4. MISTÉRIO

Ao menos minha mãe não deu tanta relevância à ameaça de Selene em dizer a verdade. Vesti o meu pijama escuro pela primeira vez, e minha mãe não duvidou que eu o ganhei de outra amiga do colegial.

Selene validou a minha mentira como forma de se redimir pelo que fez com a minha cama. Ela se deitou na cama quebrada, e eu no colchão ao lado como combinado.

Minha mãe saiu após apagar a luz. Ficamos sozinhas novamente. A luz da lua invadia as frestas da janela, clareando um pouco o breu que reinava sobre nós.

Cochilei um pouco antes de ser despertada por sussurros ecoando no quarto. Não sabia quanto tempo tinha se passado, e isso pouco me importava. Eu queria muito dormir, embora não tivesse nada para fazer cedo da manhã, preferia acordar cedo do que dormir até tarde.

— Ei, Mary, está acordada?

— O que foi, Selene?

— Ainda bem que está acordada, porque estou com muito medo.

— Diz logo o que foi, eu quero dormir — resmunguei com voz de sono.

— Ouvi um barulho vindo de lá debaixo.

— Deve ser a minha mãe — respondi em tom despreocupado.

— Não, não pode ser.

— E quem mais seria, Selene?

Uma repentina batida na porta respondeu à minha indagação. Selene ficou muda, e eu engoli em seco. Ficamos um tempo aguardando para ouvir mais alguma coisa, porém, foi apenas uma batida na porta e nada mais.

Tomei coragem para me levantar e acender a luz. Aparentemente, estava tudo normal, incluindo a minha cama quebrada, confirmando que eu não estava sonhando.

Selene se encontrava sob os lençóis, escondida como uma criança medrosa. Aproveitei a situação para lhe dar um susto. Saltei sobre ela, gritando "cão zumbir, Selene".

Ela deu um grito ainda mais alto. Seu susto trouxe minha mãe de volta ao meu quarto. Dessa vez, ela ficou curiosa por termos a assustado pela segunda vez. Sua expressão fechada não deixou dúvidas de que já era hora das brincadeiras cessarem.

— Desculpa, mãe.

— Mary, vocês já são adultas para agir como duas crianças. Se me assustarem novamente, vou colocar as duas para dormir lá fora, debaixo da árvore ao lado do túmulo do Toddy.

Selene expressou pavor com a possibilidade disso acontecer, enquanto eu senti uma imensa vontade de fazer isso.

— Não é uma má ideia dormir lá fora ao lado do meu Toddy.

— Não foi isso que eu quis dizer — explicou-se minha mãe. — Voltem a dormir e sem mais barulhos, por favor!

Minha mãe saiu, fechando a porta com força. Ouvimos seus passos pesados se afastando do quarto. Logo, sabíamos que estávamos sozinhas mais uma vez.

Apaguei a luz e voltei a me deitar no colchão.

— Você é doida, Mary. Onde já se viu querer dormir fora de casa? Além do mais, ao lado de um túmulo.

— Não é qualquer túmulo, é o túmulo do meu Toddy. E eu me sinto bem sempre que estou perto dele.

— Eu hein.

Selene bocejou, voltando a dormir. Seus roncos logo encheram o quarto de sonoridade, enquanto o sono ainda não me afetava. Ela me deixou pensativa. Indaguei-me se realmente era normal amar tanto assim um animal que já estava enterrado há uma década no fundo do quintal de casa.

Concluí que não tinha resposta alguma para essa pergunta, e a psicóloga para a qual minha mãe me levava não tinha respostas que me fossem convincentes.

Suspirei palavras que expressavam o que eu mais desejava do fundo do meu coração.

— Ah, Toddy, eu faria de tudo para tê-lo de volta.

Após bocejar duas vezes seguidas, o sono me carregou para o mundo da fantasia. Sonhei com o Toddy, seu jeito carinhoso e brincalhão. Corríamos e brincávamos sobre a grama do parque. Ele subia em mim e encharcava meu rosto com sua saliva.

Suas lambidas pareciam não ter fim. Pedi que ele parasse, mas Toddy continuava me lambendo. Isso começou a me sufocar. Senti o peso de seu corpo sobre o meu e, quando me dei conta da situação, já não estava mais sonhando.

Despertei agoniada, sentando na cama. Respirei fundo, percebendo que Selene ainda dormia, emitindo seus roncos altos e monótonos. No entanto, havia algo estranho. Toquei meu rosto e senti um líquido estranho escorrer nos dedos de minhas mãos.

Levantei do colchão e acendi a luz. Selene reclamou ainda em sonho do incômodo da iluminação. Mas mantive a lâmpada acesa, pois precisava da luz para enxergar no espelho da minha penteadeira ao lado de um cabide de toalha o meu rosto lambuzado de saliva.

De repente, desviei meu olhar para a porta, e o trinco estava girando sozinho. Tremi dos pés à cabeça, minhas mãos gelaram e senti uma pontada no estômago.

A porta foi aberta, um repentino frio na minha espinha me fez ficar em guarda, mas não apareceu ninguém do outro lado.

Mais populares

Comments

ARMINDA

ARMINDA

EITA TB FICA QUERENDO QUE O CACHORRO ESTEJA VIVO.😬😷😬😷

2023-10-01

1

Ana Cristina

Ana Cristina

Amei o capítulo 😍😍😍

2023-08-27

1

Ana Cristina

Ana Cristina

Gostei 😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂

2023-08-27

0

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!