Sabia que apenas horas haviam se passado naquele lugar, mas a impressão que tinha, era que dias haviam transcorrido. A luz mal entrava pela pequena janela com grossas barras e a cada minuto, aquele lugar estava ainda mais escuro, mesmo com o sol ainda brilhando lá fora.
Omar havia deixado subentendido o único jeito que eu tinha para sair dali e seria aceitando aquele casamento. Até pensar na ideia já me deixava enjoada novamente e mesmo não tido comido nada desde a última vez que vomitei, estava cogitando a ideia de vomitar o que estivesse no meu estômago.
O pânico dentro de mim, meio que já tinha adormecido, mas enquanto o tempo ainda continuava passando, só conseguia chegar a conclusão de que se não fizesse nada, acabaria passando a noite ali e eu não queria que isso acontecesse, não queria ter os ratos como companhia e nem dormir no que deveria ser uma cama e, não um colchão fino, puído e imundo.
Quando portas se abrem não muito longe dali, minha atenção é atraída de imediata e não demora para que Omar apareça, seguido por dois guardas e uma empregada, segurando o que parecia ser roupas.
- Como está, princesa? - pergunta com certo divertimento na voz, sem dúvida se divertindo com meu estado físico naquele lugar. Tinha noção que não deveria estar muito aprensentavél, pois minha pele estava grudenta, minhas roupas amassadas e sujas em algumas partes, por eu preferir ficar sentada no chão invés da “cama” e meu cabelo, bem, por estar com a burca o protegendo, deveria estar um verdadeiro ninho em baixo do tecido, o que daria trabalho quando o tirasse.
- Como se você se importasse, não é, Omar?
Ele dá um breve sorriso.
- Apesar de não ser minha função, me preocupo com o bem estar da família real - Sustento o olhar dele, me sentindo incapaz de reagir - E é por isso, que Zahra está aqui - Olho novamente para a mulher ao seu lado, com aproximadamente 30 anos com expressões sérias, vestido uma abaya marrom - Ela vai ajudar você a se recompor e voltar para o palácio, mas você já sabe a condição para isso, não é?
Respiro pelo meus lábios entre abertos.
- Onde está Raya?
- Não é com ela que deve estar preocupada, princesa. Mas com você - Ele dá mais um passo para perto da cela - Não acho que irá aguentar mais algumas horas nestes lugar, muito menos uma noite. É acostumada com o conforto do palácio, não com... - Ele olha ao redor - tanta miséria - As horas que passei naquele lugar, serviram para me fazer pensar sobre a situação atual e sobre minha posição. Eu não tinha nada além de um título, não iria conseguir ir contra tudo que estavam ditando, a não ser que eu fizesse Zayn desistir daquele casamento de outra forma, quase sem nenhuma pressão; Omar havia mostrado que estava disposto a punir aqueles que fossem contra aquele casamento e a pessoa em questão ali era eu sem pensar duas vezes e se eu quisesse sair daquele casamento, precisava ser tão inteligente quanto ele e Zayn - O quê me diz, princesa? - Assinto, me sentindo engasgada com as palavras - Preciso ouvir de sua boca.
Engulo em seco, prendendo a respiração, planejando dizer de uma só vez, sem ao menos pensar nas palavras.
- Eu me casarei com Zayn.
Omar sorri lentamente, se sentindo vitorioso por ganhar aquela batalha. Mal sabendo que não havia ganhado a guerra.
- Perfeito - diz devagar, gesticulando para o guarda abrir a cela. Sentindo meu corpo rígido, me levanto, andando para fora da cela, ainda sem acreditar que iria sair daquele lugar e principalmente tirar aquele cheiro do meu corpo - Zahra ajudará você a se... - Ele me olha de cima a baixo - arrumar.
Passo por ele acreditando que já conhecia o lugar para fora dali, querendo sair o mais rápido possível.
- Princesa - diz Zahra poucos passos atrás de mim - Acredito que não seja possível, que faça isso em seu quarto.
Paro, me virando para ela.
- Do que está falando?
Omar surge atrás dela.
- Não queremos que perguntas sejam feitas - diz ele calmamente - Não é? - Estreitando o olhar, imaginando que a última coisa que Zayn deveria querer naquele momento, era um vexame.
- Por aqui, princesa - diz Zahra, virando à direita, me vejo obrigada a segui-la sob o olhar atento de Omar, indo para uma parte ainda mais escura e úmida daquele lugar, encontrando Zahra me esperando num cômodo estreito, sem qualquer luz, apenas com um chuveiro.
Nos olhamos por algum tempo, até que ela ergue as sobrancelhas, indicando que eu começasse a tirar as roupas e sem outra alternativa viável, começo tirá-las, me sentindo mais do que exposta quando termino e humilhada, quando sinto o jato frio da água em meu corpo. Não havia nada além de água para me limpar, não havia meus sabonetes ou meu creme, nada, só a água que não ajudaria muito.
Quando termino, estou tremendo de frio e a toalha que uso para me secar, não ajuda muito. Apenas quando visto as roupas limpas, o abaya roxo escuro, que sinto que meu corpo estava começando a se aquecer. Agora devidamente “limpa”, não havia outro obstáculo que me segurasse ali, por fim saio do calabouço acompanhada por Zahra, sem ver qualquer sinal de Omar ao fazer isso.
Respiro aliviada a medida que ando, sentindo como se tivesse saído de uma dimensão e entrado em outra. Deixado a pobreza e retornado para a riqueza. Mesmo estando livre de lá, meu coração ainda continuava pesado por Raya, era ela que deveria estar ao meu lado e não aquela mulher que até então nunca tinha visto, nem pelos corredores do palácio.
Mas ninguém além de mim, parecia estar se importando com a ausência de Raya, isto só fez com que o pesar dentro de mim duplicasse.
Nada havia mudado no interior do palácio na minha ausência, apenas o ar que continuava diferente por causa do novo tirano.
Subindo os degraus da extensa e larga escada, vou direto para meu quarto, ignorando a presença de Zahra enquanto fazia isso, me deparando com a minha mãe assim que entro no corredor.
- Amira - diz ela de forma suave e surpresa ao me ver, andando de imediato até mim - Omar disse que não estava se sentindo bem - Ela para na minha frente, me olhando de cima a baixo, enquanto me avaliava - Já está se sentindo melhor? - Então havia sido esta desculpa que ele e o emir, haviam dito. Não estava me sentindo bem, repito pasma com a falta de criatividade de ambos.
- Foi um mal estar rápido - Preciso forçar as palavras para fora da minha boca, tendo que reforçar a história.
O olhar de minha mãe vai para Zahra ao meu lado, mantendo o cenho franzido.
- Quem é esta? E onde está Raya?
Engulo em seco, tentando não transparecer nada.
- Não sei da Raya - E por parte, era verdade, já que tudo ainda continuava a indicar que ela estava morta - E essa é a Zahra.
Zahra se curva e a minha mãe apenas observa o gesto, antes de voltar a atenção para mim, afagando meu rosto com a mão suave.
- Temos muita coisa para decidir sobre o casamento - Apenas assinto, conseguindo com que um leve sorriso surgisse no rosto dela - Pedi que deixassem algumas revistas em seu quarto, para você... se inspirar em alguma coisa - Assinto novamente, meus olhos vagando pelo chão. Ainda não conseguia me ver num vestido de noiva, justamente naquela situação, poderia me imaginar sim, mas casando com outro homem - Amira - Minha mãe coloca as duas mãos em meu rosto, atraindo meu olhar - Vai dar tudo certo. Confia em mim - Sustento seus olhar castanho, com a certeza de que iria dar, não importasse o que acontecesse - Eu não amava o seu pai e hoje quase não consigo viver sem ele - murmura, o polegar afagando minha bochecha - Nem todo começo é por amor.
Ela retira as mãos suavemente de meu rosto, sorrindo sem mostrar os dentes, antes de se afastar, seguindo pela direção contrária. Eu não entendia o que ela queria dizer exatamente com aquelas palavras, não era possível que ela estava crente de que a raiva que eu sentia por Zayn, seria substituída por algo tão...poderoso e celestial, como o amor. Homens como Zayn, só tinham que ser agraciados com o ódio e tudo de ruim que levasse à este sentimento.
Zayn havia chegado em nossas vidas como um intruso, inicialmente como alguém que precisava de atenção, cuidados. E não demorou para estar se infiltrando em nossa família como uma erva daninha, apodrecendo tudo que ele tocava. Durante todos aqueles anos, tentei relevar ao máximo, ignorar a existência dele, mas agora me via mais do que responsável em tomar algo que não lhe pertencia. Aquele reinado.
Entro em meu quarto, notando as revistas que minha mãe mencionara nos pés da minha cama. Pego uma sem muita animação, encarando a modelo na capa, vestida num vestido de mangas compridas e com calda de sereia. Apesar de achar o vestido muito bonito, não conseguia me ver vestida nele, era como se aquele vestido em questão, não fosse para mim.
Ergo o olhar da revista, encontrando Zahra parada na minha frente.
- Pode ir - digo séria, erguendo uma sobrancelha quando ela não se mexe de imediato - Vai - Minha voz soa irritada, quer dizer, ela estava conseguindo me deixar irritada apenas com a presença dela, sem dizer se quer uma palavra.
Deixo a revista de lado, junto com as demais, olhando para o teto do quarto, sem deixar de não lembrar quando ficava cheio de balões vermelhos. Mesmo com meu pai preferindo Zayn na grande parte do tempo, sentia falta dele.
Batidas na porta fazem com que ande até a mesma, não hesitando em abri-la. Suspiro, quando meu olhar se encontra com o de Amina.
- Atrapalho? - diz entrando no quarto, fecho a porta quando ela passa por mim.
- Não.
Ela anda até a cama, folheando a revista que estava segurando antes. Diferente de mim, ela olha por longos segundos a capa da revista e até se arrisca em ver seu interior, parecendo até mais convencida do que eu em ver alguns vestidos.
- Minha mãe deixou aqui - Ela continua folheando as páginas.
- Ela está bem animada para o casamento - Ela me olha por cima do ombro - Feliz - Seu olhar volta para a revista - Minha mãe também estaria assim, se eu tivesse sido escolhida.
Inclino a cabeça para o lado, entendendo o motivo de sua visita até o meu quarto, algo que não aconteceria sem a situação atual.
- Amina, eu não tenho culpa da decisão de Zayn.
- De alguma forma você tem, Amira.
Ergo as sobrancelhas pasma.
- Como?! Eu o odeio - digo elevando a voz.
- Mas parece que não foi o suficiente para escolher você, invés de mim, que sempre se deu bem com ele - Amina se vira para mim - Nós sempre soubemos que este dia chegaria. E chegou, mais cedo que queríamos.
- Zayn está de pirraça. Ele pode muito bem...mudar de ideia.
- Um emir não volta atrás em suas decisões - Ela joga a revista de volta na cama - Já deveria saber disso.
- O que você quer que eu faça então? - Estava óbvio ali quem queria se casar com Zayn e quem não queria. Mas isso não importava muito, já que eu era a mais velha, um ano, e por não ser homem e sim uma mulher, isso me deixava em um beco sem saída. Conhecia as leis do nosso país e infelismente não tinha como ir contra elas.
- O que eu quero que você faça? - pergunta suavemente - Nada - Franzo o cenho - Vou esperar Zayn perceber que não irá dar herdeiros para ele e quando isso acontecer, serei a segunda esposa e lhe darei um filho homem.
- Parece que você já tem um plano, caso este casamento seja um fracasso - murmuro.
- Sempre estive a um passo de você, Amira. Não vai ser agora, que vou deixar que você passe na minha frente - Ela sustenta meu olhar, erguendo um dos cantos da boca num sorriso - Irei me casar com Zayn e o farei feliz, lhe dando herdeiros e tornando seu reinado próspero - Ela solta o ar dos pulmões - Já você, não sei o que irá fazer, mas eu sei muito bem o que irei fazer.
Amina sai do quarto com passos silenciosos, deixando para trás apenas seu perfume suave, que me lembrava sempre alguma flor mas, nunca conseguia me lembrar, pois o cheiro evaporava rapidamente.
Aos poucos me dou conta de que havia levado um ultimato duas vezes. O primeiro foi com Omar, querendo ter certeza de que não sairia mais da linha, com tentativas de fugas ou qualquer coisa semelhante e agora Amina, confiante de que seria a segunda esposa de Zayn, não que essa revelação me abalasse, eu não queria ser a primeira esposa e lhe daria este título sem pensar duas vezes mas, pelo o que havia entendido ali, não havia muita coisa que eu pudesse fazer por mim mesma, além de ser levada por tudo que estava acontecendo.
Na janela do quarto, me coloco a observar o movimento ameno do lado de fora do palácio. Vejo alguns guardas transitando de um lado para o outro e também Zayn acompanhado por Omar, conversavam algo, quer dizer, Omar lhe dizia algo, pois não via Zayn demonstrar qualquer reação ou até mesmo gesticular, parecia estar escutando tudo com muita atenção. Isso só me fez pensar que tipo de plano maquiavélico ambos estavam tramando, Zayn havia conseguido algo que raramente acontecia, havia se tornado emir sem ao menos ter o sangue real. O próximo passo então seria me matar?
Engulo em seco, levando minha mão até o pescoço, lembrando de como aquele guarda havia ferido Raya. Solto o ar lentamente dos pulmões, me afastando da janela e voltando para a cama, aonde a revista estava aberta em determinada página. Um vestido ainda mais bonito que o da cama, estava em evidência e me vi olhando-o com atenção e até mesmo tendo um vislumbre de estar vestida nele, conseguindo tirar reações de surpresa das pessoas ao meu redor.
Mas o que estava fazendo?!, me pergunto, fechando a revista bruscamente. Não estava me casando por amor alguém ou porque eu queria, estava sendo obrigada e tinha motivos mais do que suficientes em não me casar com ele. Mesmo Zayn nem sempre sendo daquele jeito.
Ainda conseguia lembrar com clareza do primeiro dia em que o vi realmente e entendi que era meu irmão. A diferença entre nós sempre foi questão de meses, sendo Zayn mais velho, já que minha mãe havia tido um aborto antes de eu ser concebida e por causa disso, meu pai se viu obrigado a se casar novamente, para não correr o risco de não ter herdeiros. Ele não era como as outras crianças, era mais magro, estava sempre doente e todas atenções estavam voltadas para ele. Todos temiam que algo de ruim acontecesse ao herdeiro e que a fúria do emir caísse sobre todos no palácio e assim foi durante os anos, todos tratando Zayn como um verdadeiro rei, enquanto eu ficava de lado, apenas observando toda amor e carinho que meu pai dava a Zayn de bandeja.
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