Clara
Foi uma luta para fazer o Sérgio entender esse projeto no morro. Ele me disse tantas coisas ruins por se tratar de um lugar assim, que prefiro nem lembrar.
Mas, independentemente disso, sei que ele não gostou. No entanto, eu vou seguir em frente, mesmo que ele não aprove.
Assim, o dia passa. Após o almoço, levo meus filhos para a escola e depois me junto às outras senhoras na casa da dona Amélia. Estava tão envolvida nas conversas e ajudando a carregar os livros na pequena van que nem percebi quando minha mãe chegou.
Ao avistá-la, me aproximo e digo:
— Bença, mãe!
Ela me dá um pequeno sorriso e responde:
— Deus te abençoe, filha.
Em seguida, ela diz:
— Vim te visitar, mas parece que você está ocupada.
Eu sorrio singelamente e respondo:
— Estou fazendo uma boa ação, mãe. Este projeto tem como objetivo ajudar as crianças carentes do morro aqui perto.
Ela me olha e diz:
— Que ótimo, filha. Posso ir junto?
Olho para ela por um momento e digo:
— Claro, só preciso verificar com dona Amélia se há espaço para a senhora.
Chamo dona Amélia, que se aproxima sorrindo e cumprimenta minha mãe, já que elas se conhecem. Dona Amélia é a primeira a falar:
— Como vai, Márcia? Vai se juntar a nós?
— Será um prazer, Amélia. Há espaço para mim? — pergunta minha mãe.
Dona Amélia sorri e responde:
— Claro que sim! É sempre bom ter mais pessoas dispostas a ajudar.
Terminamos de colocar as coisas no carro e partimos em direção ao morro. Logo avistamos as casas, quase grudadas umas nas outras, no topo do morro, com suas lages. Era uma visão típica de uma favela, com vielas estreitas.
Dona Amélia estaciona a pequena van em uma rua próxima e nos aproximamos do barracão, onde ensinaríamos aquelas crianças. Ao nos aproximarmos da porta, vejo um garoto jovem armado com uma enorme arma, cujo tipo não consigo identificar. Ele nos olha e se aproxima.
Minha mãe comenta:
— Será que isso é uma boa ideia, Clara? Olha como esses delinquentes se comportam.
Assustada, olho para ela e sussurro:
— Por favor, mãe, não comece. A senhora sabe muito bem a realidade aqui. Estamos aqui para ajudar, não para julgar. E além disso, a senhora não pode falar essas coisas aqui. Existe uma hierarquia, não estamos mais no asfalto lá embaixo na cidade, mãe. Aqui, as autoridades são eles.
Mesmo contrariada, ela assente. O garoto se aproxima de nós e diz:
— E aí, tias? Como posso ajudar?
Dona Amélia responde prontamente:
— Olá, jovem. Viemos aqui para dar início ao projeto que eu comuniquei com seu chefe na semana passada. Ele me deu permissão.
Ele nos avalia por um momento e diz:
— Só um momento, por favor. Preciso passar a informação para o chefe.
Ele pega um dispositivo de comunicação e se afasta para informar nossa chegada ao chefe. Após alguns minutos, ele volta e nos diz:
— O chefe pediu que vocês o aguardem, pois ele está com a chave do barracão e logo virá trazê-la.
Assentimos e aguardamos. Não demora muito para ouvirmos um barulho alto de moto. Um motociclista com jaqueta preta e capacete totalmente preto se aproxima da porta do barracão.
imediatamente constato que deve ser o chefe do morro. O jovem se aproxima dele e fica ao seu lado, pronto para agir.
Nos aproximamos e quando ele tira o capacete e nos olha, o tempo parece congelar.
Estou estática, chocada. Não consigo acreditar que ele está ali, diante de mim. Nunca esqueceria aquele rosto.
Ali, a poucos centímetros de mim, está Diogo, o garoto que costumava frequentar a casa dos meus pais.
Éramos jovens na época e não entendíamos bem a atração avassaladora que existia entre nós. Sabíamos que algo forte nos atraía como um ímã.
Muitas vezes me pego lembrando do selinho que ele me deu naquela época, de como saí correndo com o coração acelerado e um sorriso no rosto.
Ele foi o primeiro garoto a tocar meus lábios, mas hoje sei que ele foi um verdadeiro cavalheiro e me respeitou. Aquele gesto delicado de um breve selinho foi a forma de mostrar o que ele sentia por mim.
Ele era tão amigo do meu irmão que, mesmo minha mãe não gostando dele, tinha que aceitá-lo, pois meu irmão o defendia com unhas e dentes. A lembrança do meu irmão, que já se foi, me deixa ainda mais abalada.
Sei que preciso me recompor, mas não consigo. Sempre me perguntei se, ao me reencontrar com ele, sentiria o mesmo que sentia quando era mais nova.
Agora, tenho minha resposta. Aquela atração que existia entre nós ainda está presente. Sinto como se tivesse voltado no tempo, experimentando todas as emoções que sentia antes. Ele ainda mexe comigo. Ainda me deixa tensa, tímida, encabulada, nervosa e muito mais.
E a maneira como ele me olha continua a mesma. Mesmo que agora ele seja um homem formado diante de mim, consigo enxergar aquele garoto dentro dele.
Ele ainda me olha como se pudesse ver além de mim, como se pudesse enxergar minha alma, e isso me deixa ainda mais nervosa.
Diogo se mantém em silêncio por alguns segundos, assimilando a surpresa do nosso reencontro. Seu olhar transmite uma mistura de emoções: surpresa, nostalgia e talvez até um pouco de arrependimento. Finalmente, ele rompe o silêncio, dizendo:
— Clara... É você mesmo? Não posso acreditar que nos encontramos aqui, depois de todos esses anos.
Minhas pernas tremem ligeiramente enquanto eu respondo com uma voz trêmula:
— Sim, Diogo. Sou eu. Estou aqui para ajudar com esse projeto. Nunca imaginei que você estaria envolvido com o morro.
Ele suspira profundamente e abaixa o olhar por um instante antes de me encarar novamente.
— Muitas coisas mudaram desde aqueles tempos, Clara. Eu... eu não esperava vê-la novamente dessa forma. Mas estou feliz por você estar aqui, disposta a ajudar as crianças.
Ainda abalada pelo reencontro, tento focar na situação presente.
— Diogo, você é o chefe do morro? Eu não consigo acreditar. O que aconteceu? Como isso tudo aconteceu?
Ele balança a cabeça, visivelmente desconfortável com o assunto.
— É uma longa história, Clara. Mas o importante agora é o projeto que vocês vieram realizar aqui. As crianças precisam de todo o apoio que pudermos dar.
Concordo, embora a curiosidade ainda esteja fervilhando dentro de mim. No entanto, sei que é melhor deixar as questões pessoais de lado e me concentrar no propósito que nos trouxe até aqui.
Ao notar a presença da minha mãe, Diogo hesita por um momento. Ele engole em seco, enfrentando o olhar desconfiado de minha mãe, e com uma voz educada, diz:
— Dona Márcia, é um prazer revê-la. Como a senhora está?
Minha mãe olha para ele com uma expressão ríspida e, sem hesitar, solta:
— Diogo, o garoto problema. Parece que eu sempre estive certa sobre você não é?
Diogo mantém a postura firme e não se deixa intimidar. Ele ergue o queixo ligeiramente e responde com sagacidade:
— Dona Márcia, as coisas mudaram. Eu sou o dono deste morro agora. E aqui, sou eu quem dito as regras.
Minha mãe arqueia uma sobrancelha, surpresa pela ousadia de sua resposta. Ela observa-o atentamente, avaliando suas palavras e a postura determinada que ele adquiriu.
Diogo mantendo a postura, com um sorriso discreto, vira-se para dona Amélia e a cumprimenta:
— Dona Amélia, que bom revê-la. Agradeço pela oportunidade de realizar esse projeto aqui no morro.
Sem mais delongas, Diogo nos pede para segui-lo, e assim adentramos o barracão. Ainda estou nervosa pelo nosso reencontro inesperado, mas sei que depois desse encontro, nossas vidas jamais serão as mesmas.
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Atualizado até capítulo 81
Comments
Diana Oliver🌻
Começando a ler 23/04/25
2025-04-23
0
Claudia Ribeiro
acho que ela entendeu o que o DG disse
2024-11-25
0
jeovana❤
mulher ridícula essa Márcia
2024-10-20
0