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...Isabella Salazar...

O tio Beltrano ergueu as mãos em sinal de rendição e em um piscar de olhos avançou sobre o meu pai, tomou a espada na bainha presa à cintura e o ameaçou com a lâmina a uma polegada de distância da garganta.

Os dois estavam sozinhos discutindo, e eu à distância observando tudo com o meu coração acelerando. Nenhum guarda apareceu ali pelos minutos seguintes. Vi nos olhos do meu tio emanar uma energia de tons escuros e de sensação negativa, como se ele desejasse de verdade cravar a lâmina da espada na garganta do próprio irmão.

Naquele momento, sem mais nem menos, lágrimas involuntárias escorreram dos meus olhos enquanto o meu corpo se moveu na direção deles, gritando palavras de desespero e medo.

— Não, tio!

— Isabella? — indagou meu pai ao sentir o meu abraço por trás.

— Como vai, sobrinha?

— Não mate o meu pai, por favor!

O tio Beltrano baixou a espada, rindo bem alto enquanto o meu pai se virou e, após se abaixar diante mim, enxugou com suas mãos as lágrimas que escorriam pelo meu rosto pálido.

Não compreendi a razão das risadas do meu tio, suas ações não tiveram graça alguma para mim. Imagina ver a vida de seu próprio pai ameaçada diante de seus olhos. A morte nunca foi interpretada como um momento cônico no reino de Valeria e eu sempre tive medo dela.

Os nobres normalmente morrem após a velhice como pessoas que cumpriram seu tempo nesta realidade de amor e dor ou no campo de batalha como grandes heróis, e não pelas mãos do próprio irmão.

Na história da nobreza do reino de Valeria, os reis e seus irmãos sempre mantiveram uma boa relação, embora expressassem o desejo de revogar a lei que obriga o descendente caçula do rei a ser o seu sucessor imediato, e os demais filhos, em ordem do mais novo para o mais velho, a assumir o trono no caso de morte do irmão mais novo.

— Está tudo bem, filha. Acalme-se, seu tio apenas está fazendo mais uma de suas cenas sem graça.

O meu pai tomou de volta sua espada e a guardou na bainha presa a sua cintura revestida por um cinturão dourado. Ele repreendeu o irmão com um olhar severo, semicerrado, como se estivesse querendo amassar a imagem do irmão, como fazem as bruxas nos livros de fadas, comprimindo objetos apenas estreitando os olhos ou franzindo a testa.

— Tens uma filha muito dramática, Afonso. Deves torná-la mais forte ou vai se tornar uma mulher tão fraca quanto seu filho será…

De repente, sua voz cessou com a mesma rapidez com a qual o meu pai desembainhou a espada e encostou na garganta trêmula do irmão linguarudo.

— Se ofender mais uma vez a minha família, cortarei a sua garganta.

Desse dia em diante, o tio Beltrano assumiu um comportamento menos infantil. Ele que me chamava de criança e o meu irmão de eterno bebê passou a temer mais o próprio irmão caçula, cessando de vez os seus comentários ofensivos para com os filhos do rei de Valeria.

Mas no fundo do meu coração eu ainda temia a presença dele, sentindo que tudo não passava de uma encenação para algo maior que poderia vir a acontecer anos mais tarde.

O tio Beltrano sempre foi cheio de surpresas e não era exagero, tampouco loucura alguma acusá-lo de ser o culpado por envenenar o meu pai, embora houvesse uma lista enorme de suspeitos, ele estava no topo dela para mim. Era e continua sendo o meu suspeito número um, apesar da ausência de provas que fundamentam as minhas acusações.

A notícia da causa da morte do rei de Valeria dividiu opiniões entre os que acreditam que o rei Afonso de Salazar foi envenenado por inimigos infiltrados no reino e os que sugerem, assim como eu, que um familiar tenha causado essa tragédia por interesses próprios. Que outra razão teria o meu tio de deixar seu reino naquela noite para celebrar as conquistas do irmão que sempre lhe deixavam com uma inveja tão óbvia em suas palavras e em seu olhar, pela forma irônica como falava e pela expressão facial fechada como a de quem demonstra descontentamento?

O mistério permanece no ar até então.

— Tragam-no para conversar em particular na sala real com o novo rei de Valeria — ordenei aos soldados, apontando o ferreiro, surpreso com as minhas palavras.

A multidão uivou contra a minha decisão. Optei por isolar um só, isto é, aquele que mais se assemelhava ao líder do rebanho. Aprendi com o tempo que estive com o meu pai que se você deseja convencer um grupo de pessoas de algo, convença primeiro o indivíduo em que todos mais confiam, pois este se convencido, transmitirá a mensagem e os demais não julgaram a mensagem, mas sim aquele que a transmite, dessa forma as chances de persuadir todos são maiores, mesmo que uma minoria resista a persuasão e permaneça discordante.

Caminhamos pelo corredor principal até a sala real. Alexander ao meu lado e ao lado dele parecia caminhar a personificação de sua insegurança presente em sua própria sombra se movendo na parede com os ombros e a cabeça baixa.

Os soldados conduziam o ferreiro logo atrás de nós. A luz do dia invadia o ambiente pelas janelas douradas que resplandeciam a beleza do castelo e a riqueza da nobreza do reino de Valeria.

— Erga a cabeça, irmão — pedi em tom sussurrante. — Como espera ser um rei temido pelas pessoas sem a postura correta.

— Isabella…

Ele moveu os olhos para o lado, tentando olhar para trás sem mover a própria cabeça. Alexander parecia incomodado com a presença daquele homem que ganhava a vida trabalhando por horas durante o dia e às vezes à noite também nas fábricas de espadas, produzindo o arsenal necessário para os soldados valerianos derrotarem quaisquer invasores.

Todos os ferreiros têm por obrigação esse árduo trabalho, dado que somente os nobres se esforçam menos se tratando de um serviço braçal. Alguns nobres, preferencialmente, trabalham no ensino ou nos centros de cura do reino, enquanto outros só fiscalizam o trabalho das classes inferiores.

O meu pai sempre esteve presente no meio do povo, fiscalizando pessoalmente o progresso de seu reino, o aumento na produção de armamento militar e no armazenamento de alimentos para o inverno, que ocorre sempre do primeiro ao quarto mês do ano.

— O que pretende fazer?

— Restabeleceremos a ordem no reino deixado por nosso pai. Apenas confie em mim. Eu estive na companhia do rei Afonso de Salazar a minha vida toda, ouvindo seus julgamentos reais, reuniões e planejamentos militares. Sei exatamente como convencer aquela multidão a se submeter a você, rei Alexander.

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Comments

💗Menis💗

💗Menis💗

mano que bom! a escrita da autora e perfeita! e essa fanfic promete🤩

2024-07-09

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