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Mil E Uma Noite

I

            Eu era contemplada quase que frequentemente pelo mesmo sonho.

Estava numa espécie de quarto, sem paredes, apenas a armação de um mosquiteiro, estava nas quatro extremidades de onde estava a cama, onde um pano branco e quase transparente estava.

Uma luz um pouco alaranjada vinha de algum lugar, preenchendo todo o ambiente, o deixando aconchegante e ao mesmo tempo sexy.

Todo aquele lugar me lembrava um harém, não que eu já havia ido em um mas, já havia escutado histórias de como era lá. E em meio ao lugar que parecia um harém, estava eu, deitada sobre os lençóis macios e brancos, me sentindo como se estivesse deitada sobre nuvens. O ar tinha um cheiro gostoso, uma mistura de incenso e perfume cítrico.

Não estava vendo meu corpo, mas sentia plenamente que estava numa e completamente receptiva. Receptiva a uma pessoa.

Como das outras vezes, ele chegava de repente, as vezes via sua silhueta pelo pano fino do mosquiteiro e as vezes não. Daquela vez, ele chegou de repente, inclinando-se sobre os pés da cama, ele engatinhou lentamente sobre a cama, até seu corpo grande estar sob mim e eu sentir algo úmido roçando em meio as minhas pernas.

Ele sempre estava excitado, assim como eu e saber que estávamos a um passo de...prendo o ar quando seu rosto  embaçado se aproxima do meu, me beijando com seus lábios carnudos. O beijo não demora para se aprofundar, nossas línguas entrando numa sincronia enquanto dançavam;

Sentia suas mãos pelo meu corpo, grandes, um pouco ásperas, percorrendo todas as curvas do meu corpo e indo de encontro justamente aonde estávamos ligados naquele momento.

Seus dedos acariciam meu clítoris, trazendo uma nova onda de excitação por todo meu corpo.

Abro minha boca num O perfeito, encarando aqueles olhos que nunca descobri como eram ou a qual que possuíam, me sentindo cada vez mais perto de um orgasmo, enquanto ele continuava arrematando contra meu quadril, com força e de um modo contínuo.

E foi justamente nessa parte, que estava sentindo o maior prazer que meu corpo poderia sentir em um sonho que, acordei abruptamente, mas por causa de um barulho alto, seguido por gritos.

Abro meus olhos assustada, sem ter ideia do que estava acontecendo. Num instante estava dormindo, tendo um orgasmo, o que explicava  o fato de estar úmida entre as pernas; E no outro uma sequência de gritos e passos rápidos no corredor, chegavam aos meus ouvidos.

Ainda sonolenta, me sento na cama e olho para a porta, após ligar o abajur ao lado da cama, duvidando se não era algo da minha cabeça, após o silêncio perdurar por cerca de trinta segundos. Os gritos haviam cessado, deixado apenas o silêncio, o que me fez acreditar que poderia ter sonhado com algo do tipo, misturando dois sonhos ou tendo um sonho conturbado.

Estava prestes a voltar a dormir, quando a gritaria recomeçou, só que dessa vez, fora do palácio. De imediato, sem pensar duas vezes, ando até a janela, afastando as cortinas e me deparando com a única coisa que não esperava ver naquele momento: o palácio sendo atacado.

Meus olhos vagam pela  movimentação na minha frente, guardas lutando, tentando impedir os invasores e a maioria sendo morta. Eu via mais corpos estirados dos nossos guardas ali, do que inimigos. Explosões vinham de algum lugar, abruptas, me assustando a cada clarão que nada no céu.

Ainda incrédula, me afasto da janela andando de costas, indo para a porta rapidamente, descobrindo outra cena de horror. Os objetos que antes haviam ali, estava quebrá-los ou jogados no chão.

Ando até o meio do corredor, sem ter ideia para onde ir. Quem procurar. Onde estava meus pais? Os guardas que ficavam responsáveis pela nossa segurança?

E antes que uma das minhas duas perguntas fossem respondidas, ouço vozes agitadas vindo do outro corredor que dava acesso aquele corredor. Não falavam nossa língua e isso com certeza foi o que me fez correr. Não eram um dos nossos.

Até que era bom correr descalça no carpete, não fazia isso com frequência, estava sempre usando sapatos apertados demais ou vestidos com panos demais, que iriam impossibilitar movimentos como aquele.

Já não ouvia as vozes, mesmo assim continuei correndo. Enquanto corria, não conseguia pensar num lugar seguro para me esconder. Era irônico, não é? Estava em um palácio, havia inúmeros lugares aonde poderia me esconder mas, não tinha certeza se os invasores também não sabiam disso. Poderiam saber e também poderiam ser tão previsíveis assim como eu.

No caminho para algum lugar, encontro mais objetos quebrados e agora guardas mortos, a cada metro que eu andava, encontrava um. Isto só fez com que um pensamento se infiltrasse cada vez mais na minha cabeça.

Conhecendo minha mãe, ela poderia estar se mordendo de preocupação, era sempre o que ela fazia, quando sumíamos de suas vistas. E conhecendo também meu pai, ele deveria estar tentando acalmá-la, cofiando na guarda que tínhamos. Minha irmã não deveria estar muito preocupada, talvez com sono, por estar no meio da noite escondida em algum lugar.

Enquanto eu, estava começando a entrar em pânico.

Queria encontrá-los, queria que estivesse dormindo, mas a cada passo que eu dava, só tinha a impressão que não seria algo fácil e que se estivesse dentro de outro sonho, aquela não era uma experiência muito boa.

Paro abruptamente ao ouvir vozes agora vindo na minha frente, só tinha uma porta nos separando. Respirando pela boca, giro o corpo, entrando em um corredor e em outro, até me ver na cozinha vazia e em um caos particular, saindo por fim pela porta, para o ar quente e pesado.

Diversos barulhos vinheram ao meu encontro, mas nenhum era a voz dos meus pais. Era só o barulho  de armas sendo disparadas, espadas indo de encontro a espadas e gemidos de dor.

Continuei correndo, só que agora para a floresta que havia ao redor. Atravessar aquele verdadeiro campo de batalha, foi um desafio e tanto, pois não tinha como eu passar despercebida e não tinha mesmo, pelo menos uns quatro invasores tentaram me deter me matando e por eu fazer yoga, fui flexiva o suficiente para me livrar de suas espadas compridas e afiadas. Estava até começando a me sentir segura na floresta, quando sinto braços em volta do meu corpo, impedindo que eu continuasse correndo, tento soltar meus braços, mas apenas me canso.

- Me solta!! - grito, me debatendo com o resto da força que ainda tinha.

- Cala a boca - Ele rosna no meu ouvido, chegando a molhá-lo com sua saliva.

Isto só fez com que o pânico se distribuísse rapidamente pelo meu corpo e a força que eu achava que não tinha, simplesmente duplicou e me debati com mais força, recorrendo no momento de desespero para uma mordida.

Ele me solta bruscamente, mesmo sendo previsível até, depois da mordida, mesmo assim, não estava esperando ser jogada com força contra o chão coberto por galhos e mato úmido.

Obrigo meu corpo a ser ágil e se levantar rapidamente. Estava quase conseguindo, quando senti agora ele me segurar pelo tornozelo e me puxar para trás com força. Grito, tentando me soltar, chutando-o as cegas, não conseguindo acertar nenhum lugar.

- Fica quieta! - diz irritado, tentando me manter parada, agora optando pelo peso do seu  corpo sobre o meu - Continuo me debatendo, até sentir minhas mãos neutralizadas, assim como o restante do meu corpo. Lutar havia sido em vão, gastei energia a toa e agora estava a mercê dele, do inimigo - Sempre quis saber qual era o gosto da realeza - Não conseguia ver seu rosto com clareza, mas sabia que estava sorrindo, era um sádico, estava se divertindo as minhas custas.

- Eu ordeno que me solte! - rosno - Agora!

Um breve silêncio ocorreu, antes que ele apertasse mais meus pulsos.

- Desculpa, princesa. Mas não vai mais dar ordens.

Respiro pela minha boca, quando concluo que a situação não apenas no geral, não era nada boa.

- Socorro! - grito o mais alto que posso, esperançosa de que alguém ouviria e me salvaria no meio daquela confusão.

- Isso - Ele segura meu queixo com força, dizendo as palavras entre dentes - Grita, vai. Grita!

- Socorro!! -O ar falta em meus pulmões com o esforço e quando deito minha cabeça novamente no chão, sinto o peso sob o meu corpo sumir de repente e a lâmina de uma espada cortar o escuro, seguido por um gemido longo de dor.

Atordoada, sento, me afastando rapidamente de onde estava, de onde havia escutado o invasor cair. Olho diretamente para o lugar, ouvindo meu coração bater descompensando em meus ouvidos, com a certeza de que Alá havia me escutado.

- Pensei que era mais inteligente  - Franzo o cenho, tentando encontrar de onde exatamente estava vindo aquela voz irritante - Mas pelo visto, me enganei. A inteligência não faz parte de você - Sua voz soa irritada, poderia até jurar que estava espumando de raiva pela minha imprudência. - Não era para estar aqui. Onde está os guardas que a protegem? - Limpo as minhas mãos na camisola, sentindo as palmas doloridas e terra em baixo das unha - Estou falando com você - diz ele ainda mais perto de mim, após encurtar o espaço que deveria haver ali.

Ergo minha cabeça, olhando para onde achava que deveria estar seus olhos. Com a raiva que eu sentia dele, ainda mais vivida dentro de mim. Tantos anos haviam se passado e ainda continuava sentindo o mesmo sentimento por ele, a raiva era mais fácil de se alimentar do que eu pensava.

E de todas as pessoas que poderiam ter salvo a minha vida, tinha que ser justamente ele?!

Soltando o ar dos pulmões pelo nariz, contorno seu corpo grande, em busca da saída da floresta. Ali já não era mais seguro, era antes de eu ser atacada e dele estar ali. Havia deixado de ser um bom esconderijo.

Estava a menos de dois passos para fora da floresta, quando o novo cenário na minha frente chamou minha atenção. Já não havia muitos guardas lutando com invasores, a quantidade de corpos pareciam ter aumentado e poucos dos nossos, se mexiam em meio aos corpos.

Nunca pensei que iria vivenciar algo do tipo, mas ali estava eu.

Inspirando o ar, sinto a existência dele em minhas costas, a pessoa cujo o nome eu não fazia questão nem de lembrar. E sem esperar que ele me desse uma ordem, já que não iria acatar, ando de volta para o palácio, dessa vez com passos hesitantes, olhando para onde estava andando e ainda o sentindo em cada passo que eu dava, quando eu só queria ficar sozinha, como estava antes, sem companhia indesejada alguma.

Os invasores que haviam sobrevivido, estavam sendo presos, assim como os ferimentos que, duvidava que receberiam qualquer ajuda médica depois do que fizeram.

Dessa vez ao parar, fico diante das portas do palácio que estavam destroçadas, haviam pedaços da porta grossa de madeira por toda parte, inclusive no extenso corredor largo em minha frente.

Acompanho com o olhar a movimentação em minha frente, os guardas levando os novos presos, o silêncio que aos poucos era restaurado.

Está tudo bem novamente, penso, entrando. Contendo a vontade de virar e mandar ele parar de me seguir, como se quisesse ter certeza que iria fazer o que era para ter feito desde o início.

Sorrio instantaneamente quando Omar surge de repente em minha frente, vindo de alguma direção que não prestei atenção, graças ao movimento dos guardas.

- Ai, Omar, como é bom ver você.

- Também estou...feliz, princesa, em ver você - diz com a voz hesitante, olhando para a pessoa em questão em minhas costas.

- Onde está meus pais? Minha irmã? - digo atraindo a atenção dele para o quê importava ali. Ele inspira profundamente o ar, a expressão mudando rapidamente. Os olhos dele vagam pelo vazio e depois para as mãos - Omar - Insisto.

- Eu sinto muito, princesa - diz de forma cautelosa, devagar - Mas vosso pai, o Emir, não sobreviveu ao ataque. Sustento o olhar dele, processando a informação - Sinto muito.

Abaixo minha cabeça, piscando algumas vezes, quando aos poucos me dava conta do que aquelas palavras significavam. Meu pai, havia morrido, sido morto.

- Amira! - Ergo a cabeça quando ouço a voz da minha mãe. Ela corre até mim, acompanhada pela minha irmã mais nova, que assim como eu, estava de camisola e com uma expressão assustada.

Abraço minha mãe com força assim que ela se aproxima mais, enterrando meu rosto em seu ombro, sentindo que ali estava segura e que poderia desabar.  Ela puxa minha irmão para perto, abraçando-a com o outro braço, enquanto seu peito  tremia por causa dos soluços.

- Mãe, o Omar disse que o pai... - digo ao erguer a cabeça e olhar para ela, dentro de seus olhos, em busca de algo que confirmasse que ele havia se enganado, que nada daquilo era verdade. Olho para trás, em busca de algum sinal dele, mas só havia Omar e a movimentação dos guardas - Onde ele está? - finalmente pergunto, quando não o encontro ali.

- Morto, Amira - diz Amina da forma mais rude e direta que ela poderia usar. Se ela fosse gentil, não seria a Amina.

Franzo o cenho, sentindo meus lábios tremerem e meus olhos lacrimejarem.

- Amina - Minha mãe repreende, me abraçando, me trazendo para o calor de seu abraço - Vai ficar tudo bem, Amira - sussurra, afagando meu cabelo que estava bagunçado.

Só me perguntava como isso havia acontecido ali dentro, com tantos  guardas.

- Como isso aconteceu?! - Elevo a voz, me afastando dela, olhando para Omar - Como deixaram o meu pai morrer?! - Ele mais do que ninguém, era para estar mais protegido ali dentro.

- Fomos atacados se não percebeu, Amira - diz Amina com a expressão fechada, os olhos negros afiados - Aconteceu de repente, todo mundo foi pego de surpresa - Ela cruza os braços sob o peito - Ninguém estava esperando.

Balanço a cabeça de um lado para o outro, ainda sem acreditar. Não conseguia acreditar que ele havia ido, que não o veria mais.

- Vou cuidar que os preparativos do funeral aconteça - diz Omar da forma mais gentil - E que o novo Emir seja nomeado.

- Não - digo abruptamente, atraindo a atenção de todos - O meu pai... ele que...

- Amira - diz minha mãe, elevando um pouco a voz, segurando meu braço. Sua voz é firme, assim como seu olhar - É as regras - Regras estas, que eu conhecia muito bem e que achava que nunca iria ver sendo colocadas em prática.

Diferente de mim, meu pai sempre teve receio com este momento, em quem ficaria no seu lugar, já que nenhuma de suas filhas iriam poder governar, por serem mulheres, precisariam de um homem, um marido, ao seu lado e que levaria o título.

Engolindo em seco, me afasto do aperto em meu braço, ainda o sentindo em minhas costas. Aquele seria um bom momento para descontar parte da raiva que sentia dele, nele, mas eu não via como apropriado. Meu pai havia morrido, um novo Emir seria nomeado e uma de nós teria que casar.

Tudo isto estava acontecendo antes do amanhecer e eu ainda acreditava que estava dormindo, que não demoraria para o homem dos meus sonhos aparecesse e me fizesse esquecer de toda aquela loucura.

Mas tudo só indicava que eu estava muito bem acordada e que ele não iria vir ao meu encontro.

II

Me sentia em volta de uma densa névoa, aonde tudo ao meu redor estava desfocado e as vozes distantes. Só pude desfrutar do silêncio enquanto estive no meu quarto, ainda tentando  entender tudo que estava acontecendo.

Tudo parecia como antes dentro do palácio, os funcionários estavam em suas rotinas, tanto dentro daquelas paredes, como do lado de fora. Mesmo que quisessem manter a rotina, estava estampado no rosto de cada um, que nada estava bem e que poderia demorar um bom tempo para as coisas ficarem novamente bem.

Vi assim como eu, minha irmã e a minha mãe vestidas em abayas pretas, assim como outras mulheres. Palavras de conforto eram ditas ao fundo, enquanto o choro era segurados por fungadas discretas. Não conseguia fazer outra coisa, além de manter a minha cabeça baixa a todo instante, lembrando da última vez em que meu pai cercado de guardas e com seu conselheiro Omar ao lado, um aceno de cabeça foi tudo que ele fez, antes de passar por mim.

Não lembrava dele sendo carinhoso conosco, comigo. Muito menos com a minha mãe ou sua segunda esposa, mãe de Amina. Estava sempre ocupado com alguma coisa e cumprindo suas responsabilidades de Emir, mas mesmo em meio a tudo isso, ele sempre deixava um balão vermelho em meu quarto, talvez para dizer que havia passado por ali enquanto eu dormia.  E no meu aniversário, sempre havia vários, deixando o teto branco completamente vermelho.

- O morto sofre quando alguém se lamenta em voz alta - A voz do homem a nossa frente ecoa em minha cabeça, rígida, lembrando que não era momento de tristeza, apesar da nossa perda.

A cerimônia continuou e no final do sepultamento, me dei  conta de que não estava dormindo, mesmo eu acreditando que estava. Tudo aquilo era real. O palácio havia sido atacado e meu pai havia sido morto, e até agora ninguém havia mencionado o nome do culpado. Todos pareciam ocupados demais em enterrá-lo, em tirá-lo de uma vez daquele palácio.

— Amira, você não vai comer novamente? — pergunta minha mãe com uma expressão preocupada, me trazendo para a realidade.

Inspirando profundamente, ergo a cabeça, lembrando que estávamos na sala de jantar. A mãe de Amina, assim como a minha, tinha os olhos em mim, enquanto Amina tinha os olhos fixos no prato. Pela primeira vez, noto que a maquiagem da minha mãe está perfeita como sempre, seus cabelos baixos e

Grisalhos estão belamente ondulados, e seus brincos combinam com o colar de ouro.

Apesar de tudo, estava bonita, enquanto vivia seu  último dia de luto.

— Você está emagrecendo muito nestes últimos três dias.

— A maioria das pessoas considera isso como uma coisa boa — diz Amina em tom seco, atraindo a atenção delas, mas para satisfazê-la,  acabo pegando outro pedaço de torta de maçã caseira.

— Não quando parece como se um chihuahua pudesse arrastá-la — diz minha mãe e empurra mais torta para mim. — Você tem que se cuidar, não pode ser tão...displicente com a própria saúde. Não quando... - Ela se detém, inspirando profundamente.

— Eu sei disso, Mãe — digo entre mordidas na torta. — Não se

preocupe, está bem? Eu só ainda não consigo acreditar que ele se foi.

— Amira, querida... — As linhas de preocupação se aprofundam nas suas feições. —Já se passaram três dias desde que Said... — Ela para e respira de novo — Olha, o que estou dizendo é que você não pode continuar sofrendo dessa forma, não é permitido. E não quero que você sofra mais - Seu olhar se torna ainda mais preocupado - Você está conseguindo dormir?

— Claro, mãe. Durmo como uma pedra. — Não é mentira, desmaio na hora que minha cabeça bate no travesseiro e não acordo até que o alarme soe. Ou pelo menos é o que acontece se eu estiver completamente esgotada.

Nas noites anteriores tenho algo que se assemelha a uma rotina normal, acordo tremendo e suando com os pesadelos daquele dia, então, faço o melhor para ficar exausta todos os dias.

- Odeio ter que interromper a refeição - diz Omar, ao entrar silenciosamente na sala de jantar e encerrar a conversa que já queria terminar com a minha mãe - Mas há um assunto importante no qual devem ficar informadas.

- Já sabemos do que se trata, Omar - diz Layla, a mãe de Amina - É sobre o novo Emir, não é?

- Exatamente isso, senhor.

Ela continua olhando para ele, esperando que ele continuasse.

- E então, quem será o novo Emir?

- Temos mesmo que falar sobre isso? - digo atraindo o olhar de todos - Meu pai morreu faz três dias.

- O luto termina hoje, Amira, se você não lembra - Layla faz questão de lembrar.

- Tudo que está acontecendo, é muito para Amira, Layla. Nem todo mundo sabe lidar com situações como essa - diz minha mãe, olhando diretamente para Amira, que parecia ter tudo sob controle tanto em sua cabeça, quanto fora dela.

- Então é melhor ela começar a lidar com a situação, como se deve ser lidada - diz ela com a voz firme, ríspida - De acordo com quem ela é.

Ambas sustentam o olhar uma da outra pelo o que pareceu ser longos minutos, mas com certeza só foi alguns segundos. Segundos suficientes para Omar pigarrear e atrair a atenção de todos.

- Ele quer falar sobre o Emir - diz Amira de forma tranquila - Não é, Omar?

- Isso, princesa - diz ele com um breve sorriso - E infelismente pelo antigo Emir não ter tido filhos homens, o trono será passado para alguém fora da família real.

- Já esperávamos por isso - diz minha mãe com um sorriso rápido, mas tenso.

- Quem será coroado então? - Layla insiste.

Omar dá um sorriso contido.

- Zayn.

Olho para Omar incrédula, jurando que não havia escutado certo. Meu olhar vai para minha mãe e Layla, nenhuma das duas pareciam surpresas, assim como eu.  Era óbvio que Zayn seria o próximo da linha de sucessão.

- Como assim? - Quebro o silêncio que havia se instalado. - Por que ele?!

- Alguém parece que não está entendendo o que está acontecendo aqui - diz Amira.

- Sei muito bem o que está acontecendo aqui, Amina.

- Não parece - diz erguendo as sobrancelhas - Não podemos nos tornar Emir sozinhas, precisamos de um marido.

- No caso, apenas uma de vocês - Layla ressalta, fazendo com que a olhássemos ao mesmo tempo - Apenas uma de vocês irá se tornar a esposa do Emir.

Olhando para a minha mãe, me dou conta de que deveria estar preocupada, assim como Layla e Amina com o que estava acontecendo ali, mas não conseguia, não quando tanta coisa havia acontecido em tão pouco tempo. E agora a notícia de que o único filho homem do meu pai, seria coroado como Emir.

E falando no diabo, ele surge como todas as vezes, de repente, sorrateiramente, para a alegria de Layla e Amira, pois se levantaram no mesmo instante e se colocaram a se curvar. Minha mãe foi a última, com um olhar direcionado à mim, que dizia claramente para fazer o mesmo.

- Tenha respeito, Amira - diz Amina, ao notar que não havia me levantando.

O olhar negro dele se fixa em mim, pairando como um eclipse, deixando tudo negro. Esta era a sensação que eu tinha toda vez que estava no mesmo lugar que ele, mas nem sempre foi assim, nem sempre o odiei com todas minhas forças como naquele momento. Um dia eu amei.

Mas isso havia ficado no passado, no agora, eu o odiava e sabia que era mútuo.

- Não  vou me curvar para ele - digo o mais claro possível, conseguindo que um silêncio profundo se instalasse no cômodo, enquanto com certeza todos se questionavam se havia perdido o juízo de vez ou algo do tipo. Já que não era o esperado naquele momento.

- Amira  - diz minha mãe num tom baixo reprovador. Já sabia que se ela pudesse dizer, diria que aquele era o momento para deixar as diferenças de lado.

Mas o problema, era que não iria deixar as diferenças de lado, principalmente ao ser informada do que Zayn pretendia fazer.

- Por hoje não vou colocar nenhuma espada no pescoço de ninguém, Samira - diz Zayn sem me olhar - Pode ficar despreocupada.

Estreito os olhos, o olhando pasma e ao mesmo tempo incrédula. Ele mal havia assumido o trono, que pertencia ao meu pai, e já estava se achando o Emir.

- Você nunca vai ser como meu pai - digo alto o suficiente para atrair atenção dele.

- Não pretendo ser como ele - Ele não me olha, fixa o olhar no vazio, num ponto invisível - Pretendo ser melhor.

- Nunca vai ser melhor do que ele - Forço um sorriso amargo, sentindo uma certa dificuldade em conseguir respirar com normalidade.

Neste momento, ele me olha, os olhos frios e sem brilho algum. Mesmo daquele jeito, não me assustava, nem um pouco. Ele ainda continuava sendo o menino medroso que conheci, que tinha medo de desobedecer o pai e ser castigado por isso. Não que eu ficasse atrás, mas as vezes decidia me aventurar, algo que ele nunca fez por conta própria.

- Com a esposa certa, irei prosperar - diz com a voz firme e com toda a convicção do mundo.

Quem por livre e espontânea vontade iria se casar com ele? Claro que ninguém, além de Amina que parecia bem animada para isso acontecer, percebia isso pelo jeito que ela sorria para ele, um sorriso sem dúvida ensaiado diversas vezes em frente ao espelho. E pela primeira vez na minha vida, nunca achei que ficaria feliz em saber que não seria escolhida para algo, que meu nome nem seria nomeado. Tínhamos motivos o suficiente para nos manter bem longe um do outro, mesmo que eu corresse o risco de ser conhecida como a cunhada do Emir Zayn.

Já estou cogitando a ideia de ir para meu quarto, quando acontece novamente. Começa como pontadas pela minha pele... um repicar quieto nos meus nervos. A explosão de adrenalina se segue, acompanhada por um terror debilitante. O ritmo do meu coração dispara e meu corpo se prepara para um ataque.     Ofegando, me viro, fechando meus punhos sob a mesa com força, olhando fixamente para os talheres sobre a mesa, mas não tem ninguém ali de quem eu precise me defender.

Existe apenas o sentimento de perigo, um sentimento de estar sendo observada. Ofegando, seguro com força a faca de prata, fazendo um grande esforço dentro de mim, contra o que estava tentando vir â tona.

Nunca vejo ninguém quando meu cérebro me engana desse modo. Muito menos os responsáveis pela morte do meu pai. Mas a sensação que estavam por perto, continuava ali, me perseguindo, me deixando com aquela paranóia estranha de que  a qualquer momento, poderia passar por tudo novamente e dessa vez poderia perder mais alguém.

Tremendo, vou levanto bruscamente, sentindo os braços magros em seguida da minha mãe ao meu redor, murmurando algo enquanto andava comigo para fora do cômodo.

Leva vários minutos de exercício de respiração antes de me acalmar, com a ajuda da minha mãe e sei que apesar do cansaço, não conseguirei dormir hoje.

Claro que minha mãe só sossegaria, quando tivesse certeza que estava bem, por isso não me surpreendi quando o Dr. Hussain apareceu no meu quarto, acompanhado pela minha aia.

— Me fale desse seu último episódio, Amira - diz o Dr. Hussain, cruzando suas longas pernas na poltrona na  frente  da minha cama — O que te fez pensar que alguém estava te olhando?

— Eu não sei. Era só... — Eu inspiro, tentando achar as palavras certas, então, balanço a cabeça. — Não era nada de concreto. Honestamente não sei.

— Ok, vamos retomar por um segundo. — Seu tom é tanto caloroso quanto profissional. É essa parte que o faz um bom terapeuta, claro, se ele fosse um,  a habilidade de mostrar que se importa enquanto se mantém separado ao mesmo tempo. —

Você disse que surgiu do nada, enquanto tinham uma conversa durante o jantar, não é? E quando se deu conta, estava sentindo estes sintomas. Mas não é a primeira vez. Certo?

— Certo.

— Você ouviu alguma coisa? Ou viu alguma coisa? Qualquer coisa que possa ter desencadeado o surto em você? Uma batida de porta, folhas voando... um pássaro, talvez?

— Não, nada específico que possa me lembrar. Eu estava apenas conversando, sobre o novo Emir, foi quando senti aquilo. Não sei como explicar. Era como... — Eu engulo, o ritmo do meu coração aumentando por causa d memórias. — Era como aquela noite, quando o palácio foi atacado e todos aqueles guardas feridos, mortos e eu só sabia pensar que tinha que fugir para bem longe.

As feições finas e inteligentes do médico tomam uma expressão de preocupação.

— Com que frequência isso está acontecendo?

— Foi a terceira vez esta semana — Admito, minhas bochechas transparecendo o embaraço quando ele anota algo no seu bloco de notas. Odeio esse sentimento de não estar no controle, saber que meu cérebro está me pregando

peças. — A primeira vez foi depois do sepultamento, quando estava voltando para o meu quarto, e agora, no durante o jantar. Eu não sei por que isso está acontecendo. Achei que era normal se sentir assim, realmente achei. Me senti genuinamente esperançosa após o café da manhã ontem. Isso simplesmente não faz sentido.

— Nossas mentes demoram a se curar, Amira, igual nossos corpos. Às vezes você tem uma recaída, e às vezes a doença toma um rumo diferente. Você precisa entender isso, para começar a se entender — Ele faz outra anotação no seu bloco de notas, então, olha para mim - Tudo isso pode ser por causa de tudo que está acontecendo, para mim não há nada de errado com você mas, se continuar, irei precisar intervir com medicamentos.

Inclino a cabeça para o lado, erguendo as sobrancelhas, levantando no mesmo instante, passando minhas mãos suadas no abaya preto.

- Acho que não vai ser necessário - digo com um sorriso tenso no rosto.

- Mas se persistir... - diz ele se levantando.

- Estou esperançosa de que não irá - A última coisa que eu queria, era ficar dependentes de medicamentos, assim como a tia Nádia, que ficou dependente de um medicamento especifico após um aborto e ter que ver o marido casar novamente.

- Qualquer coisa, só é me chamar, princesa - diz ele gentilmente se curvando levemente na minha  direção e se despedindo com um aceno de cabeça à aia.

Observo ele sair estática no lugar, soltando o ar  dos pulmões  bruscamente quando aporta se fecha. É então que começo a andar de um lado para o outro no quarto, sob o olhar da minha dama de companhia. Enquanto andava de um lado para o outro, olhava diretamente para o meu notebook aberto sobre a escrivaninha, até aquele dia, estava evitando ler as notícias, não queria ouvir diversas especulações do que iria acontecer ao nosso governo, a família real.

As apostas deveriam estar altas do lado de fora dos muros do palácio. Os súditos deveriam querer saber qual das duas princesas, assumiria o trono ao lado do novo Emir e queria poder ver o rosto deles, ao descobrir que Zayn não pensaria muito  a respeito e que seria Amira a escolhida para ser sua esposa.

III

Durmo bem naquela noite, o que me surpreende. Só não esperava que seria levada ao meu sonho frequente.  Como sempre, seu rosto é vago na minha mente, só consigo distinguir seus olhos escuros e suas sobrancelhas grossas. Aqueles

olhos que me prendiam no lugar, enquanto suas mãos passeavam pelo meu corpo, como se já conhecesse o caminho. E não me surpreenderia, se de alguma forma, já conhecesse.     O sonho toma a direção que mais esperava. Em vez de me segurar em pé, como várias vezes fazia, com minhas pernas em volta de sua cintura, ele me tem segura sob ele na cama, seus dedos fortes prendendo meus pulsos.

Eu o sinto se movendo dentro de mim, seu pau longo e grosso, enquanto invade meu corpo, e o calor aumenta sob minha pele, meus mamilos duros e pulsando quando esfregam nos músculos do seu peito.

— Por favor — Imploro, enrolando minhas pernas em volta do seu quadril quando seus olhos intensos olham dentro dos meus. —, mais forte, por favor. Eu preciso de você.

Estou cheia daquela necessidade, ela explode dentro de mim, quente e sombria, e ele sabe disso. Ele sente isso. Posso ver na frieza do seu olhar de prata, na forma cruel da sua boca sensual. Seus dedos apertados nos meus pulsos, cortando minha pele como um lacre, e seu pau se transforma numa lâmina, me abrindo, fazendo-me sangrar.

— Mais forte — Imploro, meu quadril se levantando para encontrar suas estocadas. — Não me deixe. Me possui mais forte.

Ele faz exatamente isso, cada estocada me abrindo, e eu grito de dor e me viro de prazer, com alívio e doce agonia.Eu grito ao morrer nos seus braços, e essa é a melhor morte que posso imaginar.

Acordo com o meio das minhas pernas pegajoso e latejando e meu estômago doendo com náuseas. De todas as peças que meu cérebro tem me pregado, esses sonhos pervertidos são as piores. Posso entender os ataques de pânico e a paranoia, eles são o resultado natural do que passei e estava passando, mas não tem nada de natural nesses pesadelos com inclinação sexual. Apenas pensar neles me faz ficar envergonhada, como se fosse um pecado grave, diante do cenário em que me encontrava.

Meu coração dá um salto dentro do meu peito, quando vejo perto da cama, em pé, minha aia, Raya. Ela percebe que me assustei, pois arregala um pouco os olhos.

- Me desculpa, Amira - diz num tom baixo - Mas recebi ordens para acordá-la.

- O que a minha mãe encontrou de tão importante, para eu fazer essa manhã? - digo sentando na cama, percebendo que em poucos instantes acordada, que meu humor não estava diferente dos últimos três dias e tinha a certeza que estava num declínio para uma possível depressão.

- Não foi sua mãe, princesa.

Ergo o olhar de imediato do colchão, fixando-os em Raya.

- Não?

Ela balança a cabeça de um lado para o outro.

- Foi Omar - murmura - Ele não quer que ocorra atrasos para a cerimônia.

Solto o ar que estava prendendo, lembrando daquele pequeno trágico detalhe. A coroação de Zayn como Emir. Se me dissessem isso anos atrás, eu riria da pessoa até perder o fôlego, pois nunca o conseguiria imaginá-lo como alguém importante, principalmente um Emir.

Afasto as cobertas de cima do meu corpo, levantando, tendo Raya ao meu lado como num piscar de olhos, me ajudando. Mesmo eu podendo muito bem pentear meu próprio cabelo e me vestir, ela fazia questão disso, já que segundo ela, era a obrigação dela me ajudar.

Quando Raya pega uma abaya lilás, por um instante esqueço que o período de luto permitido, já havia terminado e que poderia voltar a me vestir normalmente, mesmo meu desejo não sendo este. E apesar de ser eu no reflexo do espelho, não me sinto eu mesma dentro daquele abaya, era como se outra pessoa tivesse ocupado meu lugar ou só fosse apenas o luto ainda recaindo sobre mim.

Acompanhada por Raya, dispenso o dejejum e vou para o salão principal, aonde segundo ela, todos estavam se reunindo para a cerimônia.

O salão amplo, com quatro pilastras grossas em cada canto, cujo piso estava sempre brilhando, estava repleto de pessoas. Pessoas essas que tinham cargos importantes e eram apoiadores do antigo reinado. Logo a frente, podia ver com clareza Amina e Layla, ansiosas para a coroação, conversando com algumas pessoas que estavam por perto, até aquele momento não havia visto minha mãe entre as pessoas mas, logo deduzi que deveria estar se arrumando, já que temia passar a imagem de estar descuidada.

Os minutos começam a se arrastar e até cogito a ideia de terem visto que era um verdadeiro erro coroar alguém como Emir, como Zayn. E que iriam suspender a cerimônia. Mas é claro, que a decepção ficou estampada em meu rosto, quando vi Zayn aparecer diante do público vestido numa túnica dourada e branca que, por sinal havia ficado muito bem nele.

Balanço a cabeça bruscamente, pressionando meus lábios com força, me repreendendo. Nem roupas feitas de ouro, iriam esconder toda a prepotência que existia em alguém como ele.

Omar se encarregou em fazer um breve discurso, que de breve não teve nada, lembrando toda a trajetória do reinado do meu pai e como ele foi benéfico, trazendo muitas abundâncias. Na vez de Zayn, ele fez questão de ressaltar que não iria desapontar seus súditos e que seu reinado seria lembrado para sempre.

Estreito os olhos, sentindo meu maxilar doer por tamanha pressão que estava colocando.

- E para isso acontecer, todos sabem que terei que me casar, para garantir que aja herdeiros no futuro - diz com a voz firme, no silêncio que estava o salão. Parecia que todos estavam segurando a respiração, ansiosos para saber qual das filhas se casaria com ele - Minha primeira esposa, será Amira.

O silêncio continuou por mais uma fração de segundo, enquanto os presentes ali se olhavam e sussurros quase que auditíveis surgiam. Olho para Raya, pasma, olhando em seguida para Zayn, sem conseguir entender o plano maléfico dele e também não importava, eu não iria me casar com ele.

Ainda em pé no final do salão ao lado das grandes portas de madeira, dou alguns passos para trás, antes de girar meu tronco e sair as pressas do salão, correndo, ao sentir que Raya me seguia como uma sombra. Eu queria gritar só de raiva, pela raiva que estava sentindo naquele momento do idiota que havia sido coroado como emir.

O quê ele achava que estava fazendo? Não era possível, que estava mesmo convicto de que iria me casar com ele. Não quando havia deixado claro o ódio que sentia por ele e que sabia que ele sentia por mim. Era mútuo! Ele não podia ignorar este sentimento, assim como eu.

Passo por alguns guardas rapidamente, após sair do palácio e como imaginei poucos passos depois, ambos me seguem, como o protocolo, que agora deveria estar mais rígido.

- Não preciso da companhia de vocês - digo virando andando de costas, olhando para ambos separadamente, antes de voltar a andar.

Por um momento achei que iriam me obedecer, já que eu era a filha do emir, mas estava completamente errada, já que ouvi o rádio com eles chiar e ambos trocarem rápidas palavras, antes de voltar a me seguir.  E naquele momento, por alguma razão, senti que as coisas não eram mais como antes, que não só eu, mas o palácio num todo, iria passar por mudanças. E não conseguia ver essas mudanças como algo bom.

- Princesa - Um dos guardas chama, mas continuo andando, o ignorando, fingindo que por algum motivo minha burca estava impedindo de ouvir direito - Princesa Amira - Ele eleva a voz firme e máscula, tentando chamar minha atenção.

Aumento meus passos, sabendo que não havia para onde ir dentro dos muros do palácio, muito menos onde se esconder.

E antes mesmo que mais um pensamento surgisse em minha mente, um dos guardas passa na minha frente, impedindo que eu continuasse andando.

- Princesa Amina - diz este com a voz suave - Sua presença está sendo solicitada no interior do palácio.

Encaro ele sentindo lágrimas embaçarem minha visão, me sentindo idiota por isso, por estar demonstrando fraqueza, quando era para me manter firme. Eu queria fazer isso, mas não era tão fácil quanto imaginava e naquele momento, só queria o colo da minha mãe e ouvir alguma palavra sensata do meu pai.

O guarda não esperava ouvir alguma contestação da minha parte, simplesmente indica de uma forma gentil e educada, o caminho de volta para o palácio que, ocorre com um silêncio esmagador.

Faltando poucos passos para entrar no palácio, noto a presença de Omar diante das grandes portas. Seu olhar era ameaçador, além da expressão de seu rosto não sendo nem um pouco convidativa.

Erguendo uma das mãos, faz com que os guardas se afastem, me deixando sozinha com ele.

- Princesa Amira - diz forçando gentileza - Não deveria estar aqui fora num momento tão importante.

- Não vejo essa coroação como importante.

- Deveria ver como importante - diz mantendo a gentileza forçada - Já que se casará com o novo emir.

Engulo em seco, precisando fazer um grande esforço para não gritar tudo que estava achando sobre aquela ideia.

- Não quero me casar com Zayn - Me negava a chamá-lo de emir.

- A princesa não tem escolha.

- Se eu não estiver aqui, ele terá que se casar com outra - No momento, não soube bem o que quis dizer com isto, se iria apelar para um suícidio ou simplesmente tentaria fugir do palácio, claro que a segunda opção era mais viável e menos dolorosa.

Com um sorriso leve no rosto, sem mostrar os dentes, Omar encurta o espaço entre nós, fazendo com que o sorriso sumisse, ao estar a poucos centímetros de distância de mim, sustentando meu olhar.

- É melhor não tentar prejudicar o emir, pode não gostar das consequências, Amira.

Inclino a cabeça para o lado, entre abrindo os lábios.

- Isto é uma ameaça, Omar? Esqueceu com quem...?

- Said não está mais entre nós - diz ele sério, elevando a voz - Por agora, só tem o título de princesa, assim como sua irmã - Ele me olha de cima a baixo - Deveria estar contente, por ser a primeira esposa.

Não sabia o que me surpreendia mais, as palavras nunca ditas por Omar ou a agressividade em sua voz. Sem dúvida era a agressividade, já que ninguém, até aquele momento, ousava falar de tal forma comigo.

A tensão diminui rapidamente, quando ouvimos os passos rápidos da minha mãe vindo na nossa direção e pelo seu andar, já deduzi que estivesse com pressa ou preocupada.

- Amira - diz pouco passos de nós.

Omar se adianta em por um sorriso no rosto, se virando para ela.

- Samira, está tudo bem. Amira estava no jardim.

Minha mãe me olha desapontada.

- Amira - diz me repreendendo - Isto é hora de estar no jardim? - Ela passa as mãos pelas mangas do abaya, tentando desamassar alguma coisa.

- Se me derem licença, tenho que voltar para o salão - diz Omar, olhando fixamente para mim, antes de se afastar.

Espero ele se afastar o suficiente, para me virar para a minha mãe, tirando a burca de parte do meu rosto.

- Mãe, por favor - digo rapidamente, com a voz num suplício - Não quero me casar com Zayn. Eu não quero - As lágrimas voltam para meus olhos, embaçando a imagem da minha mãe em minha frente - E o Omar ele praticamente me ameaçou. Eu... eu...

- Amira - diz ela séria, segurando os meus braços.

- Me escuta, mãe.

Ela me sacode.

- Me escuta você - diz ainda mais séria, a voz séria, assim como seus olhos. Apesar da burca estar cobrindo parte de seu rosto, sabia que estava séria por de trás daquele pano - Você foi escolhida como primeira esposa e vai fazer jus a este título.

- O quê? Não, mãe. Não posso. O Omar...

- Está fazendo de tudo para nos manter bem e deveria ser grata á ele por isto - Não consigo ter uma reação adequada diante do comportamento da minha mãe. Ela estava agindo como Omar ou se não pior, pelo menos esperava que ela me apoiasse ou que fingisse, não que me obrigasse a me casar com uma pessoa que eu não queria, que vi se infiltrar na nossa família e que agora estava tomando o lugar que pertencia ao meu pai! - Agora se recomponha - Ela arruma a burca em meu rosto - E vá cumprimentar as pessoas que estão no salão - Sua voz soa entre dentes e ainda mais ameaçadora do que a voz de Omar - Estão todos querendo saber aonde você está e precisei mentir que estava terminando de se arrumar.

Ela se coloca ao meu lado, segurando meu braço, enquanto andávamos em direção do salão. No caminho, cumprimentamos algumas pessoas, diferente de mim, minha mãe conversa com todos com uma naturalidade impressionante, enquanto eu só conseguia dizer breves palavras, já que sentia como se tivesse um nó na minha garganta.

O salão estava cheio e não demorou para que uma pequena multidão se colocasse ao meu redor, me parabenizando pelo noivado e futuramente o casamento. Eu só conseguia agradecer, mesmo sabendo que não estava nem um pouco satisfeita com aquela decisão, assim como Amina, que me encara do outro lado do salão ao lado de Layla. Com o olhar, tentava lhe dizer que se pudesse mudar de lugar com ela, mudaria sem pensar duas vezes, já que ela ficaria mais contente do que eu.

O clima ao meu redor não demorou para mudar bruscamente, em se tornar pesado, quando os olhares mudaram de mim para a figura que se colocava em minhas costas. Não ousei me virar, pois já sabia muito bem quem estava ali. Conhecia aquela energia e a reconhecia até em baixo de água.

Zayn se coloca ao meu lado, conversando com as pessoas em nossa frente, mostrando uma leve animação com tudo que estava acontecendo. No momento, em que ele coloca gentilmente a mão em minha cintura, me afasto gentilmente, olhando para ele em seguida, esperando que ele entendesse que o que fosse que estivesse planejando, não teria êxito algum comigo.

Ele sustenta meu olhar por poucos segundos, antes de voltar para a conversa que prosseguia.

Me mantenho ao seu lado, desejando com todas as minhas forças que o chão se abrisse em baixo dos meus pés e me engolisse ou que o palácio fosse atacado mais uma vez, não me importaria se uma das duas coisas acontecessem, só queria que Zayn se afastasse de mim, que voltasse a não existir para mim e que tirasse da cabeça dele, aquela ideia insana de casamento, aonde nem nos meus piores sonhos, conseguia imaginar se realizando.

Quando o ar já estava ficando difícil de respirar, tento sair do salão disfarçadamente, mas como de imediato, sinto uma mão grande cobrir meu pulso, por um instante achei que fosse Omar, me lembrando da nossa breve conversa, mas só bastou olhar para trás, para perceber de que se tratava de Zayn.

Eu poderia xingá-lo naquele momento. Poderia. Mas acontece que fui muito bem educada e não permitia malcriações na frente de convidados, principalmente de tamanha importância. - Se me dão licença, preciso ir até o toilet - digo olhando para os nossos convidados, que assentem em concordância. Olhando para Zayn, puxo meu pulso disfarçando a agressividade naquele gesto, andando em passos largos para fora do salão, seguida por Raya.

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