Enquanto Selene se acomodava em meu quarto, colocando algumas peças de suas roupas nos cabides vazios do meu guarda-roupa, eu colocava um esparadrapo no meu pé machucado, mas como nunca tinha feito isso antes, desisti após várias tentativas de abri-lo e o larguei sobre a cama.
— Deixa eu te mostrar como se faz — disse Selene, apanhando o curativo.
Ela tinha uma habilidade incrível. Pôs com facilidade o esparadrapo no meu pé, e isso fez cocegas, além das que ela fez propositalmente.
— Para, Selene.
Atirei um travesseiro nela.
— É assim que agradece uma pessoa que te ajuda?
Ela lançou a almofada de volta, e eu a agarrei como um goleiro de futebol.
— Você é muito ruim de mira, sabia?
— Não tente mudar a conversa.
— Está bem, enfermeira Selene, muito obrigada! Satisfeita?
— Bem melhor do que ficar atirando travesseiro nos outros.
— Desculpa por isso, mas foi você quem começou.
Ela me encarou, mostrando sua língua. Selene estava mais à vontade do que imaginei. Fingimos uma briga e rolamos sobre a cama. Paramos lado a lado e, olhando para o teto forrado de cor branca, recuperamos o ar e sorrimos com a nossa brincadeira.
— Você é tão infantil, Mary.
— Olha quem fala. A garota dos videogames.
— Não tem nada de infantil em gostar de jogos eletrônicos.
— Mas os que você gosta são bem infantis.
— Só porque não têm violência, não significa que sejam infantis. Sabe muito bem que não gosto de sangue ou coisas que contenham violência e terror.
— Ah! — suspirei em tom de desapontamento. — Pensei que íamos assistir “O cão zumbir” esta noite...
— Deus me livre, Mary! Você não vai ver isso, não é?
— Não seja medrosa, Selene. É só um filme inofensivo. Ninguém vai comer sua perna se assisti-lo.
— Não, e não quero. Se insistir, eu vou embora.
— Calma, foi só uma brincadeira. Você nem parece uma mulher de dezoito anos.
— E o que a idade tem a ver com o medo? Não é verdade que até hoje você tem medo do seu pai?
Essa pergunta me pegou desprevenida. Senti uma repentina explosão de emoções no peito. Meus olhos se encheram de lágrimas e por muito pouco não escorreram pelo meu rosto pálido.
— Meninas, o jantar está servido.
A voz da minha mãe rompeu o silêncio pairando sobre mim e Selene. Descemos para jantar. Eu mancava um pouco devido à dor em meu pé.
Minha mãe reclamou novamente a ausência dos meus calçados, e eu justifiquei dizendo que tinha esquecido no quarto, mas que dá próxima vez lembraria de calçá-los. Após o delicioso jantar, voltamos para o quarto.
Selene vestiu seu pijama de dormir. Parecia muito infantil para mim. Cheio de florezinhas e arco-íris. Mostrei a ela o meu pijama escuro de alças finas e com bordas de renda transparente.
— Quando comprou esse vestido, Mary?
— Lembra do nosso último passeio do colegial?
— Sim, mas você não foi, justificando que seus pais não te deram dinheiro para ir.
— Pois é, eu menti para você também.
— Mary, fizemos o juramento da verdade, de nunca mentir uma para a outra — seu tom de voz expressou indignação. — Esqueceu-se disso?
— Desculpa, Selene. Foi só daquela vez, juro que nunca mais menti para você após aquele dia.
— Hum? Vou acreditar em você desta vez, mas só vou te perdoar se me deixar dormir na sua cama.
— Claro. Ela é toda sua esta noite.
— Oba!
Selene ficou tão animada em dormir na minha cama do que no colchão ao lado que saltou sobre o móvel, quebrando as pernas de madeira.
O barulho ecoou pela casa, e minha mãe gritou de susto. Agora tanto eu quanto ela íamos dormir praticamente na mesma altura. Fiquei muito irritada com ela. Começamos a discutir.
— Olha o que fez.
— Desculpa, Mary.
— Selene, você me deve uma cama nova.
— Não te devo nada.
— Me deve sim!
— Não devo!
— Deve sim!
— Para, Mary, ou vou contar a verdade desse seu vestido para sua mãe.
— Que verdade, Selene?
Minha mãe chegou no exato momento em que Selene ameaçou revelar a verdade sobre eu faltar no último passeio do colegial para usar o dinheiro a favor dos meus desejos.
— Posso saber o que está acontecendo aqui? — insistiu minha mãe.
— Selene quebrou minha cama — apontei o móvel quebrado.
— Foi sem querer, senhora.
Selene quase chorou, e isso me fez pensar se não fui grosseira demais com ela.
— Não se preocupe, querida, foi só uma cama.
— Foi a minha cama — murmurei.
— Mary, não seja insensível com a sua amiga — repreendeu minha mãe. — Acidentes acontecem, e o importante é que vocês duas estão bem. Nossa, levei um baita susto na cozinha quando ouvi aquele barulho vindo daqui.
— Obrigada, senhora!
Minha mãe abraçou Selene e a confortou. Além de quebrar a minha cama, ela recebeu carinhos como se nada tivesse acontecido. Talvez eu estivesse sim com ciúmes, além de muito brava, mas e agora quem ia consertar o prejuízo? Meu pai não estava em casa para fazer isso.
Fiquei ainda mais revoltada por esse episódio ter me feito lembrar dele. Ele sempre foi um bom marceneiro, eletricista, pedreiro e diversas outras funções. Ele era bom em um pouco de tudo, exceto no amor, na empatia, na bondade.
Meu pai ficou marcado em minha mente como um monstro, e eu nunca esquecerei que foi ele quem matou o meu Toddy, meu querido Toddy.
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Atualizado até capítulo 36
Comments
ARMINDA
PRONTO CAMA QUEBRADA AS. DUAS DORMINDO NO CHÃO.
2023-10-01
1
Ana Cristina
Só não era um bom pai, um bom marido....
2023-08-27
0
Ana Cristina
Eu topo 🥰🥰🥰🥰🥰🥰
2023-08-27
0