Capítulo 4 - Na cabana do líder

...Gabriel...

Ainda é madrugada quando entro pela porta da frente da minha cabana, me deparando com Julie conversando de forma animada com Cameron. Em qualquer outra situação, talvez eu conseguisse levar isso como algo normal, mas dessa vez é impossível — talvez, graças ao meu péssimo humor.

Além disso, essa não era a primeira vez que os via aqui, escondidos de tudo e todos.

A maioria dos membros da alcateia sabem que não devem entrar na minha cabana — a cabana do líder — sem autorização. Mesmo assim, esses dois insistem em usar esse lugar como refúgio na maior parte do tempo e, talvez, não seria um problema tão grande se nós três fossem amigos próximos — o que não somos.

Cameron é um alfa alto e forte, de olhos castanhos escuros e cabelos negros. Já Julie é uma beta esguia, de cabelos loiros e olhos azuis-gelo — embora muitos a confundem com uma ômega. Ambos são quase como carne e unha, mesmo que isso se dê mais pela insistência de Julie de se manter perto de Cameron, mesmo sabendo que ele não é o mais amigável na maior parte do tempo.

Pigarreio, tentando não levar a atitude deles pro lado pessoal. Talvez haja um motivo para estarem aqui no fim das contas.

— O que estão fazendo aqui? — pergunto, tentando esconder o meu mau-humor. 

— Apenas organizando algumas caixas que trouxemos da cabana na floresta — Julie responde, e olho para Cameron, que dá de ombros.

— E por que na minha cabana? Poderiam muito bem deixar isso no armazém, não?

— Ah, qual é! Você até parece que já se esqueceu — Julie fala, e eu franzo o cenho tentando lembrar de qualquer coisa que não estava me recordando naquele momento. — Sério? Você se esqueceu mesmo?

— Isso é normal, Ju. Nosso querido líder tem sempre assuntos mais importantes para tratar do que ligar para detalhes como esse — Cameron diz, destilando seu veneno a cada palavra.

Reviro os olhos, já acostumado com o esse comportamento dele. 

Cameron é assim, traiçoeiro como uma serpente, embora nunca tenha cumprido até hoje com nenhuma de suas promessas silenciosas.

— Você sabe o quão isso é real para mim — rosno, o que faz Julie curvar seu corpo e desviar seus olhos dos meus. Cameron sequer se move. — Agora, sem joguinhos. O que eu me esqueci?

— Que, se não tivesse espaço no armazém, poderíamos deixar umas caixas por aqui mesmo, inclusive no seu quarto — Julie explica, agora com a voz bem mais baixa e cautelosa do que antes. 

Solto um suspiro, desviando minha atenção para a janela. É tanta coisa ultimamente que detalhes como esse sempre acabam sendo empurrados para o fundo da minha mente, por mais que não deveria ser assim.

— Ok, vocês ganharam. Eu me esqueci mesmo disso — admito por fim. Cameron sorri vitorioso e Julie parece reaver o ânimo que possuía antes da minha chegada.

— Que bom que você é consciente.

— Não provoque, Cameron.

Ele faz um movimento de desinteresse com a mão, e me controlo para não esboçar minha irritação sobre isso. Para tentar me distrair, me aproximo de uma das caixas próximas de Cameron e vejo um item curioso que logo capta minha atenção. O pego, abrindo-o em seguida. Julie parece ficar surpresa com a minha ação, pois logo se põe em minha frente, um tanto quanto desconfortável.

— Isso é…? — murmuro, vendo um par de alianças delicados dentro da caixinha. 

— É um dos itens que trouxemos da cabana na floresta — Cameron logo explica, dando de ombros. 

Franzo minhas sobrancelhas por alguns segundos, tentando lembrar de quem poderia ter sido o infeliz que tomei o par de alianças. Nada me ocorre, e me pergunto se eu estou ficando muito estressado esses dias ao ponto de me esquecer de coisas que, antes, fazia questão de lembrar.

Julie parece perceber minha confusão, mas não fala nada. Cameron também. Percebo que não irei tirar mais nada desses dois, nem se quisesse, o que não é o caso aqui.

— Ok, podem continuar suas arrumações. Eu estou de partida para a cabana — falei, fechando a caixinha da aliança e jogando-a de volta no mesmo lugar de antes.

Como se estivesse copiando meus movimentos, Cameron se ergue e me encara por alguns segundos, passando as mãos por seus cabelos negros — muito parecidos com os que eu tinha um ano atrás — em um gesto apressado. O observo com curiosidade, enquanto suas íris castanho-escuras parecem querer dizer mais do que sua boca está disposta a contar.

E isso me deixa ainda mais curioso, mas não o suficiente para questioná-lo se há algo errado. Eu e Cameron nunca fomos próximos ao ponto de revelar segredos e angústias, e não seríamos agora.

— Eu também estou de saída. Tenho uns assuntos para resolver fora da vila — ele diz, e sai em disparada rumo a porta. Vejo com o canto do olho Julie balançar sua cabeça, fechando a caixa em que está a aliança e rumando em direção ao meu quarto.

— Onde pensa que vai? — pergunto, com uma sobrancelha erguida.

— Guardar isso, não vê? — Sinto sua voz meio ríspida, embora seu semblante pareça magoado, talvez pela súbita saída de Cameron ou por algo que eu ainda não consigo entender. 

Assinto, e volto minha atenção para a janela. Lá longe vejo o sol começando a nascer no horizonte, mostrando para mim que esse dia será complicado. 

E talvez, só talvez, muito mais do que eu gosto de imaginar.

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