O som dos lamentos do meu lobo ecoa dentro de mim como um grito preso — primal, agonizante, desesperado.
Outra chicotada cruel rasga minhas costas, e a dor me atravessa como fogo líquido. Meus joelhos falham. Sinto meu corpo ceder, pesado demais, fraco demais. Estou caindo, sem forças para lutar.
Mas mãos me agarram antes que meu rosto toque a areia.
Miguel.
Ele me segura firme. Seu corpo treme. Seu rosto... é uma máscara de fúria bruta, raiva antiga que agora desperta como um monstro. O chão treme sob nossos pés. O ar se torna denso, opressor, como se o próprio universo estivesse prendendo a respiração.
Sufoco.
É como se mãos invisíveis apertassem minha traqueia. A dor é intensa, mas o que me assusta... é o medo estampado nos olhos dele. Medo por mim.
Meu lobo enlouquece dentro de mim, uiva alto, pedindo para assumir, para nos libertar — mas algo o prende. Alguma força cruel o mantém cativo.
— O selo... já podemos quebr—
Minha voz se quebra com outro golpe que corta como uma lâmina afiada. E então... a escuridão me toma como um amante ciumento. E eu a deixo me levar.
Antes
Cidade: Ilha Itamar
Anael
— Sabia que você estaria aqui, Anael.
A voz de Rafael é um sussurro cortante no ar, vindo das sombras às minhas costas. Fria como uma lâmina encostada na pele.
Viro-me lentamente, deixando para trás a cena que me prendeu, e o encaro por sobre o ombro. Ele está ali, como sempre esteve: encostado à árvore, braços tatuados cruzados, olhar duro como pedra e amargo como sangue seco.
— O que você quer, Rafe? — resmungo, mordendo o interior da bochecha para não explodir.
Eu não o quero aqui. Ele não entende. Não pode entender.
— Estou te vigiando há três meses — ele diz, impassível —. Você está perdendo o controle. Essa sua fixação pelos shifters... está te tornando fraca. Distraída.
Se eu fosse um inimigo, você já estaria morta.
Ele se afasta, mas sua voz continua cravada em mim como espinhos.
— Você sabe suas ordens. Sabe o que deve ser feito. Eles são obstáculos, Anael. Nada mais. Você não pode... sentir por eles.
Sinto minha mandíbula travar. O gosto amargo da raiva, do medo, da verdade me queima a garganta.
— Onde você vai? — pergunto com a voz embargada.
Ele para. Vira apenas o rosto, e sua voz é baixa, porém cruel.
— Procurar Miguel. Desde a última missão, não consigo sentir nossa conexão. Está fraca. Quase apagada. Se você não estivesse ocupada demais observando seus... animais, teria notado.
Meu peito aperta. A ausência dele agora se revela como um buraco escuro.
— Enquanto eu procuro, sugiro que fique no plano espiritual. E evite qualquer contato com os shifters. E Anie...?
— Sim? — solto, com os dentes cerrados.
— Não se esqueça do que você é. Não temos o luxo de amar. Esse jogo sujo tem que acabar. Os humanos não podem saber sobre os sobrenaturais.
As mortes... precisam parar.
E você sabe o que tem que fazer.
— Eu não quero ver você se machucar, irmã. Mas Uriel está prestes a quebrar o juramento. O Conselho quer sangue. E se não for o do culpado, será o seu.
Abaixo a cabeça. A verdade é um veneno doce na língua. Eu deveria obedecer. Deveria cumprir a sentença.
Mas como posso condená-los? Eles são inocentes.
Eles são meus.
Ele abre as asas. Sempre admirei as asas dos meus irmãos — diferentes de tudo que já vi. As de Rafael são prata com as pontas tingidas de vermelho, como se tivessem sido mergulhadas em sangue. As de Gabriel, douradas e incandescentes, como fogo divino.
Vejo Rafael partir. Uma sombra prateada contra o céu cinzento.
E então sinto.
Miguel.
Ou melhor, a quase ausência dele. Uma ausência que dói como faca enterrada no peito. Eu o chamo em pensamento, desesperada:
"Miguel...?"
Nada.
Silêncio absoluto.
Um grito infantil me puxa de volta ao presente.
— Pega a bola, Daniel!
Os shifters mais jovens brincam na areia. Riem. Pulam. Vivem. Tão puros. Tão cegos.
Mas meus olhos não os veem por muito tempo.
Vejo ele.
O alfa. Miguel.
E ao seu lado, Lucas De Santis, o alfa do Forte Orange. Dois homens feitos de carne, dor e aço. Leais. Honrados. Mortais.
E eu os desejo.
Há meses os observo. Escondida nas sombras, tocando o plano espiritual como uma assassina silenciosa. Eles dão seu amor a outras... e eu... eu sangro em silêncio por não ser aquela sob seus braços. Por não ser aquela em seus olhos.
Ciúmes.
Quente, cruel, vermelho. A vontade de destruir qualquer mulher que os toque me consome.
Eu deveria me controlar. Mas não consigo.
Eles são meus.
Mesmo que nunca possam ser.
Respiro fundo. Tento conter a tormenta que se agita dentro de mim.
Você não pode tê-los.
Você não deve.
Não agora. Talvez nunca.
Sussurro para mim mesma, escondida onde ninguém pode me ver. Onde ninguém pode me tocar.
Tudo que posso fazer... é protegê-los.
Mesmo que me custe a alma. Mesmo que me custe a eternidade.
Que se foda o Conselho. Que se foda Uriel.
Se alguém ousar ameaçar o que é meu, que se prepare para conhecer a verdadeira fúria de um anjo caído.
Eu não posso amá-los.
Mas posso destruir o mundo por eles.
Meu nome é Anael. Sou a comandante da Legião dos Arcanjos.
E esta é minha história — feita de pecado, dor e sombras.
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Atualizado até capítulo 155
Comments
Luciene Brito Soares
nunca tinha lido um livro em lobos e Arcanjo, acho que será incrível
2024-01-30
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