe!

Esse grito ecoa não muito longe de onde estamos, e finalmente vejo alguma reação dela, que não seja encarar-me daquela forma enigmática.

Ela parece ainda mais assustada do que antes, e após olhar para todos os lados, parecendo procurar a melhor direção a seguir, solta as minhas mãos rapidamente e segue na direção leste da praça principal, saindo do meio daquela multidão, mas antes de desaparecer por completo, volta-se para trás, e encara-me uma última vez, dando-me um sorriso tímido, como se quisesse agradecer por algo, que nem eu mesmo sei se fiz, e logo segue seu caminho, desaparecendo na escuridão.

Não demoro a descobrir o motivo de tanta pressa e pavor, pois alguns guardas surgem entre a multidão, e junto com eles o comandante Ivo Malta, esbravejanto para todos os lados que deveriam encontrá-la, ou então pagariam caro por deixá-la escapar.

Não é preciso ser um gênio para saber que estava falando daquela moça, por isso, mesmo sem saber quem ela era, e tão pouco qual crime havia cometido para deixar o comandante tão irado, senti que devia ajudá-la e dar a ela uma chance de escapar, pois, se o comandante continua sendo tão implacável com seus prisioneiros, como, quando era apenas um soldado, me incomodou a ideia de imaginar o que fariam caso a capturassem, por isso, tentei impedi-los de seguirem na mesma direção que ela se foi.

__Com licença, senhor, está me atrapalhando!

O comandante diz um tanto nervoso, quando fico parado na sua frente, e sempre me movo na mesma direção que ele.

__Perdoe-me, não tive a intenção. Está procurando por alguém?__pergunto ainda disfarçando, fingindo não saber do que se trata.

Eu o conheço, mas ele pareceu não me reconhecer, e não o culpo, o conheci anos atrás quando era apenas um soldado, e embora ele não tenha mudado muito, eu sou um homem completamente diferente.

__Sim. Acaso viu uma moça de olhos claros e cabelos longos passando por aqui?__ele pergunta olhando para todas as direções tentando avistar o seu alvo.

__Sim, acredito que vi uma moça com essa descrição, um tanto assutada correndo para lá!__digo, apontando na direção oeste da praça principal, sentido oposto ao qual aquela misteriosa moça verdadeiramente desapareceu, assim ela teria tempo de encontrar um lugar seguro para esconder-se.

__Obrigado. Se me permite?

Ele diz já despedindo-se e segue com seus homens na direção que indiquei.

Para a minha sorte, depois de todo esse alvoroço não demoro a encontrar Bento no meio da multidão e imediatamente seguimos para casa, embora a minha pressa tenha outro motivo especial nesse momento.

Aquela moça misteriosa tomou o sentido leste da praça principal, e se, o seu objetivo era deixar o vilarejo, com certeza teria que pegar a mesma estrada em que estou agora, por isso, tenho a esperança de que talvez possa encontrá-la outra vez, e quem sabe realmente ajudá-lá, no entanto, são trinta minutos de carruagem até chegar em minha fazenda, e pedi que Bento apressasse os cavalos o quanto pudesse, seguindo sempre atendo a qualquer movimentação na estrada, porém, não avistei ninguém pelo caminho, o que me deixou um tanto preocupado, embora não consiga entender porquê.

Assim que chego em casa já é tarde, por isso, tomo um banho quente, e mais uma dose de uísque e deito-me com a intensão de descansar daquele dia bastante exaustivo, afinal, cheguei de viagem da capital essa manhã, participei de um sarau nada interessante e tratei de assuntos nenhum pouco agradáveis, por isso estou extremamente cansado, isso sem contar naquela passeata um tanto surpreendente, o que me faz lembrar daquela moça outra vez.

Lembro-me perfeitamente das feições de seu rosto miúdo e do seu olhar cativante, embora estivessem envolto numa mistura de medo e coragem, que me deixaram intrigado até agora. Quem ela era para deixar o comandante tão nervoso? E o que será que fez para ele querer tanto prendê-la? Será que ajudei uma fugitiva perigosa?

Não. Penso que não. Ela era tão... Como dizer? Tão frágil, e inocente. Não poderia ser perigosa.

Tento convencer-me de que fiz a coisa certa em ajudá-la, embora uma dúvida ainda mais cruciante me tire o sono esta noite.

Onde ela está agora?

Porque não a encontrei pelo caminho, se o mais certo é que tomou a mesma estrada que eu?

Eu não sei. E pensar nisso está quase me deixando maluco.

Ao menos espero que tenha encontrado um lugar seguro para pernoitar, pois uma forte chuva começou a cair logo que saímos de São Martim, e não seria nada saudável passar a noite numa tempestade como essa, porém, tento aceitar que fiz o que pude, e preciso esquecê-la, pois certamente jamais a encontrarei novamente.

...****************...

continua...

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