CAPÍTULO 2

Vaidade.

Nunca fui o tipo de garota que se importa muito com a aparência. Prefiro pensar que meu caso não tem solução e estou fadada a parecer essa pessoa desleixada pelo resto da vida. Sempre odiei maquiagens ou qualquer coisa que me fizesse parecer superficial. Roupas confortáveis, que escondem boa parte do meu corpo, sempre foram algo presente em meu guarda-roupa.

Enfim, sou uma mulher de trinta e dois anos que sempre teve seus cuidados de beleza bem limitados. O máximo que fiz foi pintar meu cabelo de loiro. E, raramente, usei maquiagem na minha vida. Às vezes, Daniel pedia para que eu me ajeitasse mais e tentei fazer o que ele queria por algum tempo. Aderi a alguns vestidos e roupas elegantes, mas eu não me sentia bem quando me portava como ele queria. Eu via as fotos de nós dois depois e parecia que aquela mulher que estava ao lado dele não era eu.

— Melissa, você morreu aí dentro? — ouço Gessy batendo na porta do banheiro e respiro pesadamente.

Eu não trouxe outra camisa comigo. E, quando Gessy me viu naquela situação, tratou de me empurrar para o banheiro mais próximo, me jogando uma camiseta branca, regata e decotada. Tão colada no meu corpo que parece mais uma segunda pele do que o tecido de uma vestimenta. Eu simplesmente estou me sentindo nua da cintura para cima.

Gessy é uma programadora de jogos assim como eu, no entanto, ela é novata e eu a auxilio. Ainda estamos nos conhecendo. Então, ela não faz ideia do quanto é difícil para mim sair daqui com esse tipo de roupa. Eu quero morrer!

Literalmente.

Como que eu vou entrar na sala de reuniões usando isso? E, para piorar, minha calça jeans é super justa. As camisas grandes e largas escondiam isso, mas agora, todas as curvas do meu corpo estão expostas. Não que eu tenha muitas, mas não costumo exibir o pouco que tenho por aí.

— Melissa? — ela me chama de novo. Tenho vontade de chorar enquanto me encaro no espelho.

Eu poderia simplesmente fingir que estou doente e mandar uma mensagem para meu chefe, dizendo que não posso ir para a reunião. Mas isso não é algo legal a se fazer. Não quando Richard é um grande amigo e precisa de mim agora. E ainda tem o maldito sócio.

Ah meu Deus! O sócio!

Olho mais uma vez no espelho e ouço a porta se abrir e uma Gessy preocupada entrar.

— Ah, sua louca, custa responder? Achei que você tinha desmaiado aqui dentro — ela fala, de modo repreensivo. Eu ignoro seu tom e me viro de frente para ela.

— Nossa, você tem seios! — ela afirma de modo brincalhão, enquanto analisa aquela camisa grudada no meu corpo.

— É claro que eu tenho seios!

Ela sorri diante de minha afirmação indignada e abre a boca para falar algo, mas antes disso, eu saio andando e passo por ela rapidamente.

Meus quinze minutos de atraso se transformaram em meia hora. E agora, eu tenho que encarar todos, a equipe, meu chefe e o tal sócio, usando isto.

Assim que chego em frente à porta, respiro fundo e lentamente abro a mesma. Percebo Richard em pé enquanto fala com os demais que estão sentados ao redor da enorme mesa redonda. Eu não corro meus olhos pelo local porque estou me sentido mortalmente envergonhada pelas minhas vestes. Foco meu olhar apenas em Richard. Mas assim que ele me vê entrando na sala, para de falar e me olha com uma expressão de surpresa.

Tem como ficar pior?

Abaixo minha cabeça e ajeito meus óculos com o dedo indicador em um movimento involuntário. Sinto os olhares de todos naquela sala em minha direção. Deus, eu queria ter o poder de ficar invisível agora.

— Me... lissa? — Ouço a voz de Richard e olho para ele novamente.

Ah, caramba... poderia olhar para meu rosto?

Pergunto mentalmente quando o vejo olhando para meus seios e, posteriormente, meu corpo.

— Desculpe o atraso, tive um imprevisto — falo e ando rapidamente até meu assento, que fica próximo a Richard. Ele pigarreia e volta a falar com os demais ali presentes.

Não fique vermelha, não fique vermelha... recito para mim mesma. Sinto que há alguém olhando para mim, mas foco minha visão apenas em Richard. Estou mortificada. Tudo que eu queria era minha camisa larga e grande que não mostre tanto meu corpo como essa daqui está mostrando. Mas pelo jeito, terei que passar o dia recebendo esses olhares de surpresa em minha direção.

E o pior é que estou intrigada com o ser humano que me fez tomar um banho de capuchino. Será que foi só uma coincidência? Não poderia ser ele.

Poderia?

— Melissa!

Quero dizer, ele está em outro país, bem longe daqui. Não faz ideia para onde me mudei. Ele se casou e, até onde eu soube, ele ia cuidar da empresa de seu pai. Então, não tem como alguém que cuida de uma empresa de arquitetura vir parar em uma empresa de jogos. Pelo menos, eu acredito e peço a Deus que não.

Devo está ficando louca, isso sim.

— MELISSA! — Dou um pulo da cadeira quando ouço Richard gritar meu nome.

Merda...! Onde estou com a cabeça? Nem ouvi o que ele falou desde que me sentei aqui.

— Desculpe, o que você disse? — pergunto, demonstrando o quanto estou perdida. Ouço algumas risadinhas ecoando pela sala e Richard solta um suspiro antes de voltar a falar.

— Você é a única entre os funcionários aqui dessa sala que conhece bem todos os setores da empresa. Seria pedir muito para você mostrar tudo ao nosso novo sócio?

— Claro que não, chefe — respondo simplesmente, me sentindo ainda mais envergonhada.

— Então, te apresento nosso novo sócio, Thomas Mello. — E quando ele fala, sinto como se tivesse acabado de mergulhar em um pesadelo. O ar some de meus pulmões e sinto meu corpo tenso da cabeça aos pés.

Lentamente, me viro na cadeira e olho para a direção que Richard aponta: e lá está ele, me olhando atentamente.

Puta merda!

Não acredito.

Ele? Tinha que ser ele?!?

O sorriso dele se amplia assim que meu olhar encontra o seu, um maldito sorriso que faz meu coração acelerar a ponto de me fazer pensar que terei um ataque cardíaco a qualquer momento. Agora ele tem uma barba por fazer, o cabelo penteado e o rosto com o maxilar mais marcado do que eu me lembro. E usa uma camiseta cinza que deixa os músculos em evidência. Suas vestes são informais, e agora, tenho certeza absoluta que foi ele quem esbarrou em mim.

Ele é o novo sócio?!?

Agora, definitivamente, eu preferia algum riquinho metido a besta usando terno e gravata.

Mas não, eu não tenho sorte.

Ele, em sua expressão totalmente relaxada, parece me analisar bem. Não sei quanto tempo ficamos ali nos olhando atentamente. Então, percebo que a sala ficou totalmente vazia e só sobrou nós dois.

Em algum momento, meu chefe encerrou a reunião, porém, eu não me dei conta disso. Não quando meus olhos se recusam a acreditar no que estão vendo. Isso só pode ser castigo.

Devo ter feito algo muito ruim em alguma vida passada e agora estou recebendo a punição pelo meu erro. Não que eu acredite nisso, mas é a única explicação plausível.

Contudo, eu jamais poderia imaginar que ele pudesse ficar ainda mais bonito. Pena que, por baixo dessa aparência bela, o conteúdo é uma negação. Ele é como um livro cujo a capa é uma perfeição, mas o conteúdo é uma história cheia de erros e falta de coerência; algo frustrante de se ler já no primeiro capítulo.

— Melissa Vasconcellos, há quanto tempo — ele fala em português, com aquela voz que agora está mais grossa do que eu me lembrava, chega a ser intimidadora.

— Pois é, quem diria — digo, dando um sorriso forçado. Preciso parecer normal, embora por dentro, eu esteja surtando.

— Gostei da camisa — ele fala com um sorriso presunçoso e tenho vontade de socar a cara dele. Eu faria isso, se tivesse certeza que minha mão não doeria.

E, claro, se agressão não fosse crime.

Seu modo de agir está muito estranho. Não deveria sorrir para mim assim, dada a situação como tudo terminou há quinze anos atrás. Mas é o que ele está fazendo, sorrindo como se estivesse feliz em me ver. O que só piora minha fúria.

— É emprestada. Um idiota me fez molhar a que eu usava, então, tive que trocar — respondo, de modo seco.

— Hum! Agradeça ao idiota então. Graças a ele, descobri que seus peitos cresceram.

Eu não ouvi isso, ouvi? Ele sorri vitorioso pela expressão de indignação que tenho certeza que mostro.

Ah, filho da mãe!

— Assim como sua capacidade de ser um babaca! — Após meu insulto, ele apenas dá de ombros. Eu quero muito bater nele. E olha que não sou a favor de agressões físicas.

O que ele pensa que está fazendo?

— E, além do mais, você ficou horroroso com essa barba. Isso é o quê? Uma tentativa de parecer um terrorista? — indago, sem conseguir conter a raiva que estou sentindo. Ele se recosta na cadeira e cruza os braços, antes me lançar um sorriso de lado.

Por Deus, homem, não me dê esse sorriso quando quero matar você só pelo fato de você existir.

— Já vi que vai ser interessante trabalhar lado a lado com você. Sua personalidade não mudou muita coisa. Ainda julga as pessoas sem dar a elas a chance de se defenderem.

— Até onde sei, eu só tenho que te mostrar a empresa — falo, ignorando seu comentário, e ele me olha em diversão.

— Mas não lembrava de você ser tão desatenta. No que estava pensando, Mel? Você não ouviu quando Richard anunciou que eu serei o novo designer de jogos? Que trabalharei lado a lado com a melhor programadora de jogos que ele tem? Acredito que a “melhor” seja você, não? — ele indaga, de modo debochado, fazendo um sinal de aspas com os dedos ao pronunciar a palavra melhor.

Cadê os objetos pontiagudos nessa hora? Ou pesados, mas que dê para lançar na cabeça dele e fazê-lo desmaiar? Por favor, Deus, que isso seja um pesadelo, não posso trabalhar lado a lado com esse cara. Não depois de tudo.

— Isso não... — Fico sem reação. Meus pensamentos estão desorientados; algo entre raiva e desespero.

Tento focar minha atenção em apenas uma parte de sua fala, que me irritou mais do que todo o restante.

Mel? Quem ele pensa que é para me chamar assim. Me levanto rápido, fazendo a cadeira cair, e ele me olha surpreso. Respiro fundo e me curvo sobre a mesa para encará-lo nos olhos.

— Melissa para você, seu cretino. E prefiro pedir demissão a ter que trabalhar com você... seu... seu idiota de uma figa! E se quer conhecer a empresa, se vira! Não vou sair andando por aí com alguém tão desprezível! E fique bem longe de mim enquanto estiver nesse país! — ordeno, exalando fúria. Percebo ele trincar o maxilar e vejo alguma mágoa em seu olhar, porém, ignoro qualquer sentimento que isso me causa. Eu preciso e quero sentir apenas raiva, então, sem mais palavras, saio batendo a porta.

Ando a passos largos até a porta de Richard enquanto assimilo que isso realmente está acontecendo. Isso coloca muita coisa em risco, inclusive, minha sanidade mental. As memórias vêm com força.

Eu o esqueci. Eu sei que esqueci qualquer sentimento bom que tinha por ele. Mas a presença dele aqui ainda complica as coisas.

Assim que chego em frente à porta da sala do meu chefe, eu entro sem bater, mas me arrependo amargamente ao ver o que acontece lá dentro.

— Que droga, Richard.

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Comments

Josi Gomes

Josi Gomes

JÁ ENTENDI QUE FOI UM MAL ENTENDIDO, SERÁ QUE FOI ARMAÇÃO DO DANIEL

2023-10-07

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