Dois

27 anos depois

Olhei mais uma vez para as pessoas a minha volta na mesa, antes de elas se retirarem do jogo com uma expressão de derrota.

Até poucos minutos atrás, eles olhavam uns olhavam para os outros, fingindo uma confiança que, na verdade, não tinham.

Ao longo dos anos, eu tinha aprendido a ler as expressões das pessoas, o que me ajudava muito nesses momentos.

Eu sabia quando estavam blefando.

Outros se sentaram nas cadeiras vagas e Michel distribuiu as cartas novamente, iniciando uma nova jogada, com novas apostas.

Apostas feitas. Michel, nosso Crupiê, disse, juntando as apostas no centro da mesa.

Uma figura bastante conhecida estava entre os novos jogadores e me peguei sorrindo de lado, imaginando o que aquele idiota apostaria dessa vez.

Uma vez por noite, eu descia e me sentava em uma daquelas mesas.

Isso atraía jogadores ansiosos por tentar ganhar de mim, o que raramente acontecia.

E quando eu digo raramente, é justamente o que eu queria dizer.

São mais de quinze anos naquela vida, desde que meu pai adotivo, Herry Archer, me ensinou a jogar e desde então nunca parei, sempre aperfeiçoando as minhas jogadas.

Alguns minutos depois, os outros jogadores colocaram suas cartas sobre a mesa, e eu olhei para o único homem à minha frente que não soltou as suas, hesitante.

Ele parecia mais confiante do que os demais, mas eu sabia que ele não tinha chance.

Essa partida era minha. Assim como a partida anterior e a outra antes dessa.

Eram todos aspirantes a vencedores e o homem a minha frente não seria diferente dos demais.

Dava para ver em seus olhos.

Chega a ser entediante, mas essa é a única coisa que ainda me distrai durante a noite.

E nessa noite em questão, eu precisava muito de uma distração.

Meu olhar se encontrou com o de Michel, meu fiel companheiro em todos aqueles anos, antes que eu voltasse a minha atenção para o homem a minha frente.

É a sua vez, Robert! um dos jogadores ao meu lado gritou, zombando.

Eu não gostava desse tipo de coisa. Eu não me sentia melhor do que ninguém ali naquela mesa.

Pode ser chamado de sorte ou o que quer que seja.

Eu sempre os vencia, mas eles ficavam ansiosos para jogar comigo todas as vezes em que eu descia até o salão de jogos.

Ali era a minha casa.

Meu Palácio.

E ali, eu era o rei. Talvez, o desejo de vencer o rei, fosse o que os levava a continuar insistindo, assim como esse homem fazia.

A nossa volta, várias pessoas conversaram, bebiam e riam enquanto aproveitavam o cassino e as outras mesas de jogos.

Uma música baixa tocava ao fundo e garçons passavam a todo instante com suas bandejas de bebidas e aperitivos.

Vejo que está muito confiante, senhor Robert. comentei, completamente relaxado.

Ele sorriu ainda mais abertamente.

Sim, meu jovem. ele respondeu. _Essa noite eu serei um cara de sorte.

Então, acho que é melhor aumentar a apostas, o que acha? sugeri, fazendo seu sorriso vacilar quase que imperceptivelmente, antes de assentir.

Quero recuperar tudo o que eu perdi. Robert revelou.

Ele me olhava atentamente, como se tentasse ler alguma coisa em minha expressão que me denunciasse.

Mas ele não encontraria nada.

Fiz um sinal para Michel, que me atendeu prontamente e aumentou as apostas.

Então me voltei para o senhor, a minha frente, dando uma última tragada no cigarro entre meus dedos, antes de esmagá-lo no cinzeiro ao lado.

Ele não usava roupas caras, observei, e o seu relógio não era uma peça de valor. Meus dias nas ruas serviram para me transformar no homem que sou, astuto.

E desde que fui adotado por meus pais, vivi em uma vida de luxo.

Eu saberia identificar um verdadeiro Rolex de ouro, de uma imitação barata.

Ainda assim, fiquei intrigado. Ele já tinha perdido uma boa quantia nas outras noites e ainda tinha apostado a casa.

Esse era o pior tipo de jogador que costumava aparecer aqui. E era o tipo que mais me enojava.

Ele pousou as cartas viradas na mesa, mas eu já adivinhava qual era o seu jogo. Seu olhar já dizia tudo o que eu precisava saber.

Essa é minha! ele disse de maneira orgulhosa.

Não era a primeira vez que o via jogando ali no clube, e aquele era o sorriso triunfante que ele costumava dar quando vencia uma partida.

Mas o verdadeiro problema, é que ele não sabia quando parar.

Ele queria sempre mais, e sua ganância era o que o fazia sair dali todas as noites, completamente frustrado.

Era incrível como ele ainda tinha coragem de voltar, noite após noite, apostando até o último centavo em seu bolso.

Imaginei se teria uma esposa em casa, esperando por ele.

Filhos...

Será que eles sabiam que ele gastava todo o dinheiro que recebia com jogos de azar?

Não é da minha conta! Pensei.

Me diga uma coisa, Robert? eu disse, chamando sua atenção. _ Você perdeu muito dinheiro e também a escritura da sua casa. Então, qual o seu bem mais valioso?

Eu pude percebeu seu sorriso falhando, mas seus olhos continuavam pairando a todo instante nas fichas no centro da mesa.

Ele já havia tomado algumas doses de Gim e eu sabia que não estava em condições de jogar mais uma partida sequer.

Era melhor mandá-lo logo para casa, de uma vez por todas.

Ele deu uma risada alta, me encarando com desdém.

Meu bem mais precioso é minha filha, meu caro! disse ele, provocando risadas a nossa volta.

Mas eu não achei graça.

Ele queria brincar daquela maneira?

Então eu entraria na brincadeira...

E apostaria sua filha? perguntei e o silêncio reinou a nossa volta.

O sorriso de Robert titubeou mais uma vez e notei uma gotícula de suor escorrer em sua nuca. Mas seu olhar desceu novamente para as várias fichas na mesa e pude perceber que ele não recuaria.

Ele estava desesperado pela vitória.

Eu lhe dei a chance de recuar, mas ele preferiu ir em frente.

Minha consciência está limpa! Disse a mim mesmo.

Aposto tudo o que tenho. foram suas últimas palavras.

Então é justo que eu faça o mesmo. eu disse, fazendo sinal para que Michel colocasse todas as minhas fichas na mesa.

Michel sorriu disfarçadamente, enquanto o sorriso do amigo a minha frente diminuía.

_Apostas feitas! _Michel anunciou e esperei que o velhote virasse suas cartas.

Full House! Michel disse e o sorriso do meu adversário aumentou.

Eu tirei um maço de cigarros do bolso, coloquei um palito na boca e o acendi calmamente, apenas para dar efeito.

Então virei minhas cartas sobre a mesa e observei a cor fugir de seu rosto, enquanto ele permanecia ali, completamente sem ação.

Eu estava cansado disso!

Me levantei da cadeira e lancei um olhar para Michel, que recolheu todas as fichas na mesa, inclusive o documento do imóvel onde morava.

Então olhei diretamente em seus olhos.

Vá até meu escritório amanhã e falaremos sobre sua dívida comigo. eu disse, jogando um cartão na mesa, em sua direção.

Não fiquei para saber o que ele faria a seguir.

Era dessa forma que eu aumentava minha fortuna, cada vez mais.

Mas naquele momento, essa era a última coisa que me deixaria satisfeito.

Peguei o telefone do bolso do meu paletó e fiz uma chamada.

Estou indo para o hospital. eu avisei e encerrei a ligação logo em seguida.

Quando cheguei do lado de fora do clube, meu motorista já esperava por mim.

Eficiência era a coisa que eu mais admirava em Dimitri, e eu confiava plenamente nele.

_Chegaremos em menos de dez minutos, Sr. Archer. _Dimitri avisou e eu assenti, recostando a minha cabeça no encosto do banco e fechando os meus olhos.

Não estava com pressa.

Eu já imaginava o que estava por vir e queria poder protelar um pouco mais para ir ter com minha avó no hospital.

Odiava o fato de que ela estava doente, mas odiava ainda mais o que ela esperava que eu fizesse.

Talvez, se eu encontrasse outra maneira...

Algo me passou pela cabeça, então eu tornei a pegar o meu celular e liguei para Michel.

Ele atendeu no segundo toque.

_Fala.

Descubra o que puder sobre a filha de Robert Barnes e me ligue de volta. eu ordenei.

_Pode deixar comigo.

Desliguei o telefone e fiquei olhando em volta, observando os carros passando enquanto uma ideia se formava em minha cabeça.

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Comments

Rogéria Santos

Rogéria Santos

muito triste uma pessoa viciada 😔

2025-01-31

0

Joselma Trajano

Joselma Trajano

o vício e uma desgraça mesmo Hem, apostou a própria filha sem nenhum remorso 😒

2025-01-27

2

Alvaneide Campos

Alvaneide Campos

Caraca,o cara apostou a filha!!Sei que é uma ficção, que estou lendo, mais quantas pessoas,apostam até o seu último centavo e o seu caráter!!

2024-11-26

2

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