Anael
Duas semanas se passaram desde meu último e inesperado encontro com Rafael. Desde então, só encontrei silêncio — um silêncio ensurdecedor, sufocante. Precisei retornar à base por conta própria, desesperada para encontrá-lo. Mas nem uma resposta... nem um sinal. É como se ele tivesse sido arrancado do mundo.
E, para piorar, descubro que não apenas Rafael, mas Miguel e Gabriel também desapareceram. E ninguém — absolutamente ninguém — achou necessário me informar.
Adentro meu quarto com passos pesados e um suspiro que arrasta minha frustração pelo chão. Algo dentro de mim está fora do lugar. Uma inquietação que me corrói.
Eles.
Não consigo tirá-los da cabeça. Daniel. Lucas. Rafael.
Ver meus irmãos tocando outras mulheres me envenena. Uma fúria surda, quente, rastejante me consome toda vez que assisto àquelas mãos — que deveriam ser minhas — vagarem por corpos alheios. Um ciúme doentio. Um instinto possessivo que não posso permitir. Porque essa foi minha escolha. Meu fardo.
Sozinha, eu o carrego.
Afogada nesses pensamentos, quase não ouço a batida na porta. Só percebo quando já é tarde demais. A porta se abre, e Griffin, o primeiro cão de guarda do infame Uriel, entra radiante demais para um lugar como esse.
Merda. Isso nunca é bom sinal.
— O mestre Uriel ordena sua presença na sala oval. Agora.
A voz dele é gélida, vazia. Mas o calafrio que desce pela minha espinha me diz tudo. Algo está muito, muito errado.
Voltar foi um erro. Um erro estúpido.
Este lugar é um ninho de serpentes, e eu acabei de me jogar entre elas. Eles sempre quiseram o que conquistei: minha legião.
Mil batalhas. Mil cicatrizes. Tudo ameaçado pela ganância de vermes.
E pior... não consigo alcançar nenhum deles. Nem Rafael. Nem Miguel.
E Gabriel... bem, esse idiota vive me bloqueando, mas os outros dois? Nunca.
— Já estou a caminho, Griffin — digo, fria como gelo.
Deixo o quarto, meus passos ecoando no corredor estreito, e meu coração bate mais rápido a cada metro. A sala oval se aproxima e com ela o inevitável. Meu erro. Minha sentença.
Sei que desobedeci. Mas não posso — não vou — assassinar inocentes. Não posso manchar minhas mãos com o sangue de milhares por causa de dois.
Especialmente agora que sei o que Daniel e Lucas são pra mim...
Diante da porta, respiro fundo. Griffin a abre como um cavalheiro, mas a vontade que tenho é de socá-lo até aquele sorriso cínico se desmanchar. Passo por ele com o rosto impassível, guardando minha raiva sob uma máscara de pedra.
O salão parece mais frio.
Ituriel me encara com pesar, mas sei que nada fará. E então vejo ele.
Uriel.
O executor do reino. O sádico. O monstro.
Ele sorri como um demônio à beira de um banquete.
A porta se fecha atrás de mim. Sinto dois soldados entrarem, silenciosos como a morte. Minha pele arrepia. Meus músculos se retesam.
— Desobedecendo de novo, Anael? — diz Uriel, com uma risada debochada. — Seus queridinhos não estão aqui hoje para te salvar. Vai receber a punição completa desta vez.
Antes que eu possa responder, Griffin atira algo contra meu rosto. Um pó escuro. Ardente.
Meus olhos queimam.
Meus joelhos cedem.
A dor me invade como uma tempestade brutal.
Como se minha alma estivesse sendo rasgada.
— Pó de demônio — ouço Uriel dizer. — Reage de forma... espetacular em arcanjos puros. A dor, a paralisia, a perda de sentidos... e o meu detalhe favorito: sem poderes de cura.
Não entendo como... por quê? Nunca senti dor assim. Estou entorpecida, sem conseguir respirar direito.
Mas, mesmo assim, penso neles.
Daniel. Lucas.
É por eles que estou aqui. É por eles que suporto isso.
Com o que me resta de força, envio um único pensamento a Azazel:
"Proteja-os. Mate quem ousar tocá-los. Isso é uma ordem."
"Sim, senhora." — ouço sua resposta como um sussurro divino antes de a escuridão me engolir.
Uriel se agacha diante de mim, sussurrando:
— Veja como os grandes caem. E ainda nem começamos, Anael. Cada gota a mais desse pó... mais tempo sem cura. Maravilhoso, não é?
— Chega, Uriel! — Ituriel grita. — Leve-a para as masmorras. Agora.
Sou erguida do chão, arrastada como um trapo humano pelos corredores. Cada passo, cada solavanco, intensifica a dor lancinante que pulsa por todo meu corpo. Tento não gritar. Mereço ao menos esse último pedaço de dignidade.
Mas, quando as correntes me queimam a carne, não consigo mais segurar. O gosto de sangue preenche minha boca.
As algemas estão envenenadas também.
— Gosta de se fazer de forte... — ouço Uriel atrás de mim. — Mas está quebrando. Ah, Anael... devia ter matado aqueles vermes. Agora vai pagar. E eu vou saborear cada segundo.
Meus olhos...
Não vejo mais nada.
A escuridão é total.
— Nos deixem. — ordena.
Ficamos sozinhos.
— Vamos começar com quinhentas chicotadas, o que acha? Devagar... para durar.
O primeiro golpe cai.
Meu grito ecoa pelas pedras. Fere minha garganta. Arde na alma.
E então vem o deboche:
— Ah, esqueci de dizer... o chicote também está com pó de demônio.
E ele ri.
Riu.
Chicotada após chicotada, minha pele se abre. O sangue escorre em poças sob meus pés. A dor ultrapassa o físico. Rasga minha alma.
A voz se apaga. As lágrimas cessam. Só restam sussurros e gemidos fracos.
342.
Esse foi o número da última que consegui contar.
— Daniel... Lucas... — chamo mentalmente. Antes de tudo escurecer.
Ainda estou viva. Semi-consciente.
Apenas as correntes me mantêm de pé. Meu corpo está destroçado, minha alma — em frangalhos.
Mas meu propósito é claro como nunca.
Eles estão seguros. Azazel não deixará que nada aconteça.
Mesmo que outro carrasco venha, ela vai matar quem tocar neles.
E enquanto esse pensamento persistir...
Enquanto eles existirem...
Eu. Vou. Protegê-los.
Mesmo que isso me custe tudo.
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Atualizado até capítulo 155
Comments
Milly(灬º‿º灬)♡
Amando a história
2023-08-22
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