Capítulo 5 - Saída

...Lana...

Quando desperto, o relógio sobre o aparador ainda está marcando quatro horas da madrugada. Espreguiço devagar, ouvindo os ossos do meu corpo estalarem à medida que os movo. Tento forçar um sorriso, decidida a enfrentar a viagem de hoje com mais entusiasmo, mas não consigo quando percebo que será a primeira vez em dois anos que volto para uma trilha e, pior ainda, estarei sozinha.

Bufo, insatisfeita. Não deveria estar pensando em algo assim numa hora dessas. E, por saber que não, me levanto, hora ou outra tropeçando em meus próprios pés até chegar no banheiro presente em meu quarto. Tomo um banho rápido e parto para arrumar as minhas coisas, deixando o que não será útil para mim fora da mochila que levarei.

Ajeito tudo da forma que dá, e quando termino de me aprontar já são mais de seis horas. Desço as escadas rapidamente, e não perco muito tempo cumprimentando os outros hóspedes que já estão na recepção. Apenas como o suficiente para não sentir fome durante a viagem até a trilha, escuto a dona da pousada se desculpar por ontem mais umas dez vezes e me limito a sorrir compreensiva.

Apesar de ter me sentido exposta e muito mal depois dela tocar nessa parte do meu passado que tanto me atormenta, eu não poderia descontar minha raiva e frustração em uma senhora tão simplória como ela. Seria muita imaturidade, e eu evito ser assim a todo custo.

Desde cedo, ainda quando morava em um orfanato em Massachusetts, fui ensinada a não ser imatura e a tentar lidar melhor com os acontecimentos à minha volta. Ser sincera, transparente com meus sentimentos e, acima de tudo, saber levar as pessoas que não conseguiam segurar a própria língua dentro da boca.

Talvez essas experiências e ensinamentos me levaram a ser alguém muito expressiva. Não consigo esconder quando me sinto mal ou quando estou triste; a verdade é rapidamente percebida por quem me olhar nos olhos ou estudar meu rosto com maior atenção. Isso sempre foi algo que considerei por boa parte da minha vida como um defeito, embora fosse aquilo que Luke afirmava mais amar em mim. 

Solto um suspiro pesado, mordendo meus lábios ao ter imagens de Luke invadindo minha mente sem pedir permissão. Não quero pensar nele, mas é inevitável. Falta menos de meia hora para eu ir até a trilha, com o guia que contratei — e que, também, foi o seu guia.

Não nego que me senti muito surpresa quando descobri esse pequeno fato. Diferente da pousada, que eu escolhi ser a mesma, o guia ser o mesmo foi mais uma coincidência infeliz que mexeu comigo quando descobri, há dois dias.

Se não tivesse já o contrato e com tudo tão em cima da hora, com certeza teria o dispensado e contratado outro, em parte por medo dele — de alguma forma — me reconhecer como noiva do homem que morreu e, de certa forma, manchou seu histórico perfeito.

Mas, como nem sempre tudo que a gente quer acontece, não tive como fazer isso. Pelos motivos já citados e por um novo que pareceu se esfregar na minha cara quando procurei outras agências de turismo para me ajudar: somente aquele guia ainda percorria as redondezas da mesma trilha que Luke fez no dia de sua morte, e o motivo para isso, bem, não era tão desconhecido assim.

 Não quando havia um acontecimento tão misterioso e brutal envolvido.

***

Quando chego em frente a entrada da floresta, ajeito minha mochila sobre o ombro e mordo meu lábio de um jeito nervoso que não passaria despercebido por ninguém ali, se, é claro, houvesse alguém aqui além de mim.

O guia ainda não chegou, o que me causa um desconforto estranho e preocupante. Será que ele demorará muito?, me pergunto mentalmente, batucando meus pés calçados no chão de um jeito rítmico, embora não tenha nenhuma melodia em mente enquanto faço isso.

Sinto o vento gélido da manhã tocar minha pele, sacudindo meus cabelos soltos e me arrependo de não ter trazido uma touca para manter minhas orelhas quentinhas mesmo em um clima como este.

Ao olhar para cima, percebo que o céu se mantém nublado e parece que a qualquer momento irá chover, mesmo que a previsão do tempo — que consultei ontem à noite — afirmasse o oposto.

Solto um resmungo de insatisfação, não acreditando que minha sorte seria resumida a isso. Seria muita sacanagem do destino chover justo no dia em que decidi passar a noite na floresta, procurando por pistas que nem tenho certeza se poderei encontrar.

Eu sei, já faz dois anos, então, como poderia ter pistas em uma floresta onde sempre há pequenas mudanças? A verdade é que não sei. E isso só confirma as palavras de Samantha quando contei sobre esse meu plano louco para ela.

Não há um meio por onde começar. Não havia nada antes, então era bem mais fácil acreditar que não haverá nada agora também. E, talvez, por ser assim que rejeitei essa possibilidade ao máximo.

Ainda há uma chance, lembro de repetir isso centenas de vezes para ela. Mas haveria mesmo? Eu não estava só me arriscando à toa? Engulo em seco, dando tapinhas nada amigáveis em meu rosto para afastar essa ideia da minha mente.

Já fui longe demais para simplesmente retroceder agora, repito várias vezes em minha mente, como se isso fosse uma verdade amarga e imutável. Fecho os olhos, percebendo que — para mim — é exatamente isso. Nada mais que uma verdade amarga e imutável.

E é nesse instante que algo acontece. Sinto uma mão tocar meu ombro, o que me faz saltar para frente. Não consigo conter um grito, e me afasto como uma rapidez que, em qualquer outro momento, acharia bizarra.

Olho para a pessoa que tocou em mim, um homem alto e forte. Seu cabelo está todo coberto por uma toca, e ele usa máscara, deixando somente seus olhos castanho-escuros — quase negros — visíveis. Sua roupa é grossa e pesada, muito mais do que a minha, algo que me faz franzir a testa, perplexa.

— Desculpa. Eu não queria te assustar — a voz firme e grossa, quase de um jeito artificial, ecoa por meus ouvidos, o que só me deixa ainda mais em alerta. Ao ver isso, ele apenas suspira. — Eu sou o guia que contratou. Me chame de Red.

— A cor? — replico, não acreditando que alguém tem um nome assim. Ele parece sorrir de lado, algo que não consigo ter certeza devido à máscara.

— É um apelido. — Dá de ombros, e começa a andar em direção a floresta. Ao ver que ele não iria dizer mais nada, o sigo com muita relutância.

E é aí que torço mais uma vez para dar tudo certo. Mesmo com uma voz dentro de mim gritando que a resposta é muito mais negativa do que eu gostaria.

Infelizmente.

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Comments

Loves

Loves

Ahhh, já quero o próximo capítulo 😍

2023-04-15

2

Ver todos

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