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Michela Grasso

Abro meus olhos percebo que estou num leito de hospital, o dia está amanhecendo. Aos poucos as lembranças dos últimos acontecimentos tomam conta de mim.

Meu coração acelera quando entendo o risco que estou correndo. Os capangas do Paolo Falzone vão me capturar novamente. Tenho um sobressalto, me sento rápido na cama, sinto inúmeras dores pelo meu corpo.

_ Ah! _ Gemo involuntariamente.

_ Você acordou! _ Uma idosa muito bem vestida, de aparência bondosa se aproxima de mim. _ Está se sentindo bem?

Quem será ela? Porque me olha com carinho? Nao sei responder! Tento manter uma certa cautela.

_ Sim _ sussurro indecisa, suas feições demonstram preocupação, tenho certeza de que não a conheço. _ Quem é a senhora?

_ Meu nome é Ellena Romano, estava no carro que te atropelou ontem _ explica, entendo. Olho ao redor receosa de que os homens da gangue entrem a qualquer momento para me levar ao encontro do Paolo Falzone.

_ Eu me lembro _ digo triste, temerosa, suspiro, pensamentos conturbados tomam minha mente. Fico querendo cair no choro, me seguro, o aperto no meu coração aumenta.

_ Qual o seu nome menina? _ Ela pergunta amistosa.

_ Michela Grasso _ a resposta sai automática, só depois, franzo a testa me recriminando por revelar minha identidade de uma maneira tão descuidada. Não posso confiar numa total desconhecida. Me sinto sem rumo, não sei para onde ir nem o que fazer. Preciso descobrir o que houve com o meu irmão, cada vez mais penso que deve estar morto. Lágrimas silenciosas descem pelo meu rosto, a angústia toma conta de mim. O desgraçado do Paolo Falzone deve ter acabado com ele, assim, como fez com os meus pais.

_ O que há com você? Está sentindo alguma dor? _ Ellena Romano pega nas minhas mãos, nego com a cabeça. _ O acidente não te causou nada muito grave, o médico disse que você possui machucados antigos. Isso me preocupou bastante _ comenta demonstrando cautela, fico calada. _ Você sofreu algum tipo de abuso?

Afasto o lençol que me cobre da cintura para baixo, analiso meu corpo. Estou usando a camisola do hospital, minhas pernas tem hematomas escuros por todos os lugares, resultado dos golpes que ganhei daquele marginal covarde. Como minha pele é muito branca, vai demorar para esses sinais desaparecerem. Fora isso, devido ao acidente, tenho apenas leves escoriações nos braços, ombros e pernas. Melhor assim, preciso estar bem para continuar fugindo.

Não posso ir para um orfanato, muito menos andar livre, sem rumo por aí. Paolo não vai desistir de me encontrar, já me vendeu como mercadoria por um milhão de euros. Isso é tão absurdo, porém acontece com frequência pelo que escutei, escondida, das conversas dos meus pais. Esse foi o motivo de terem me criado presa e incomunicável, tinha uma vida normal apenas digitalmente. Criei um perfil falso online, me comunicava com outras pessoas, fazia amizades, estudava, unicamente pela internet.

Nunca me revoltei porque meus pais cuidavam muito bem de mim. Sempre me explicavam que faziam aquilo pelo meu bem. Fui crescendo e vendo o quanto as palavras deles eram verdadeiras.

Acompanhava diariamente os jornais locais, o número de meninas desaparecidas do meu bairro eram gigantes.

No inicio, não entendia porque as autoridades se mantinham a parte para tomar atitudes. Depois, compreendi o poder que a maior máfia da Sicília possui. Ninguém age contra a Famiglia Pappalardo, nem mesmo a segurança nacional.

É frustrante e revoltante saber que nenhuma pessoa ousa fazer nada para acabar com os desmandos deles.

Por causa disso, estou em perigo, Paolo Falzone me vendeu como se eu fosse um objeto. Como alguém pode querer adquirir uma pessoa em troca de dinheiro?

Comprar uma mulher é uma das atitudes mais asquerosa que um homem pode ter na vida. Esse sheik Khan Al-Abadi não passa de um velho sem princípios, que almeja uma menina tão jovem quanto eu. Estremeço por pensar nos tipos de atrocidades que pensa fazer comigo para desfazer de um valor absurdamente alto do seu dinheiro.

_ Me diga o que há de errado minha filha _ Ellena Romano pede, sinto uma grande simpatia no seu tom de voz, seu carinho por mim é notável, algo que recebi, até hoje, apenas dos meus pais.

_ Não tenho para onde ir, estou sozinha nesse mundo _ desabafo, meu choro vem com total força. Ela me abraça, aceito esse aconchego, estou toda quebrada por dentro, nunca pensei que sentiria tanta dor como nas últimas semanas. Paolo Falzone me destruiu quando matou meus pais, isso é fato. Sei que ainda não acabou e quero simplesmente desistir. Tirar minha vida de uma vez. Me sentir desamparada é horrível. _ Deveria ter morrido nesse acidente, isso resolveria tudo _ minhas palavras saem amargas, doloridas, sentidas.

_ Que absurdo! Não fale uma coisa dessas menina. Você parece ser bastante jovem tem muito o que viver _ me repreende, se afasta, limpa meu rosto, sorri de forma calorosa. _ Vamos me conte direito o que aconteceu com você _ pede, nem precisa insistir, começo a explicar tudo, desde o momento em que meus pais morreram até agora. Omito que fui criada presa, também não falo o nome do chefe da gangue, tenho receio de atrair mais problemas para mim. Afinal, não conheço essa senhora. Ellena Romano fica chocada com o decorrer do meu relato, se senta numa cadeira ao lado da cama, presta imensa atenção ao que falo. Quando termino estou chorando novamente, seus olhos marejam compartilhando minha dor. Fica compadecida de todo sofrimento que passei nas últimas três semanas.

_ Você quer ir na polícia para que eles tentem encontrar seu irmão? _ O tom dela é inexpressivo, fico na dúvida se quer uma resposta positiva minha.

_ Não _ recuso firme. A polícia não tem o poder de achar meu irmão, entrar em contato com eles me colocará em risco. Vão querer me enviar a força para o orfanato, não posso aceitar isso. Seria o mesmo que me entregar de bandeja nas mãos de Paolo Falzone. Aquele lunático, pervertido, marginal e todos os adjetivos ruins que puder o qualificar.

_ Porque não quer envolver a polícia? _ Ellena Romano me olha curiosa, parece que não esperava essa resposta. Entendo, não conhece o Librino, nunca deve ter nem sonhado em passar por lá. É fácil pensar que ir a polícia é minha melhor saída.

_ Não confio neles, podem estar por trás de muitas das atrocidades que estão acontecendo na cidade há anos _ confesso sincera. _ Escutei meus pais conversando sobre o aumento significativo de crianças sequestrada, maltratadas e vendidas nos últimos tempos. Acha mesmo que eles não sabem disso? _ Opto por seguir por um caminho neutro, não me sinto segura de relatar o que sei sobre o chefe da gangue. Não vou colocar essa senhora em risco por minha causa, mesmo tendo acabado de conhecê-la tenho a impressão de que é uma boa pessoa. Não deixarei que a sujeira dessa máfia maldita respingue nela. Nem pensar!

Paolo é o tipo de homem que não respeita nada e nem ninguém, aposto que age desse mesmo jeito até com a própria família. Se é que tem uma.

Pelas sua ações está mais para um homem sem parente algum. Uma pessoa que recebe amor dos pais não se transforma num monstro como ele. Não parece um ser humano, mas, uma espécie nova de selvagem, cruel, pavoroso.

_ Agora, estou sem meu irmãozinho Giacomo, não tenho mais onde morar porque a polícia invadiu meu bairro. Lá não é seguro para mim ficar, está uma grande confusão em todas as ruas, tem pessoas mortas pelo chão, crianças perdidas, outros crimes que nem sabemos direito _ termino meu relato chorando de desespero.

_ Acalme-se criança, tudo vai ficar bem _ faz um carinho na minha mão.

_ Não, não vai. A senhora não está entendendo minha situação Ellena Romano. Fiz 15 anos tem duas semanas, não sei nada da vida, vou acabar caindo nas mãos dos mesmos bandidos de novo _ confesso sem esperanças.

_ Isso não vai acontecer, fica tranquila _ suspiro frustrada, nada que falo ela parece entender.

_ Sim, tenho certeza de que aqueles homens vão me sequestrar assim que eu sair desse hospital _ reforço desiludida.

_ Não se eu puder evitar _ me garante, a encaro surpresa pelo seu tom de voz firme, decidido.

_ A senhora não sabe o que está dizendo, nem me conhece _ argumento. _ Porque me ajudaria? _ Indago desconfiada, por uma fração de segundos, fico com medo que seja um membro da gangue. Abano a cabeça para tirar isso da minha mente, Ellena Romano tem gestos finos, delicados, educada demais para fazer parte daqueles brutamontes sem coração.

_ Você está certa em ter receio porque somos desconhecidas, mas, prometo te levar para um lugar seguro _ argumenta, quero acreditar nas suas palavras. _ Pode confiar em mim menina. Ontem, era umas cinco horas da tarde, estava voltando para meu trabalho quando aconteceu o acidente. Sou governanta na casa de um homem milionário, poderoso, seu imóvel é no centro de Catania. O motorista Gianni Pipitone foi quem te atingiu com o carro, o coitado está desolado de medo do nosso chefe matar ele _ entendo que diz isso de brincadeira, afinal foi apenas um acidente sem maiores consequências como tantos outros que acontecem hoje em dia.

_ Ele não teve culpa, eu estava desorientada pela minha situação, andando com medo de ser sequestrada novamente _ justifico tanto por mim quanto pelo motorista.

_ Eu sei que o Ginni Pipitone não foi culpado _ concorda rápido. _ Estava com o automóvel parado quando o sinal abriu, ele arrancou o carro devagar, você surgiu de repente, ele freou, mas não adiantou. Você caiu, desmaiou, ele te colocou dentro do veículo, nos trouxe apressadamente para cá _ me explica.

_ Eu sou a única responsável pelo que aconteceu, não olhei para os lados antes de atravessar a rua _ continuo. _ Por favor avisa a ele que estou bem, que sinto muito tê-lo deixado preocupado.

_ Ontem mesmo, o tranquilizei sobre isso, pedi que levasse as compras para casa, permaneci a noite toda ao seu lado para ter certeza de que estava bem _ revela, é super reconfortante saber que Ellena Romano pernoitou aqui preocupada comigo. _ Escute com atenção o que vou te dizer agora Michela. Pedirei ao meu chefe para te dar um emprego na residência dele _ abro mais meus olhos surpresa.

_ Você acha que ele vai concordar? Ele nem me conhece, não vai gostar de ter uma estranha dentro da sua casa _ exponho o que penso.

_ Ele passa muito tempo fora, viajando, leva meses sem que eu o veja _ explica, acho estranho, franzo a testa.

_ Sério?

_ Sim, ele é extremamente ocupado, tem negócios por todo mundo, mal consegue descansar _ continua.

_ Ele trabalha no que? _ Demonstro minha curiosidade.

_ Com muitas coisas _ desconversa.

_ Fica tranquila porque não vai ser nada muito pesado _ me explica, sinto imenso alívio por ter um lugar para ficar.

_ Nunca trabalhei na vida, mas sei fazer os serviços domésticos muito bem, minha mãe me ensinou. Te agradeço de coração. Aceitarei o que for para ficar em segurança, posso fazer qualquer coisa da casa, não sou fresca _ informo, sinto uma pontinha de esperança de que vou conseguir escapar do meu triste destino, ser entregue ao sheik Khan Al-Abadi.

_ Você parece uma boneca de porcelana deitada nessa cama, está muito magrinha _ comenta compadecida, analiso meu corpo. É verdade, hoje não pareço em nada com a adolescente, feliz e bem cuidada que fui enquanto tinha meus pais comigo.

Sou baixinha, tenho 1m58cm, antes tinha um corpo normal, seios maiores, coxas grandes. Nesse mês, fui só emagrecendo, falta pouco para todos os meus ossos aparecerem.

_ Você tem um espelho? _ Pergunto curiosa para saber como estou, ela abre a bolsa, me entrega o objeto de tamanho pequeno.

Olho meu reflexo, meus cabelos são loiros escuros, compridos, estão embaraçados, oleosos. Meus olhos são verdes claros, no momento opacos, mostram bastante mágoa. A pele do meu rosto, devido ao que sofri, contrasta os escuros dos hematomas com o branco pálido envolta. Apenas meus lábios permanecem como eram, finos, levemente rosados, os mordo automaticamente, ficam com a cor mais viva.

_ Preciso tomar um banho _ comento para mim mesma, devolvo seu espelho.

_ Sim, com certeza. Vamos esperar o médico aparecer, depois te levo para casa _ seu tom é carinhoso, me derreto pelo cuidado que demonstra ter comigo. _ Vou fazer uma ligação, já volto.

Enquanto a espero, entra uma enfermeira me diz que posso usar o banheiro comum dos pacientes. Me entrega uma toalha, um sabonete lacrado, obedeço, tenho todo um cuidado de olhar para todos os lados para ver se não tem algum capanga a minha espreita. Tranco a porta afoita, meu coração dá pulos de medo.

Nem me demoro, não quero ficar sozinha, desprotegida.

A água morna faz arder todos os machucados que adquiri devido ao acidente, não ligo, a sensação de ficar limpa é melhor.

Lavo meus cabelos com o sabonete mesmo, esfrego com vigor para tirar todo o resquício do cheiro do porão onde eu estava.

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Comments

Denise

Denise

Fico feliz porque MICHELA foi salva do atropelamento, principalmente do PAOLO, o tarado mafioso e traficante de mulheres. Ao que perece, ELENA ROMANO tem jeito de ser uma boa pessoa, mas esse patrão dela, não sei não... Apesar de tratar bem seus empregados, sera que é um mafioso?

2024-07-17

1

Vilza de Souza

Vilza de Souza

O capo vai se apaixonar por ela

2024-01-22

1

Fabi Ribeiro

Fabi Ribeiro

acho que ela vai justamente pra casa do chefão.

2023-06-18

3

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