Melissa Alpes
Narrando
Após ir comprar um celular, já que era preciso, chego alguns
minutos antes no bistrô e encontro ele sentado em uma mesa bebendo e fumando.
— Não está cedo? Está querendo ganhar hora extra? Perderá o
seu tempo.
— Eu queria ver se poderia usar o computador da cafeteria,
queria fazer uma pesquisa rápida — falo sorrindo para ele.
— Pode.
Me aproximo do caixa e ligo o computador, ele demora para
ligar. Eu havia passado a noite toda pensando em Joana, tento achar alguma rede
social dela, mas é impossível, não tinha nada sobre ela, todos os vestígios
dela desapareceram e até mesmo da sua família que era tão falada.
— Você deve estar com calor? — ele pergunta e eu olho para
ele.
— Estou bem! — respondo voltando a olhar para o computador.
— Você só usa roupa de manga comprida! Tem medo de mostrar
os braços? — questiona com uma sobrancelha arqueada.
— Nunca gostei de mostrar meus braços para ninguém! — falo
ainda olhando para o computador.
— Você é estranha!
— Você também é, mas não te questiono isso — olho para ele
que desvia o olhar.
— Está morando na pensão?
— Sim!
— Como você veio parar em Paris? Onde você estava antes? Às
vezes sinto que você guarda segredos.
— Todo mundo guarda! Até mesmo a pessoa mais transparente
guarda segredo.
— Profundo — ele fala enchendo o copo com a sua bebida.
— Não acha que está bebendo muito? Você ainda tem uma noite
longa de trabalho.
— Pode deixar que eu me cuido, novata! — ele fala indo para
a cozinha.
Desligo o computador após não achar nada e suspiro, fico
pensando como vim parar em Paris, foi algo bem estranho para o meu último dia
na clínica.
Flashback on
Hoje era dia de visita
e mais uma vez, eu estava ali sentada naquela sala vendo qualquer filme de autoajuda.
— Senhorita Melissa,
podemos conversar? — o doutor Trompson me chama.
— Claro! — o
acompanhando até seu consultório.
Eu passava todas às
minhas tardes com ele, às vezes ficávamos um olhando para a cara do outro e
nada era dito. Mas eu preferia mil vezes ficar dentro do seu consultório
silencioso e com um cheiro bom, do que lá fora com todas as outras garotas que
olhava para mim e me julgava.
— Você gostaria de
conversar hoje Melissa?
— Não! — respondo e
ele assente com a cabeça.
— Então posso falar?
— Pode.
— Você sabe que sou
casado — ele fala e faço um gesto positivo com a cabeça. — Pela segunda vez, no
total tenho seis filhos. Um do primeiro casamento e depois dois casais de
gêmeos do segundo, mas só tenho contato com os casais.
— E o outro filho?
— Ele foi embora! Acho
que não fui um bom pai, não fui suficiente para ele.
— Tenho certeza que
foi — falo vendo sua angústia.
Escuto algumas vozes e
olho para fora vendo algumas pessoas se abraçando.
— Se hoje eu liberar
você, tem para onde ir? — ele pergunta e olho para ele. — Sei que você não tem
uma relação muito boa com a sua mãe, mas você recebeu a visita de alguém, essa
pessoa te ajudaria?
— Sim! — respondo
mentindo para ele.
— Por hoje você está
liberada — faço um gesto positivo com a cabeça e saio de dentro da sala do
médico, vejo as pacientes com as suas visitas e meu coração se aperta, eu nunca
recebi uma visita.
— Melissa, vem jogar!
— Bruna me chama e eu nego com a cabeça.
Olho para o lado e
vejo um médico novo me olhando, as meninas todas estavam caindo por ele, até
que não era feio. Mas não fazia o meu tipo.
— Você e muito chata!
— Bruna fala para mim. — Deveria querer criar amizades conosco.
— Eu não gosto de
jogar.
Elas eram legais,
Bruna sofreu abuso do pai, tinha a Raquel que ficou doido depois que a mãe
morreu, a Laura que estava aqui há muito tempo e o que diziam era que ela nunca
iria sair. A verdade, era que eu não sabia como ser amiga delas e nem de
ninguém.
— Boa! — o novo médico
fala se aproximando de mim. — Meu nome é Caio, sou o novo psiquiatra, o seu
deve ser Melissa, certo?
— Sim, mandaram você
para tentar me fazer falar? — pergunto e ele sorri.
— Você será liberada,
cumpriu o seu tempo aqui. Confesso que depois que li todo o seu caso, eu fiquei
contra a sua liberação.
— Você acha que sou
uma ameaça para as outras pessoas? — pergunto para ele. — Você acredita no que
está escrito lá? Aquelas pessoas pagaram para que eu ficasse aqui.
— Eu não me preocupo
com as outras pessoas, você seria incapaz de machucar alguém, há não ser você
mesma!
— E você tirou todas
essas conclusões em me observar e ler o meu histórico médico? — ele balança a
cabeça negativamente e me encara.
— Você sai amanhã pela
manhã — diz me entregando um cartão. — Se precisar de algo, pode me procurar —
olho para ele que insiste para que eu pegue o seu cartão e assim faço.
Logo depois o senhor
Trompson pediu para que eu fosse até a sua sala, falou que eu iria ganhar alta
amanhã de manhã, me entregou diversas receitas de remédios. Recebi ajuda da
enfermeira da clínica, que me deu uma passagem para Paris e um pouco de
dinheiro.
— Você precisa mesmo
ir? — Bruna falou me olhando. — Você vai ficar bem?
— Vou! — falo e ela me
abraça forte
— Se eu sair, posso te
procurar?
— Claro! — respondo e
ela sorri.
— Vou te deixar na
rodoviária — o motorista da clínica fala para mim e faço um gesto positivo com
a cabeça.
— Antes quero passar
em um lugar…
Flashback off
Saio dos meus pensamentos quando o pessoal do bistrô começa
a chegar para trabalhar, na mesma hora vou para a cozinha começar ajudar
Sebastian, ele não estava na cozinha. Então começo a preparar todas as coisas
sozinha, acreditando que ele voltaria, mas os clientes começam a chegar e os
pedidos começam a ser tirados na mesa e nada do Sebastian.
— Cadê ele? — Suzana pergunta.
— Eu não sei! — respondo começando a entrar em pânico.
— Meu Deus, está ficando lotado o bistrô! Ele só pode estar
por aí bêbado.
— Vou atrás dele, está tudo arrumado. É só tenta cozinhar —
ela me olha com aquela cara de quem nunca cozinhou na vida. — Olha, esse é o
meu número, qualquer coisa me manda uma mensagem — pego um papel do bloquinho
de notas e marco o meu número, entregando para ela.
Saio do bistrô pelos fundos, pego a bicicleta de Suzana e
ando pela cidade, mas não o encontro em lugar nenhum. Então sigo perguntando
para as pessoas do bairro onde ele morava e chego até a sua casa, que era uma
casa bem bonita. Branca com uma fachada antiga, as janelas de vidros com as
cortinas entre abertas e vou me aproximo da janela, olhando para dentro e vejo
que tudo está revirado.
Vou andando até chegar em uma porta, ela está apenas
encostada, quando entro sinto um cheiro forte de bebida e um cheiro forte de
fumaça na casa, uma música alta vinha do segundo andar e eu vou subindo
lentamente pelas escadas. Encontro ele sentado na cama bebendo e com um pó
branco em cima de um prato, no lado da cama.
— Você não deveria está aqui novata! — diz assim que entro
no quarto.
— O bistrô está cheio e o nosso chef sumiu! O que falo para
os clientes que foram comer a sua comida?
— Que eu morri! É isso que eu quero.
— Por quê? Morrer não é a solução para nada, Sebastian, se
você não resolver os seus problemas em vida, eles vão te assombrar na
eternidade — ele levanta seu olhar para mim.
— Vai embora!
— Você não está bem, não vou te deixar aqui sozinho.
— Eu disse para você ir embora! — ele grita. — Não preciso
de ninguém tendo uma autopiedade, muito menos de você novata.
Eu o encaro sem reagir, eu não ando para frente e nem para
trás, eu olho ao redor daquele quarto e vejo alguns cacos de vidro caído no
chão. Ele continua gritando e me mandando embora, cruzo os meus braços e
continuo a olhar para os cacos de vidros e para ele que está alterado, me
mandando ir embora e fico pensando o que fui fazer vindo até aqui.
Flashback on
Assim que tiro a minha
roupa e entro de baixo do chuveiro, sinto a água escorrer pelo meu corpo e
ardência nas minhas cicatrizes, eu olho para aquele banheiro todo branco me
fazendo lembrar que agora estou numa clínica psiquiátrica e sem a minha melhor
amiga. Quando saio do banho coloco uma roupa que a enfermeira Ariel havia
trazido para mim, abro a minha mochila e vejo o meu kit lá, ele estava vazio,
alguém deve ter esvaziado ele. O kit que a Joana me deu, levava sempre comigo,
vejo um vaso de plantas em cima da cômoda e quebro ele, repondo alguns vidros
no kit junto do esparadrapo.
Eu não conseguia viver
sem meu Kit, por mais que eu tenha prometido para mim mesmo que jamais iria
usar ele, eu precisava ter ele ali perto, porque me trazia segurança. Sei que
com ele ali nada estava perdido e que eu ainda tinha uma saída para fugir de
todo o meu sofrimento, de tudo que eu já passei na vida, porque eu sentia Joana
perto de mim!
Flashback off
— Mandei você ir embora! — ele fala tentando se levantar e
acaba caindo.
Eu me aproximo rapidamente dele saindo dos meus pensamentos,
esquecendo os vidros caídos no chão.
— Você precisa da minha ajuda.
— Me solta!
Ele estava se segurando nas coisas para não cair, eu o levo
a força para o banheiro ligando o chuveiro, enfiando-o debaixo da água gelada.
Ele resmunga, mas ele sabe que não tinha condições de impedir isso. Meu celular
toca no bolso, o pego vendo ser Suzana perguntando onde o Sebastian estava,
apenas respondo em mensagem que hoje ele não teria condição de voltar, porque
ele estava muito mal.
Eu o deixo embaixo do chuveiro e jogo a sua droga fora e a
bebida também, ambos pela janela do quarto, depois ele sai sozinho do banho e
se deita molhado na cama pegando no sono de uma vez só.
Penso em ir para o bistrô para ajudar, mas fico com medo de
deixar ele ali, então ando pela casa e vejo tudo uma zona, uma bagunça! Tudo
revirado, muitas coisas quebradas e entro em um quarto vendo várias guitarras
dele, fotos da banda e até mesmo discos pendurados na parede. Todos disseram
que eles eram uma banda de sucesso e em uma pesquisa rápida na internet, pude
ver isso. Encontro em cima de uma cadeira alguns jornais velhos e vejo que era
sobre o acidente, seu rosto estampado em todos os jornais e revistas apontando
ele como o assassino, como se ele quisesse ter matado os companheiros. Porém,
todos estava na mesma condição, drogados e bêbados, não existe apenas um
culpado, a única fatalidade foi que Sebastian foi o único a sobreviver o
acidente.
Deixo tudo no lugar e saio, vou até à sala e a organizo.
Após arrumar tudo, caminho até o sofá me deitando nele adormecendo. Acordo com
o sol na minha cara e com passos na escada, eu olho para trás vendo-o descer e
ele me encara.
— Como você veio parar aqui?
— Eu te ajudei.
— Eu não preciso da ajuda de ninguém.
— Tem certeza? — eu o questiono e ele para em direção ao
corredor sem ao menos me olhar. — Porque você não parecia nada bem ontem a
noite.
— Estou bem, só exagerei na bebida.
— Você deixou bistrô na mão, Suzana não deu conta e muitos
clientes foram embora — ele se vira, mas não me olha. Passa a mão na cabeça e
parecia pensativo.
— Isso não poderia ter acontecido e como achou a minha casa?
— agora sua atenção está em mim.
— Quem tem boca vai a Roma, no caso para a sua casa. Você
está melhor?
— Apenas com uma dor de cabeça horrível — resmunga.
— Pode tomar um café, vai ajudar — falo e ele olha para sala
— Espero que você não ache ruim eu ter organizado a sua sala.
— Você adora organizar minha bagunça, não é mesmo? —
pergunta com uma sobrancelha arqueada.
— Acho que sou boa em organizar a bagunça da vida dos
outros, mas não consigo organizar a minha.
— Obrigado, se é isso que você quer ouvir antes de ir
embora.
— Você está me mandando embora? — calço meus sapatos e me
levanto. — Ok, vê se não bebe demais, se isso acontecer vai acabar perdendo
mais um dia de trabalho hoje a noite.
Saio da sua casa e resolvo dar uma volta pela cidade, Suzana
falou que tinha uma igreja aqui perto que eu conseguiria pegar algumas roupas
na parte da doação. O dinheiro que ganhei da enfermeira era pouco e deu apenas
para pagar a pensão e comprar o celular que foi de segunda mão.
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Comments
Divina Santos
tadinha qto sofrimento
2024-02-07
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