Mil E Uma Noite

Mil E Uma Noite

I

            Eu era contemplada quase que frequentemente pelo mesmo sonho.

Estava numa espécie de quarto, sem paredes, apenas a armação de um mosquiteiro, estava nas quatro extremidades de onde estava a cama, onde um pano branco e quase transparente estava.

Uma luz um pouco alaranjada vinha de algum lugar, preenchendo todo o ambiente, o deixando aconchegante e ao mesmo tempo sexy.

Todo aquele lugar me lembrava um harém, não que eu já havia ido em um mas, já havia escutado histórias de como era lá. E em meio ao lugar que parecia um harém, estava eu, deitada sobre os lençóis macios e brancos, me sentindo como se estivesse deitada sobre nuvens. O ar tinha um cheiro gostoso, uma mistura de incenso e perfume cítrico.

Não estava vendo meu corpo, mas sentia plenamente que estava numa e completamente receptiva. Receptiva a uma pessoa.

Como das outras vezes, ele chegava de repente, as vezes via sua silhueta pelo pano fino do mosquiteiro e as vezes não. Daquela vez, ele chegou de repente, inclinando-se sobre os pés da cama, ele engatinhou lentamente sobre a cama, até seu corpo grande estar sob mim e eu sentir algo úmido roçando em meio as minhas pernas.

Ele sempre estava excitado, assim como eu e saber que estávamos a um passo de...prendo o ar quando seu rosto  embaçado se aproxima do meu, me beijando com seus lábios carnudos. O beijo não demora para se aprofundar, nossas línguas entrando numa sincronia enquanto dançavam;

Sentia suas mãos pelo meu corpo, grandes, um pouco ásperas, percorrendo todas as curvas do meu corpo e indo de encontro justamente aonde estávamos ligados naquele momento.

Seus dedos acariciam meu clítoris, trazendo uma nova onda de excitação por todo meu corpo.

Abro minha boca num O perfeito, encarando aqueles olhos que nunca descobri como eram ou a qual que possuíam, me sentindo cada vez mais perto de um orgasmo, enquanto ele continuava arrematando contra meu quadril, com força e de um modo contínuo.

E foi justamente nessa parte, que estava sentindo o maior prazer que meu corpo poderia sentir em um sonho que, acordei abruptamente, mas por causa de um barulho alto, seguido por gritos.

Abro meus olhos assustada, sem ter ideia do que estava acontecendo. Num instante estava dormindo, tendo um orgasmo, o que explicava  o fato de estar úmida entre as pernas; E no outro uma sequência de gritos e passos rápidos no corredor, chegavam aos meus ouvidos.

Ainda sonolenta, me sento na cama e olho para a porta, após ligar o abajur ao lado da cama, duvidando se não era algo da minha cabeça, após o silêncio perdurar por cerca de trinta segundos. Os gritos haviam cessado, deixado apenas o silêncio, o que me fez acreditar que poderia ter sonhado com algo do tipo, misturando dois sonhos ou tendo um sonho conturbado.

Estava prestes a voltar a dormir, quando a gritaria recomeçou, só que dessa vez, fora do palácio. De imediato, sem pensar duas vezes, ando até a janela, afastando as cortinas e me deparando com a única coisa que não esperava ver naquele momento: o palácio sendo atacado.

Meus olhos vagam pela  movimentação na minha frente, guardas lutando, tentando impedir os invasores e a maioria sendo morta. Eu via mais corpos estirados dos nossos guardas ali, do que inimigos. Explosões vinham de algum lugar, abruptas, me assustando a cada clarão que nada no céu.

Ainda incrédula, me afasto da janela andando de costas, indo para a porta rapidamente, descobrindo outra cena de horror. Os objetos que antes haviam ali, estava quebrá-los ou jogados no chão.

Ando até o meio do corredor, sem ter ideia para onde ir. Quem procurar. Onde estava meus pais? Os guardas que ficavam responsáveis pela nossa segurança?

E antes que uma das minhas duas perguntas fossem respondidas, ouço vozes agitadas vindo do outro corredor que dava acesso aquele corredor. Não falavam nossa língua e isso com certeza foi o que me fez correr. Não eram um dos nossos.

Até que era bom correr descalça no carpete, não fazia isso com frequência, estava sempre usando sapatos apertados demais ou vestidos com panos demais, que iriam impossibilitar movimentos como aquele.

Já não ouvia as vozes, mesmo assim continuei correndo. Enquanto corria, não conseguia pensar num lugar seguro para me esconder. Era irônico, não é? Estava em um palácio, havia inúmeros lugares aonde poderia me esconder mas, não tinha certeza se os invasores também não sabiam disso. Poderiam saber e também poderiam ser tão previsíveis assim como eu.

No caminho para algum lugar, encontro mais objetos quebrados e agora guardas mortos, a cada metro que eu andava, encontrava um. Isto só fez com que um pensamento se infiltrasse cada vez mais na minha cabeça.

Conhecendo minha mãe, ela poderia estar se mordendo de preocupação, era sempre o que ela fazia, quando sumíamos de suas vistas. E conhecendo também meu pai, ele deveria estar tentando acalmá-la, cofiando na guarda que tínhamos. Minha irmã não deveria estar muito preocupada, talvez com sono, por estar no meio da noite escondida em algum lugar.

Enquanto eu, estava começando a entrar em pânico.

Queria encontrá-los, queria que estivesse dormindo, mas a cada passo que eu dava, só tinha a impressão que não seria algo fácil e que se estivesse dentro de outro sonho, aquela não era uma experiência muito boa.

Paro abruptamente ao ouvir vozes agora vindo na minha frente, só tinha uma porta nos separando. Respirando pela boca, giro o corpo, entrando em um corredor e em outro, até me ver na cozinha vazia e em um caos particular, saindo por fim pela porta, para o ar quente e pesado.

Diversos barulhos vinheram ao meu encontro, mas nenhum era a voz dos meus pais. Era só o barulho  de armas sendo disparadas, espadas indo de encontro a espadas e gemidos de dor.

Continuei correndo, só que agora para a floresta que havia ao redor. Atravessar aquele verdadeiro campo de batalha, foi um desafio e tanto, pois não tinha como eu passar despercebida e não tinha mesmo, pelo menos uns quatro invasores tentaram me deter me matando e por eu fazer yoga, fui flexiva o suficiente para me livrar de suas espadas compridas e afiadas. Estava até começando a me sentir segura na floresta, quando sinto braços em volta do meu corpo, impedindo que eu continuasse correndo, tento soltar meus braços, mas apenas me canso.

- Me solta!! - grito, me debatendo com o resto da força que ainda tinha.

- Cala a boca - Ele rosna no meu ouvido, chegando a molhá-lo com sua saliva.

Isto só fez com que o pânico se distribuísse rapidamente pelo meu corpo e a força que eu achava que não tinha, simplesmente duplicou e me debati com mais força, recorrendo no momento de desespero para uma mordida.

Ele me solta bruscamente, mesmo sendo previsível até, depois da mordida, mesmo assim, não estava esperando ser jogada com força contra o chão coberto por galhos e mato úmido.

Obrigo meu corpo a ser ágil e se levantar rapidamente. Estava quase conseguindo, quando senti agora ele me segurar pelo tornozelo e me puxar para trás com força. Grito, tentando me soltar, chutando-o as cegas, não conseguindo acertar nenhum lugar.

- Fica quieta! - diz irritado, tentando me manter parada, agora optando pelo peso do seu  corpo sobre o meu - Continuo me debatendo, até sentir minhas mãos neutralizadas, assim como o restante do meu corpo. Lutar havia sido em vão, gastei energia a toa e agora estava a mercê dele, do inimigo - Sempre quis saber qual era o gosto da realeza - Não conseguia ver seu rosto com clareza, mas sabia que estava sorrindo, era um sádico, estava se divertindo as minhas custas.

- Eu ordeno que me solte! - rosno - Agora!

Um breve silêncio ocorreu, antes que ele apertasse mais meus pulsos.

- Desculpa, princesa. Mas não vai mais dar ordens.

Respiro pela minha boca, quando concluo que a situação não apenas no geral, não era nada boa.

- Socorro! - grito o mais alto que posso, esperançosa de que alguém ouviria e me salvaria no meio daquela confusão.

- Isso - Ele segura meu queixo com força, dizendo as palavras entre dentes - Grita, vai. Grita!

- Socorro!! -O ar falta em meus pulmões com o esforço e quando deito minha cabeça novamente no chão, sinto o peso sob o meu corpo sumir de repente e a lâmina de uma espada cortar o escuro, seguido por um gemido longo de dor.

Atordoada, sento, me afastando rapidamente de onde estava, de onde havia escutado o invasor cair. Olho diretamente para o lugar, ouvindo meu coração bater descompensando em meus ouvidos, com a certeza de que Alá havia me escutado.

- Pensei que era mais inteligente  - Franzo o cenho, tentando encontrar de onde exatamente estava vindo aquela voz irritante - Mas pelo visto, me enganei. A inteligência não faz parte de você - Sua voz soa irritada, poderia até jurar que estava espumando de raiva pela minha imprudência. - Não era para estar aqui. Onde está os guardas que a protegem? - Limpo as minhas mãos na camisola, sentindo as palmas doloridas e terra em baixo das unha - Estou falando com você - diz ele ainda mais perto de mim, após encurtar o espaço que deveria haver ali.

Ergo minha cabeça, olhando para onde achava que deveria estar seus olhos. Com a raiva que eu sentia dele, ainda mais vivida dentro de mim. Tantos anos haviam se passado e ainda continuava sentindo o mesmo sentimento por ele, a raiva era mais fácil de se alimentar do que eu pensava.

E de todas as pessoas que poderiam ter salvo a minha vida, tinha que ser justamente ele?!

Soltando o ar dos pulmões pelo nariz, contorno seu corpo grande, em busca da saída da floresta. Ali já não era mais seguro, era antes de eu ser atacada e dele estar ali. Havia deixado de ser um bom esconderijo.

Estava a menos de dois passos para fora da floresta, quando o novo cenário na minha frente chamou minha atenção. Já não havia muitos guardas lutando com invasores, a quantidade de corpos pareciam ter aumentado e poucos dos nossos, se mexiam em meio aos corpos.

Nunca pensei que iria vivenciar algo do tipo, mas ali estava eu.

Inspirando o ar, sinto a existência dele em minhas costas, a pessoa cujo o nome eu não fazia questão nem de lembrar. E sem esperar que ele me desse uma ordem, já que não iria acatar, ando de volta para o palácio, dessa vez com passos hesitantes, olhando para onde estava andando e ainda o sentindo em cada passo que eu dava, quando eu só queria ficar sozinha, como estava antes, sem companhia indesejada alguma.

Os invasores que haviam sobrevivido, estavam sendo presos, assim como os ferimentos que, duvidava que receberiam qualquer ajuda médica depois do que fizeram.

Dessa vez ao parar, fico diante das portas do palácio que estavam destroçadas, haviam pedaços da porta grossa de madeira por toda parte, inclusive no extenso corredor largo em minha frente.

Acompanho com o olhar a movimentação em minha frente, os guardas levando os novos presos, o silêncio que aos poucos era restaurado.

Está tudo bem novamente, penso, entrando. Contendo a vontade de virar e mandar ele parar de me seguir, como se quisesse ter certeza que iria fazer o que era para ter feito desde o início.

Sorrio instantaneamente quando Omar surge de repente em minha frente, vindo de alguma direção que não prestei atenção, graças ao movimento dos guardas.

- Ai, Omar, como é bom ver você.

- Também estou...feliz, princesa, em ver você - diz com a voz hesitante, olhando para a pessoa em questão em minhas costas.

- Onde está meus pais? Minha irmã? - digo atraindo a atenção dele para o quê importava ali. Ele inspira profundamente o ar, a expressão mudando rapidamente. Os olhos dele vagam pelo vazio e depois para as mãos - Omar - Insisto.

- Eu sinto muito, princesa - diz de forma cautelosa, devagar - Mas vosso pai, o Emir, não sobreviveu ao ataque. Sustento o olhar dele, processando a informação - Sinto muito.

Abaixo minha cabeça, piscando algumas vezes, quando aos poucos me dava conta do que aquelas palavras significavam. Meu pai, havia morrido, sido morto.

- Amira! - Ergo a cabeça quando ouço a voz da minha mãe. Ela corre até mim, acompanhada pela minha irmã mais nova, que assim como eu, estava de camisola e com uma expressão assustada.

Abraço minha mãe com força assim que ela se aproxima mais, enterrando meu rosto em seu ombro, sentindo que ali estava segura e que poderia desabar.  Ela puxa minha irmão para perto, abraçando-a com o outro braço, enquanto seu peito  tremia por causa dos soluços.

- Mãe, o Omar disse que o pai... - digo ao erguer a cabeça e olhar para ela, dentro de seus olhos, em busca de algo que confirmasse que ele havia se enganado, que nada daquilo era verdade. Olho para trás, em busca de algum sinal dele, mas só havia Omar e a movimentação dos guardas - Onde ele está? - finalmente pergunto, quando não o encontro ali.

- Morto, Amira - diz Amina da forma mais rude e direta que ela poderia usar. Se ela fosse gentil, não seria a Amina.

Franzo o cenho, sentindo meus lábios tremerem e meus olhos lacrimejarem.

- Amina - Minha mãe repreende, me abraçando, me trazendo para o calor de seu abraço - Vai ficar tudo bem, Amira - sussurra, afagando meu cabelo que estava bagunçado.

Só me perguntava como isso havia acontecido ali dentro, com tantos  guardas.

- Como isso aconteceu?! - Elevo a voz, me afastando dela, olhando para Omar - Como deixaram o meu pai morrer?! - Ele mais do que ninguém, era para estar mais protegido ali dentro.

- Fomos atacados se não percebeu, Amira - diz Amina com a expressão fechada, os olhos negros afiados - Aconteceu de repente, todo mundo foi pego de surpresa - Ela cruza os braços sob o peito - Ninguém estava esperando.

Balanço a cabeça de um lado para o outro, ainda sem acreditar. Não conseguia acreditar que ele havia ido, que não o veria mais.

- Vou cuidar que os preparativos do funeral aconteça - diz Omar da forma mais gentil - E que o novo Emir seja nomeado.

- Não - digo abruptamente, atraindo a atenção de todos - O meu pai... ele que...

- Amira - diz minha mãe, elevando um pouco a voz, segurando meu braço. Sua voz é firme, assim como seu olhar - É as regras - Regras estas, que eu conhecia muito bem e que achava que nunca iria ver sendo colocadas em prática.

Diferente de mim, meu pai sempre teve receio com este momento, em quem ficaria no seu lugar, já que nenhuma de suas filhas iriam poder governar, por serem mulheres, precisariam de um homem, um marido, ao seu lado e que levaria o título.

Engolindo em seco, me afasto do aperto em meu braço, ainda o sentindo em minhas costas. Aquele seria um bom momento para descontar parte da raiva que sentia dele, nele, mas eu não via como apropriado. Meu pai havia morrido, um novo Emir seria nomeado e uma de nós teria que casar.

Tudo isto estava acontecendo antes do amanhecer e eu ainda acreditava que estava dormindo, que não demoraria para o homem dos meus sonhos aparecesse e me fizesse esquecer de toda aquela loucura.

Mas tudo só indicava que eu estava muito bem acordada e que ele não iria vir ao meu encontro.

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