Damian engoliu em seco quando Syara abriu os olhos de repente, encontrando o olhar dele preso ao seu rosto pálido e machucado. O clima no quarto parecia denso demais para aquela hora da manhã. Ele desviou o rosto, envergonhado por ter sido pego observando-a dormir. Ele não queria que ela passasse algo ruim, mas não conseguiu se conter em observá-la um pouco.
Syara ajeitou-se na poltrona, o corpo doendo depois de muito tempo ali, na mesma posição. Tentou lembrar o que viera dizer, mas as palavras sumiram quando encontrou novamente o olhar dele — tão confuso quanto impenetrável. Era difícil decifrá-lo.
— B-bom dia… — começou, a voz falhando. — Eu sou a Syara. O senhor… é Damian, certo?
Ele assentiu, ainda sério. Um músculo em sua mandíbula se moveu quando respirou fundo.
— Por que está aqui? — Sua pergunta saiu mais ríspida do que pretendia. Logo depois, respirou fundo, buscando suavizar o tom, não queria assustá-la. Logo lembrou-se que fora ele quem a chamou. — Desculpe. É só… estranho.
— Eu… eu soube que o senhor não me acusou pelo acidente. Eu não esperava… — Ela se levantou, buscando firmeza no sorriso, estava tão nervosa que não sabia como reagir em sua presença. — Então… eu vim agradecer. Sei que isso não vai consertar nada, mas… obrigada, de verdade.
Damian a fitou por um instante tão longo que Syara sentiu o rosto esquentar. Ela não poderia negar que ele a deixava um pouco desconcertada, uma vez que sua aparência era bastante chamativa.
— Você realmente quer me agradecer? — A pergunta veio quase sem emoção, mas os olhos dele analisavam cada reação dela, cada detalhe. — Então me faz um favor.
— Favor? — Ela repetiu, confusa.
Damian apoiou o braço na lateral da cama, inclinando-se um pouco mais.
— Cuide de mim — disse, como quem faz uma constatação e não um pedido.
Syara piscou, paralisada. Por um segundo, pensou ter ouvido errado. Ou que estava ouvindo coisas que não deveria.
— Como é? Me desculpe, eu não entendi. — Ela franziu o cenho, ainda sem acreditar nesse favor que o mesmo pediu.
— Eu não tenho para onde ir. Não lembro quem sou de verdade, de onde vim, nem se tenho uma família que vai aparecer aqui para me levar para casa. — A voz dele soou mais frágil por um instante, mas logo retomou o tom firme. — Você causou isso. Então cuide de mim até eu ficar bem. É justo, não acha?
O silêncio pesou como chumbo no quarto. Syara sentiu a garganta fechar. O rosto dele era tão sério que chegava a dar medo — mas por trás daquele olhar duro, ela via a mesma vulnerabilidade de antes, quando ele tremia na maca inconsciente.
— Eu… eu não sei se posso — murmurou, suspirando logo em seguida. — Não tenho dinheiro, mal tenho uma casa decente…
Damian ergueu o queixo, implacável.
— Então prefere pagar uma indenização? Ir pra cadeia se eu mudar meu depoimento? — Ele sustentou o olhar dela, quase provocando. — Escolha, Syara.
Ela abriu a boca para protestar, mas nada saiu. Seu peito subia e descia de forma irregular. Ela esperava por tudo, menos cuidar de um desconhecido. E por mais cruel que fosse, ele tinha razão. Não tinha como encarar um processo, nem perder o pouco que tinha conquistado.
— Está bem… eu aceito — disse por fim, a voz embargada.
Damian recostou-se no travesseiro, fechando os olhos como se tivesse vencido uma guerra silenciosa. Ele estava feliz, isso o confortava, mesmo que parecesse estranho, mesmo que tivesse sido um pouco cruel.
Os dias seguintes foram um turbilhão para os dois. Damian permaneceu internado, a recuperação lenta. Syara esteve lá quase o tempo todo — trocando curativos, ajudando-o a sentar, levando comida quando ele se recusava a comer o insosso cardápio do hospital.
Daniel observava toda essa situação com um nó no estômago. Não podia impedi-la de fazer o que quisesse, mas não escondia o incômodo — cada vez que Damian dava ordens veladas, cada vez que Syara se curvava para obedecer. Era estranho, até mesmo considerava maldade para com alguém que tinha um bom coração.
— Você tem certeza disso? — Daniel perguntou certa noite, quando encontrou Syara dormindo encostada no corredor, sozinha.
— Eu prometi — respondeu ela, sem abrir os olhos.
Daniel ficou em silêncio. Por um instante, quis dizer que não era justo, mas mordeu a língua. Syara não precisava de mais peso — já carregava o bastante. E quem era ele para dizer o que ela tinha que fazer com a própria vida? Suas vidas já não eram mais as mesmas.
Quando Damian recebeu alta, Syara o ajudou a se vestir, tentando ignorar o frio na barriga ao ouvir:
— E então? Onde vamos ficar?
Ela se virou, surpresa.
— Ficar?
— Você disse que cuidaria de mim. Onde mais eu vou morar? Vai me largar num hotel qualquer? Me abandonar aqui a própria sorte? — Ele sorriu, mas era um sorriso estranho, entre ironia e medo.
Syara engoliu em seco. Nunca pensara tão longe. Achou que poderia ajudar no hospital, ver uma clínica, alguma casa de apoio, qualquer lugar… Mas recebê-lo em casa? Sua casa, tão vazia desde a morte da tia, tão cheia de memórias de silêncio?
— Eu não estava preparada pra isso — confessou, baixinho.
Damian respirou fundo, o olhar duro mais uma vez.
— E quer saber? Não precisa continuar. Você é livre, Syara. — Ele disse, virando o rosto para a janela. — Vou dar um jeito. Já fez o bastante por mim.
Ela o observou em silêncio. Por trás daquela postura orgulhosa, Syara via um homem ferido, confuso, sozinho no mundo. Se o deixasse ali, o que aconteceria com ele? Se ele fosse mesmo perigoso, já teria mostrado. Ele só parecia… perdido.
— Vamos — disse, enfim, a voz suave. — Venha pra minha casa. Só… não reclame se não for nada luxuoso.
Damian virou o rosto para ela, os olhos úmidos de algo que nem ele entendia bem. Quando Syara empurrou a cadeira de rodas para o corredor, ele não disse nada — mas um sorriso quase imperceptível surgiu em seus lábios.
E enquanto o elevador os levava para o térreo, Syara, pela primeira vez em muito tempo, não se sentiu tão sozinha. Apesar de que, ainda fosse estranho levar consigo alguém que não conhecia.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 36
Comments