CAPÍTULO 1

Fevereiro de 2018

Eu ainda tento, a todo custo, entender o próximo.

Errar é humano.

Pelo menos, é o que as pessoas costumam dizer. E, embora tenhamos esse costume de dizer que nós, humanos, somos falhos, conviver com a culpa é algo que destrói sua paz dia após dia.

Talvez, tenha sido isso que fez minha vida chegar aonde chegou. Embora eu tenha conseguido encontrar o trabalho que jamais sonhei ter, e que tem sido minha única distração no último ano, me sinto vazia e infeliz.

Eu achei, de verdade, que estava fazendo a coisa certa quando decidi me casar com Daniel. E, por um tempo, tive a plena certeza disso; até ele me mostrar que eu estava totalmente errada.

Por mais que eu tente entender suas falhas, não canso de me perguntar se ele sente alguma culpa. Às vezes, desejo que ele seja assombrado por tal sentimento. E me sinto uma pessoa terrível por querer que ele sofra.

Pelo menos, um pouquinho.

Eu simplesmente fiquei cega por um tempo, a ponto de não perceber que minha vida era uma mentira. E só percebi quando o vi, em plena mesa de seu escritório, tendo relações com outra.

Aquilo doeu. Doeu como uma pancada forte na cabeça onde você fica desorientada, sem entender se o que está vendo na sua frente é real. Eu queria que tudo aquilo tivesse sido um pesadelo.

Infelizmente, eu já havia percebido alguns sinais de que ele era infiel. E o pior de tudo é que consegui fazer algo que eu queria. Com o tempo, aprendi a amá-lo. E com isso, confiei meu coração, meu corpo e todo meu ser a uma pessoa novamente. Então, era mais fácil pensar que os sinais poderiam ser apenas minhas inseguranças fazendo eu acreditar em algo que não existia.

Afinal, minha aparência pode ter deixado um pouco a desejar. Daniel fazia questão de deixar claro que minhas vestes não o agradavam. E minha falta de vaidade o deixava com vergonha de aparecer na mídia comigo ao seu lado.

Apesar de estar com o orgulho ferido, tentei a todo custo seguir em frente. Ainda assim, por mais que eu tentasse esquecer meus sentimentos, eles faziam questão de aparecerem com toda sua força para mostrar-me que ainda estavam ali, vivendo em mim. E, mais uma vez, o destino era cruel comigo.

O jornal do dia, agora em minha mão, mostrava em sua primeira página que o homem que eu aprendi a amar e que foi meu marido por treze anos, agora estava noivo. É claro que teria que ser com aquela com a qual ele fez questão de me trair várias vezes.

Destino, definitivamente, você não gosta de mim.

— Eu pretendia te contar. — Saio dos meus devaneios ao ouvir a voz dele. Só então, percebo que ainda estou parada em frente à minha porta, olhando a foto dele com ela.

Ele está na minha frente, com seu terno preto e caro perfeitamente ajustado em seu corpo, gravata azul, calça e seus belíssimos sapatos sociais; a vaidade em pessoa, o perfeito homem de negócios. O cabelo em um corte baixo e elegante combinando com seu rosto, que ostentava aquela barba por fazer que eu tanto amava. Os olhos azuis, nos quais eu costumava me perder, agora estavam ali me analisando, receosos.

Porém, no meio disso tudo, o que não dá para entender é que ele ainda me olha com carinho. Mesmo depois de um ano separados, ele ainda me olha como se eu fosse sua, mas ele mesmo nunca foi meu; não com exclusividade.

Ele parece cauteloso e dá mais um passo em minha direção, ficando agora próximo o bastante para que eu sinta seu cheiro. Ajeito meus óculos com o dedo indicador em um ato involuntário antes de lhe dirigir a palavra.

— Você não tem que me falar nada, Daniel. Sou apenas a mãe dos seus filhos. E, à propósito, você está atrasado. Eles já foram para a escola — falo friamente.

Ele me olha como um cachorrinho sem dono, como se meu modo de lhe dirigir a palavra o machucasse.

— Eu sei que estou atrasado. Na verdade, vim aqui para falar com você.

— Falar sobre o quê?

— Sobre... o casamento... eu queria me explicar...

— Não tem necessidade disso. Você é livre para seguir com sua vida — falo secamente, tentando a todo custo não desviar o olhar.

Eu não posso demonstrar fraqueza. Não quero que ele saiba o quanto essa notícia me afetou. Ele não tem que ser ciente sobre os meus sentimentos.

— Sou livre, mas não por opção. Largaria tudo e voltaria para você, se me perdoasse — ele diz sério, minha vontade é de rir.

— Por que eu preciso perdoar? Se você fosse feliz comigo, não teria me traído. Então, para quê voltar nisso? Você fez sua escolha e precisa ficar bem com ela. — As palavras saem de mim me causando uma tristeza terrível.

— Melissa! Eu errei feio com você. Sinto tanto a sua falta. Falta da nossa vida, de ver nossos filhos todos os dias. Você me mandou embora, mas eu nunca quis ficar longe de você. — Ele novamente me mostra sua cara de cachorrinho abandonado.

Devo ser muito trouxa por ainda ter vontade de acariciá-lo. Mas não quero mais abrir mão do meu orgulho. Eu perdi muito com tudo isso e o orgulho é tudo o que me resta.

— Eu não quero ouvir suas lamúrias, Daniel. Eu preciso ir trabalhar. E, à propósito, parabéns pelo seu noivado. — Dou um sorriso forçado.

Ele me olha como se eu o tivesse ofendido.

— Tchau, Daniel.

— Melissa...

Percebo que ele não tem pretensão de ir embora. Além disso, eu deveria comer algo antes de ir para o trabalho. Porém, não quero dar qualquer brecha para ele continuar com essa conversa. Então, pego minha bolsa pendurada ao lado da porta, as chaves do meu carro, e saio esbarrando nele de modo brusco.

Pelo menos, ele não tenta me segurar. Vou até meu carro na garagem e, sem olhá-lo novamente, me coloco dentro do veículo.

Ligo o carro. Mas sem conseguir me conter, acabo olhando em sua direção. Ele ainda está parado em frente à minha porta e olhando para mim. Seu semblante é triste, mas não posso me compadecer disso. Ele não merece minha compaixão.

Saio com meu carro em direção ao meu trabalho pouco me importando se o deixei para trás.

Ao parar em um engarrafamento, olho para o relógio no meu pulso esquerdo e deixo um suspiro frustrado sair.

Que ótimo! Vou acabar me atrasando.

Trabalho como programadora na empresa Santa Mônica Studio, uma empresa de jogos localizada em Santa Mônica, na Califórnia. Vim do Brasil há quinze anos junto com Daniel, que na época, era meu marido. Havíamos acabado de nos casar e estávamos felizes por termos a oportunidade dos nossos sonhos, mas toda a felicidade foi, aos poucos, sendo deixada de lado.

Tento espantar o pensamento. Não quero lembrar do meu passado.

Ainda mais hoje, no dia em que o novo sócio da empresa será apresentado para a equipe.

Solto um suspiro em frustração.

Richard, meu chefe e melhor amigo, não vai gostar do meu atraso. E, pior ainda, que eu não comi nada desde que acordei, o que é péssimo para alguém com hipoglicemia.

— Melissa! Já viu a hora? Richard está para me deixar louca do tanto que já perguntou por você! — Gessy, a mais nova programadora da empresa, fala assim que me vê. Largo minha bolsa na partição onde trabalho e me viro para ela.

— Sei que estou atrasada, mas não sobrevivo sem meu capuchino, Gessy. Vou buscá-lo rapidinho e já sigo para a sala de reunião. — Dizendo isso, saio praticamente correndo em direção à máquina de capuchino, que fica do lado oposto à sala para onde eu deveria estar indo.

A empresa onde trabalho está passando por algumas dificuldades e esse novo sócio apareceu, segundo as palavras do meu chefe, como um anjo na vida dele. Então, é de suma importância que eu, a programadora de jogos com maior experiência na empresa, esteja presente para receber essa pessoa.

Pessoa essa que eu não tive tempo de investigar. Aposto que deve ser algum riquinho metido a besta que não sabe nada do mundo dos games. Segundo o meu chefe, ele está só nos ajudando financeiramente. Ao menos, foi o que eu entendi. No entanto, fico na dúvida sobre isso, já que no dia em que houve a reunião onde ele explicou sobre o novo sócio, eu estava praticamente dormindo sentada, depois de passar duas noites em claro desenvolvendo um novo código para nosso próximo projeto.

Assim que vejo que minha caneca está cheia, saio andando às pressas em direção à maldita sala. Porém, um infeliz desastrado acaba esbarrando em mim com força o bastante para me fazer virar a caneca. Mas não, não foi em cima dele que a maldita caneca virou, isso seria muita sorte para mim. E sorte, é algo que faltou na receita que o papai do céu usou na minha composição. A maldita caneca com meu cappuccino, que graças a Deus, não está tão quente, vira sobre minha própria camisa e me deixa ensopada.

O infeliz nem presta atenção e continua andando a passos largos na minha frente. Bufo ao fitar aquela figura masculina de costas.

— Você está cego, seu idiota? Por que não presta atenção por onde anda? Seu troglodita de uma figa! — exclamo irritada, em um tom alto o bastante para que ele possa ouvir. No entanto, falo em português. É uma das coisas boas em ser a única brasileira na empresa. Pelo menos, ele não vai saber que o estou ofendendo.

Olho para minha enorme camisa com estampa do Guns'n Roses, que agora está totalmente encharcada, e sinto vontade de chorar. Ótimo visual para receber o novo sócio pelo qual meu chefe tem esperado todos esses dias.

Parabéns, Melissa! Seu dia está ótimo, começou uma maravilha!

— Eu não estou cego, apenas atrasado. — Fico estática e tenho plena certeza que todo meu sangue se esvai do meu rosto ao ouvir a voz grossa, marcante e máscula falando comigo, em português.

Assim que levanto meu olhar, vejo um belo homem sorrindo de lado para mim. Meu coração vai a mil por hora quando acho que conheço aquele maldito sorriso. No entanto, ele apenas vira as costas e sai logo em seguida.

— Boa sorte para limpar sua camisa, gatinha — ele fala, enquanto continua seu caminho. E eu fico ali feito uma boba, olhando ele tomar distância de mim.

Não pode ser. Tantos países, cidades e empresas nesse mundo e ele tem que vir justo para cá?

Qual é Destino! Você me odeia ou o quê?

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Josi Gomes

Josi Gomes

O INFELIZ E O NOVO SÓCIO

2023-10-07

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