Narrado por Liandra
Estava novamente naquele parque. Mamãe que fora uma pessoa amante da natureza e por isso tinha feito questão de ter um pequeno jardim no quintal da nossa casa, sempre me levava com Let para brincarmos lá. Eu, de volta aos meus “quase sete anos”, como me referia a idades na época e minha maninha em seus “quase dois”. Éramos vigiadas por mamãe. Enquanto eu brincava no escorregador, pude avistar quando Let, ao correr pela grama na sua própria brincadeira livre, caiu, machucou a boca e começou a chorar. E mesmo indo “voando” em sua direção, sentindo tamanha aflição e preocupação, infelizmente não pude fazer nada pelo meu nervoso ao ver o sangue que saia de sua boca e até atormentei um pouquinho a mamãe que como sempre demonstrava calma, paciência e facilmente resolveu a situação, comprando uma garrafinha com água para fazer uma lavagem e verificou o corte que o dente deixou nos lábios pelo impacto com o chão. Comprou picolé que na minha cabeça era para fazer a Let parar de choramingar, mas, tenho ciência hoje que era para estancar o sangue.
Voltamos para casa mais cedo naquele dia. E na hora de dormir, mamãe conversou comigo, como sempre fazia, citando daquela vez o incidente que havia ocorrido naquela tarde. Ela me disse:
“Mesmo que de longe, meu amor, ao virmos para perto mostramos que nos importamos e que amamos as pessoas. Sua irmãzinha sempre vai precisar de você, dos seus cuidados e da sua ajuda para aprender as coisas.
Essa é sua missão de irmã mais velha!”
Acordei com o barulho irritante do despertador e fui me aprontar para o dia, mesmo sendo perseguida pelas lembranças que vieram como sonho e me sentindo meio perdida por conta delas que me recordam da falta que ela faz.
Depois daquele dia, ainda pude aproveitar e desfrutar da presença dela mais um pouco. Entretanto, teria aproveitado mais os seus abraços, sorrisos, olhares e cafunés se soubesse que eu a teria por um mísero e mínimo tempo na infância, graças ao cruel destino.
A perdemos em um acidente de carro. Eu tinha dez anos e a Let, apenas cinco. Ou seja, ela quase não se lembra do ser humano mais amável que já existiu. E eu imagino a falta que ela sente, que apesar de ser diferente da minha por eu tê-la perdida em meio as memórias, sentir a falta de alguém que você mal conheceu tem a mesma mensura de dor, mas pode ser ainda mais complicado.
Nós voltávamos do parque. Tenho flashes de lembranças em que vejo o caminhão parecer engolir o nosso veículo e do olhar preocupado que ela me lançou. Após a batida, ela ainda conseguiu alcançar o retrovisor interno nos buscando, aflita e ao encontrar os meus olhos, me lançou um sorriso e um olhar de amor de alívio. Recordo-me vagamente que ainda conversamos. Ela perguntou da Let e eu respondi que ela estava dormindo na cadeirinha. Me perguntou se me machuquei e lhe disse que minha cabeça estava doendo, que a bati muito forte no banco da frente, mas que o cinto de segurança havia “me salvado”. Lembro da sua risada. Ela me contou que poderia ir para o céu, mas que sempre estaria conosco. Que era para eu ser corajosa e uma ótima irmã mais velha, filha e aluna assim como era. Que nunca mudasse quem sou e não deixasse ninguém fazer isso. Me disse que me amava muito e pediu para eu dizer o mesmo a Let e ao papai. Depois, eu comentei que estava ficando com sono e ela disse que tudo bem, que a ambulância já devia estar chegando. Lembro-me que acordei quando me retiravam do carro e de ver seus olhos tão cinzas quanto os meus e os de Leti, sem vida em nossa direção e sabia que ela já havia partido. Suas pernas haviam sido esmagadas no impacto da batida e de sua cintura para baixo estava preso nas ferragens e fora perfurada na coxa, inevitavelmente teve uma grave hemorragia e o culpado do acidente foi um miserável que estava alta e exageradamente embriagado e só teve alguns arranhões no rosto e nos braços proveniente dos estilhaços dos vidros dianteiros. O desgraçado ficou preso durante cinco anos e teve o direito de obter a habilitação para dirigir suspenso por se tratar de um caso de homicídio culposo que é quando o resultado de morte não era esperado. Entretanto, não demorou uma semana depois que saiu da penitenciária para dirigir e, embriagado novamente causou outro infeliz acidente que levou dessa vez sua própria vida, livrando o mundo de mais um bárbaro dentre tantos outros. O destino o fez sofrer da mesma forma que ele causou a morte da minha mãe e pelo que saiu nos jornais, a sua cabeça estava ensanguentada do lado de fora do vidro dianteiro. Pena, eu não senti e muito menos serei capaz de sentir algum dia. O que tenho é a persistente saudade da minha mãe levada tão cedo pela morte por causa da imprudência de um indivíduo.
Ao me olhar no espelho, já pronta, recordo do quanto eu e a Dona Luma nos parecíamos muito, tanto de personalidade quanto na aparência. E como ela era cópia de minha avó, que faleceu aos meus sete anos, a semelhança era incrivelmente fascinante. Sempre fui um grude com ela, apesar de ser muito apegada a todos da minha família.
Papai se fechou muito com a perda, pois mamãe era o seu apoio e aparentemente a razão de sua vida. Eu testemunhei um pai e marido amoroso se tornar em alguém distante e impossível de alcançar. E ter duas crianças meninas para criar, só foi possível pelo auxílio de Dona Ju que trabalha conosco desde o nascimento da Let. Acho que o mais difícil para ele tenha sido ver uma mini cópia de seu falecido amor todos os dias, vulgo eu. A Letícia herdou apenas a cor dos olhos da mamãe. Talvez esse fator tenha influenciado numa diferença de tratamento que na verdade não é bom para ninguém dessa família.
Estou com uma baita dor de cabeça e dou muitas Graças quando enfim minha turma é liberada pelo último professor do dia. Meu corpo parece ser um cadáver ambulante muito pesado para carregar e estou me sentindo como uma alma presa. Tive que aguentar ainda a Mariah me enchendo de perguntas sobre “as caraterísticas que quero no meu boy”. Resumindo, ela está empenhada em me ajudar a desencalhar e também está se achando uma investigadora do FBI ou senão do CSI. Deve ser meu talento atrair gente doida para serem meus amigos.
O que me faz lembrar a razão para eu ter pensado nesse plano maluco de arranjar um namorado por causa da minha irmã e, de alguma forma aquelas lembranças fizeram uma parte de mim ter um certo receio e outra um tanto de coragem para realizá-lo.
Encontro com Nath no estacionamento para irmos cada um para sua casa e durante o caminho ele faz o silêncio que o pedi, por conta da dor de cabeça que está me perseguindo, após praticamente me obrigar a tomar um remédio que ele tinha guardado na gaveta do carro.
– Hoje faz dez anos que ela se foi. – comento de repente. Nath já era meu amigo quando a tragédia aconteceu. Ele ficou ao meu lado, me abraçou e até me pôs para dormir nas primeiras semanas. Passou por esse processo doloroso junto comigo e eu sou muito grata a ele. As nossas famílias eram amigas desde a geração de nossas avós maternas que se conheceram na Universidade e juntamente aos nossos avôs já descansam no paraíso. Então todos sentiram a dor do luto e nos deram apoio, além de compreender as atitudes do meu amigo, preocupado comigo.
– Eu sei. – sua voz grave soa em um tom manso – Imaginei que seu desânimo hoje era por conta disso. – ele falou e eu soltei um suspiro cansado.
– Está com o resto do dia livre? – o perguntei.
– Sim, por quê? – indagou e eu tirei a mão do rosto e me virei para o lado para vê-lo dirigindo o carro.
– Me leva para qualquer lugar que não seja minha casa. – pedi e ele ficou alguns segundos me fitando antes de assentir e fazer com que o carro tomasse um destino diferente do qual eu não sabia qual seria, mas, confio nele e sinto-me segura com sua companhia. Decido permitir que o sono me leve e deixo ele nos guiar pelo caminho que quer.
Ouço uma voz longe parecer me chamar e o som de vento forte ao fundo. Abro os olhos e pisco meio sonolenta, me sentindo ser sacudida levemente. Desperta, vejo Nath agachado ao meu lado, fora do carro com a porta aberta.
– Caraca meu! Tenho quase cinco minutos te chamando. Já estava desistindo. – resmunga e eu rio ainda meio grogue.
– Foi mal, me perdoe. – digo, me espreguiçando.
– Relaxe. Gosto de ver que não mudou o jeito de dormir e a lerdeza de quando acorda. Quase nenhuma mudança a não ser essa “comissão de frente” aí. – fala rindo – Ai! – resmunga depois de levar um tapa no braço.
– Idiota! – falo – E então, para onde nos trouxe? – questiono passando meus dedos em meus olhos.
– Para uma praia. Achei que precisava respirar um pouco e como você ama o mar, foi fácil decidir o lugar. Esta, fica a mais ou menos duas horas da cidade vindo pela via principal. – arregalo os olhos.
– Eu dormi todo esse tempo? Meu Deus! “Bati” meu recorde. – falo e vejo seu sorriso.
– Com certeza. Como são exatamente três horas e trinta minutos da tarde, – diz olhando o relógio em seu pulso esquerdo – você deve estar com fome, porque eu estou. Então vamos almoçar uma moqueca de camarão naquele restaurante ali. – aponta para um restaurante simples do outro lado da pista. Sorrio olhando ao redor e vejo que estamos em um estacionamento feito provavelmente pela prefeitura praticamente de frente para praia.
– Você que vai pagar não é? Tá me convidando! – indago brincando, voltando minha atenção para Nath que se levanta.
– Ainda duvida da minha personalidade cavalheiresca, cara dama? Como ousas?! Como consequência irá me presentear com a sobremesa. Quero uma cocada de maracujá. – diz entrando no jogo e até exagera nos seus gestos de cortês.
– Oh, perdão meu senhor. Irei retratá-lo como me pedes. – digo saindo do carro e fechando a porta – Fazes tanto por mim, como poderia negar tal simplicidade, meu caro moço? – ele gargalha e me abraça tão apertado que me tira do chão e gira comigo em seu colo enquanto rimos. Mas na verdade, ele me faz sentir sair do chão, pois tira todos os problemas da minha cabeça, me deixando leve.
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Atualizado até capítulo 98
Comments
namjoon_skyi
Um romance doce e reconfortante, me senti abraçada.
2023-07-14
1
Husna
Foi como se eu fizesse parte da história, senti tudo junto com os personagens.
2023-07-14
1