CAPÍTULO 3

Desde que me formei na Digipen, uma das faculdades mais tradicionais voltadas para o setor de games, localizada em Redmond, Washington, tenho Richard Moseley como um grande amigo. Ele foi o escolhido para entregar nossos diplomas, o que foi algo surpreende para mim, pois Richard não é tão velho assim, e há oito anos atrás, ele já possuía a empresa onde eu trabalho. Um dos meus professores me apresentou para ele, e por pura coincidência, descobri que ele era amigo do meu marido.

Daniel, desde que começou a fazer sucesso no mundo dos investimentos, passou a aparecer nas colunas sociais. E, apesar de eu estar ao seu lado, algumas vezes, ele não me apresentava aos seus amigos. Então, eu nem imaginava que eles poderiam se conhecer.

E ainda havia o detalhe de que, se eu apareci ao lado de Daniel em frente aos holofotes, simplesmente não parecia comigo mesma. Não com aqueles vestidos justos, lentes de contatos no lugar dos óculos, salto alto e cabelo solto. E, claro, praticamente um quilo de maquiagem na cara. Porque meu ex-marido fazia questão de contratar maquiadoras, apenas pelo motivo de não confiar o mim o suficiente para me arrumar do meu jeito.

Então, quando Richard me viu na faculdade, ele não me reconheceu. Não que eu tivesse visto ele antes disso, mas ele sempre acompanha as colunas sociais. Quando falei que era esposa de Daniel Chapman, ele pensou que era uma piada. Ele riu na minha cara. Mas, ao perceber que eu falava a verdade, ele se desculpou. Mesmo assim, nossa amizade não foi algo que aconteceu logo de imediato.

Depois que passei a procurar emprego, ele resolveu me dar uma chance. Desde então, trabalho com ele, e nesse meio tempo, ganhei um melhor amigo. E, depois que descobri a traição de Daniel, Richard ficou ao meu lado. Digamos que, na separação dos bens após o divórcio, a amizade de Richard ficou comigo.

Mas Richard é homem, e daqueles que não tem juízo: vive se metendo em encrenca. E sempre cabe a mim ajudá-lo quando ele acaba se envolvendo com algo — ou alguém — que não deveria. É como se eu tivesse um filho adulto.

E ainda temos outro terrível problema quando se trata de Richard: toda mulher bonita que entra para trabalhar aqui na empresa, já foi, ou está indo parar na cama dele. Isso quando ele não decide que sua mesa de escritório é um ótimo lugar para fazer coisas impróprias. Como agora, onde ele e Gessy estavam quase consumando o ato; e teriam conseguido, se eu não tivesse entrado sem bater.

E não é a primeira vez que o flagro nessa situação. Preciso aprender a bater nessa maldita porta. Mas se ele pretende fazer sua sala de motel, porque fala que posso entrar sem bater na hora que eu quiser? É algum fetiche dele tentar me fazer uma voyeuse?

Fico sem jeito e abaixo a cabeça, porque a cena é deprimente. Gessy levanta rapidamente de cima da mesa e puxa sua saia para baixo; a garota está mortificada.

E eu, mais ainda.

— Desculpe, eu achei que você estava só... Hã, volto depois... — E vou fechando a porta enquanto falo.

— Espera, Melissa! — Paro ao ouvir a voz de Richard, mas não o encaro. Já basta minha tentativa de não ficar vermelha, como se isso dependesse de mim.

— Gessy, volte ao trabalho. Depois, continuamos a nossa conversa — ele fala secamente. E Gessy o encara, incrédula.

Me pergunto se ele não tem medo de ser processado por assédio sexual, mas até onde eu sei, são as funcionárias que dão em cima dele. Ao menos, é o que ele me conta. Porém, ainda há a possibilidade de alguma funcionária usar isso contra ele.

Gessy me encara com uma carranca estranha. Ela parece ter ficado chateada com minha interrupção. Eu gostaria de dizer que não foi por querer, mas dada a situação, prefiro me calar. Ela, então, sai da sala, passando por mim sem dizer nada. Fecho a porta e lanço para Richard meu olhar mais inquisidor.

— Sente-se, baby — Richard pede, de modo carinhoso. E eu reviro os olhos porque, simplesmente, odeio quando ele me trata assim.

— De novo, Richard? A menina só está aqui a um mês e você já iludiu a coitada? — indago, repreensiva, e Richard dá de ombros.

— Eu não iludi ninguém. Ela que quis ser prestativa. Se é que me entende — Ele pisca e sorri, presunçoso.

— Prefiro fingir que não entendi e dispenso explicações. Precisamos conversar!

O sorriso dele se esvai ao perceber que eu não estou para brincadeiras.

— Você viu o jornal, não foi? — ele pergunta. E eu solto um suspiro frustrado.

Ele é meu confidente e sabe como me sinto com relação a Daniel. No entanto, por incrível que pareça, eu nem me lembrava mais da notícia no jornal. Aquele ser que deixei plantado na sala de reunião, definitivamente, bagunça minha cabeça; e pode bagunçar a minha vida.

— Eu vi a notícia e também encontrei Daniel antes de vir para empresa, mas não é sobre isso que eu vim falar. — Ele termina de abotoar os botões de sua camisa, que ainda estava aberta, e volta sua atenção para mim.

— Como assim viu ele? Ele foi atrás de você de novo?

— Foi, veio com a mesma história de sempre, que se arrepende e tudo mais, mas eu não quis ouvir ele de novo. É sempre a mesma ladainha.

— Fez bem, Mel. Aquele idiota não te merece. Uma mulher como você merece alguém que te valorize. E Daniel foi um burro em fazer o que fez.

— Não vale mais a pena ficar falando nisso. — Abaixo a cabeça e respiro fundo antes de voltar a olhá-lo.

— Eu não prestei atenção na reunião, Richard. Por favor, me diz que o Thomas não será o novo designer de game — peço suplicante. Ele apenas franze o cenho.

— Qual é o problema?

— Eu não suporto aquele cara! Por favor, me diz que pode contratar outra pessoa. Sei lá, deixa a equipe antiga. Mas, por favor, não me faça trabalhar ao lado dele.

Faço o pedido numa súplica e meu chefe me olha sem entender.

— Mel... nós precisamos da ajuda dele. Preciso aumentar os lucros da empresa, caso contrário, terei que fazer cortes de gastos. E não quero ter que optar por isso. Se não conseguirmos fazer do próximo lançamento um sucesso, a empresa fica por um fio. O investimento dele veio em boa hora e eu não pude negar quando ele pediu essa vaga. Ainda foi específico que queria trabalhar com a minha melhor programadora.

— O quê? — Minha pergunta soa alta e incrédula. Isso não faz muito sentido.

—Eu ofereci o cargo de gerente geral, ele recusou. Disse que queria trabalhar lado a lado com minha melhor programadora. Até me mostrou alguns designers dele e eu gostei bastante.

Franzo o cenho sem entender. Qual é a daquele cara?

— Você falou meu nome para ele antes de ele tomar essa decisão?

Richard apoia os cotovelos na mesa e me encara atentamente. Ele também parece intrigado, mas antes de falar alguma coisa, ele dá uma bela analisada na maldita camisa que estou vestindo. Só então, olha em meus olhos novamente, de um jeito que eu não gosto nada.

— Na verdade, eu meio que soltei seu nome sem querer. Mas ele já havia pedido o cargo de Designer de games antes disso.

— Eu não quero trabalhar com ele, Richard!

— O que houve entre vocês dois? Começo a perceber que já se conhecem.

Me remexo na cadeira. Estava torcendo para que ele não me fizesse perguntas.

— Nos conhecemos na escola e não nos damos bem desde então, mas por favor, Richard... eu falei para ele que preferia pedir demissão a ter que trabalhar com ele. — Desvio meu olhar ao dizer essa parte. Eu não sei se teria coragem de pedir demissão mesmo.

— Você não pode fazer uma coisa dessas comigo, Melissa...!

Ele soa como se estivesse apavorado, o que faz com eu me sinta culpada só por ter cogitado essa ideia. Levo as mãos ao rosto e respiro forte até me acalmar um pouco. Definitivamente, meu dia só piora.

— Ah, Droga! Por que ele tinha que vir justo para cá?

Falo sem olhar para Richard. Consigo ouvir ele aspirando o ar e soltando devagar, antes de perguntar:

— Mel, vocês dois já namoraram, ou coisa do tipo?

Fico em silêncio por alguns minutos ao encará-lo. Ele me conhece, e se eu disser que não, seria a primeira mentira que contaria a Richard. No entanto, eu me sentiria ainda pior se fizesse isso e ele descobrisse depois. Então, decido ser sucinta.

— Mais ou menos.

Ele não se contenta com a resposta e me lança um olhar enviesado. Respiro fundo e solto o ar lentamente, como se tivesse confessando um crime.

— Ele foi o meu primeiro... Satisfeito? — indago logo em seguida, ao perceber surpresa em seu rosto.

— Filho da puta sortudo! — ele murmura, e eu quase não escuto.

Quase.

Porém, prefiro pensar que posso ter interpretado errado suas palavras.

— O que você disse? — acabo perguntando, com receio.

— O quê? Só disse como é pequeno esse mundo — ele responde, mas não me olha nos olhos. — Eu sinto muito, Mel. Jamais poderia imaginar uma coisa dessas.

— Foi um erro do meu passado, Richard. E ele aqui... — Não consigo continuar. Falar de Thomas não me traz boas lembranças.

— Infelizmente, eu já fiz o acordo. E, por mais que eu ame você, não posso voltar atrás com minha palavra. Preciso que você trabalhe com ele. Só você, com suas ideias brilhantes, pode nos tirar dessa maré ruim.

Bufo em frustração. Eu poderia pedir para trabalhar sozinha, mas isso não é possível quando se trata de desenvolver um jogo.

— Tudo bem! Mas se seu novo sócio aparecer esquartejado em uma lixeira... não me culpe.

— Ah, que é isso? Jamais te culparia, mas se você puder fazer isso só depois que ele desenvolver o designer do jogo, eu agradeço — ele diz, com um grande sorriso.

Acabo sorrindo também, porém, fico sem jeito quando percebo Richard me olhar de modo estranho.

— O que houve com as suas camisas de costume? — ele indaga.

— Derramei capuchino nela assim que cheguei —respondo resumidamente. Ele sorri mais uma vez.

— É bem a sua cara... O que houve? A caneca não gostou de você? — ele brinca e eu sorrio, mas juro que, por dentro, estou chorando só de lembrar o motivo da caneca não ter gostado de mim.

Maldito Thomas.

Após algum tempo conversando com Richard, numa tentativa inútil de fazê-lo mudar de ideia sobre o meu parceiro de trabalho, dou minha conversa com ele por encerrada. Saio da sala dele e corro para minha repartição. O jeito é trabalhar vestida assim. No entanto, eu mal sento na minha cadeira e meu ramal toca.

— O que você esqueceu agora, Richard? — atendo, já sabendo que é ele.

— Eu não esqueci nada. Você que esqueceu. Ou será que terei que te dar uma advertência por ter deixado nosso sócio largado na sala de reunião?

— O quê?!

— Ele acabou de me ligar aqui. E está lá, ainda esperando você para fazerem o tour pela empresa.

— Mas...

— Melissa! Facilita minha vida... por favor...? — Ele pede, com uma voz baixa e carinhosa. Ele sempre faz isso quando quer muito minha ajuda.

— Ah, está bem, já tô indo lá.

— Obrigado!

Respiro fundo e fecho os olhos. Acho que é hoje que viro uma assassina. Ai Deus, me dê for... Digo, me dê paciência. Se me der força, não respondo por mim.

Minutos depois, estou chegando na sala de reunião, mas não preciso entrar, já que o infeliz está escorado na porta, com os braços cruzados. E sorri de lado assim que me vê.

Por que ele tem que sorrir assim? Estou odiando-o ainda mais por ter ficado tão bem. Poderia ter sido acometido por alguma doença degenerativa, algo que deixasse ele deformado, mas não, ele tinha que ficar ainda mais atraente.

— Sabia que voltaria — ele diz, assim que chego perto; mas não paro, continuo andando em frente.

— Me acompanhe, inútil — ordeno irritada ao passar por ele. E o imbecil solta uma risada audível.

— Vai me explicar como funciona as coisas aqui ou vamos só ficar andando em silêncio? — ele inquire um tempo depois. Solto a respiração lentamente, na tentativa de me acalmar, e então, começo a explicar cada setor da empresa. Apresento alguns funcionários para ele e esclareço como tudo funciona por aqui.

Acho que Richard terá uma concorrência das grandes na empresa, já que as outras mulheres estão babando pelo espécime defeituoso ao meu lado. Por Deus, nunca viram um homem na vida? Decido ignorar certos cochichos por conta das minhas vestes e, meia hora depois, eu mostro a repartição onde ele ficará trabalhando que, infelizmente, é bem ao lado da minha.

— Legal! Então, é só isso?

— Graças a Deus. Agora, me dá licença, pois eu preciso voltar ao trabalho.

Falo secamente, então, me viro e sento na minha cadeira. Sinto o olhar dele sobre mim, mas logo ele se mexe e senta na repartição dele, ao meu lado. Eu simplesmente começo a digitar a continuação do novo código que estou desenvolvendo, ignorando a presença indesejada ao meu lado.

— E aí, como está a vida de casada? — Ouço ele perguntar, depois de um tempo. Paro de teclar e fico na dúvida se olho para ele ou não.

Opto por responder, mas sem encará-lo.

— Eu me separei há um ano.

— Hum — ele solta, e fica em silêncio por alguns segundos.

Mas logo continua:

— Também me separei, mas faz apenas algumas semanas. A mulher me largou.

Tento, a todo custo, ignorar esse ser tentando puxar assunto, como se fôssemos velhos amigos.

— Não diga! Me passa o endereço dela para eu mandar alguma lembrancinha. Preciso parabenizá-la por ter reencontrado o próprio cérebro. — Ouço a risada dele após minha resposta e reviro os olhos enquanto continuo meu trabalho.

— Você não mudou muito — ele torna a falar, e o ignoro.

Ficamos em silêncio por um tempo, para meu alívio. O único som que há entre nós é o das teclas que apertamos freneticamente.

— Senti falta de você — ele solta simplesmente, e juro que, se eu tivesse bebendo alguma coisa, seria um daqueles momentos em que jogaria tudo para fora, tossindo desesperadamente ao me engasgar.

Olho para ele sem entender. E vejo que ele me encara atentamente.

Fico observando aquela criatura um bom tempo, sem saber o que falar, até que meu telefone toca. Desvio meu olhar e logo ele volta a trabalhar, enquanto atendo a ligação.

— Senhora Melissa? — Fala uma voz feminina antes de mim e meu sangue gela quando reconheço a doce voz da diretora da escola dos meus filhos. — Aqui é a diretora Margot.

— O que foi que a Sophia aprontou dessa vez? — Pergunto de imediato, já imaginando que não vem coisa boa.

— Acho melhor a senhora vir até aqui, dona Melissa.

Quanto mais esse dia pode piorar?

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Comments

Bernadete Lopes

Bernadete Lopes

Quando o dia começa ruim, o mundo desaba totalmente.

2023-10-22

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