Em uma época distante, minha mãe costumava me contar uma história onde um carinha chamado Platão contava que antigamente tínhamos quatro braços, quatro pernas e dois rostos. E, que devido ao nosso orgulho, Zeus nos dividiu ao meio como punição e ficamos destinados a andar pela terra procurando nossa outra metade.
Eu passei a adolescência inteira fascinado naquele mito incrível, a ideia parecia, e ainda parece, tão mágica e colorida. E assistir meus pais envelhecerem preservando seus mais puros sentimentos me motivou ainda mais a acreditar que a minha outra metade, tirada de mim pelo maldito Zeus, está em algum lugar por aí. Por isso, busquei independência o mais rápido possível e me mudei para a capital. Aluguei uma casa básica e comecei trabalhar em um supermercado. Dessa forma tenho muito mais chances de encontrar alguém que, com certeza, está me procurando também.
Arrumo os produtos, os organizando de forma quase perfeita. Olho em volta. A movimentação está pesada hoje, tem gente para todo lado. E, claro, eu tento não vasculhar cada seção do mercado tentando encontrar alguém interessante. É difícil, mas fazer isso no trabalho não é uma boa ideia.
Um vulto se aproxima de repente atrás de mim, me abraçando por trás.
— Você tinha que ter visto, Anton! — Yuri me solta e depois segura meus braços falando alto o suficiente para chamar a atenção dos clientes.
— Não precisa gritar. — Passo o braço pela sua nuca, abaixando sua cabeça.
— Acho que encontrei minha amante perfeita — ele encara nossos pés. — Ela passou por aqui enquanto eu arrumava os carrinhos.
Reviro os olhos e o empurro, me agachando novamente para organizar o restante dos produtos.
— Cara, ela tem um cabelão lindo — continua ele, se agachando ao meu lado. — E, Deus do céu, as curvas...
Viro a cabeça e o encaro.
— Ela estava usando legging e uma blusa branca?
Yuri faz uma careta e assente.
— E o cabelo era bem preto?
Ele se aproxima.
— Já chegou nela?
Suspiro, quase derrubando os produtos que havia acabado de organizar. Pego a caixa vazia e me levanto. Yuri faz o mesmo.
— Ela já tem namorado — minto. — E pelo que vi, você não vai querer arrumar confusão com ele.
Yuri murcha e passa as mãos pelo cabelo com um corte moicano curto.
— Droga.
Passo por ele, dando um chute rápido em sua canela.
— Você é casado e ela também, vai procurar o que fazer.
Yuri fica massageando a canela enquanto busca xingamentos novos.
Faz algum tempo que estou na praça em meu banco privilegiado caçando alguma peculiaridade apenas para passar para o papel. E até o momento não encontrei nada. Bom, tem uma senhorinha de mãos dadas com o neto. Começo a rabiscar o formato dos dois. Não é interessante, apenas me faz lembrar da minha avó e tempos de infância. Logo, logo irei visitá-la, esse foi um dos motivos de eu ter escolhido a capital.
Olho por cima do ombro e vejo Agatha atendendo as clientes com o sorriso no rosto e exalando simpatia. Não consigo escutar sua voz daqui e também não posso interromper seu trabalho, infelizmente. As clientes deixam a loja com algumas sacolas, imediatamente Agatha olha na minha direção e acena. Faço um coração com as mãos e ela balança a cabeça, dando risada, indo para o fundo da loja.
Será que ela também estava pensando em mim e por isso olhou para cá? Folheio o caderno até encontrar o desenho inacabado que fiz dela e tento finalizá-lo. Estou com muita vontade de ir até lá, mas preciso de um bom motivo para isso. Estapeio minha testa com força e fecho o caderno quando me dou conta de que tinha o motivo perfeito para ir até ela.
O boné que esqueci em casa.
Merda.
O Fiat de Rafael berra através da buzina.
Olho para a loja mais uma vez e mais clientes entram.
Pego o caderno, me levanto e caminho até o carro aceitando minha derrota.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 30
Comments