Capítulo 4 - Olhares desencontrados

Elui enfim havia chegado em casa, assim como seu pai, que cancelara a viagem no instante em que soube do acidente do filho. Embora morasse no mesmo lugar há mais de vinte anos, Elui mal botara o pé em casa, e já tropeçara na soleira da porta. A bengala, manejada com pouca habilidade, estranhava as mãos que a seguravam.

— Só pode estar quebrada essa merda! — gritou, jogando a bengala em um dos vasos antigos do pai, que quebrou imediatamente; assustando-o.

— Elui — seu pai o chama, colocando a mão no ombro do filho, que é rapidamente retirada com um gesto brusco.

— Não quero ajuda! — diz, com o tom rígido.

O homem então se afasta, segurando a mão da esposa, que o acompanhava de perto, observando Elui com uma pena quase palpável. Com dificuldade, Elui caminha com pequenos e cautelosos passos na direção de onde se lembra ser a escada, tateando o ar, até que atinge a madeira, fria e áspera sobre o toque. Ele bate com o pé no primeiro degrau e levanta até a altura em que sente estar livre, chutando o degrau sem querer. Engolindo em seco, ele sobe apoiando firmemente no corrimão. Atrás dele, seu pai, com a bengala em mãos, sobe atento para qualquer passo em falso.

— Último degrau — ele sussurra para o filho, que enfim chega ao topo, respirando aliviado.

— Obrigado pai — ele diz enfim. Quando Elui chegou ao quarto, tateando pelas paredes, sentindo a porosidade do cimento, a textura das tintas e grafiatos; sentou-se na cama e respirando fundo, pediu, sem saber exatamente se estava sozinho ou não:

— Podem me deixar sozinho, por favor? — o tom baixo e calmo, bem diferente de quando chegaram. Sons de passos saindo e então da porta de fechando tomaram conta de seus ouvidos.

Clic. 

Ele sabia que eles estariam do outro lado da porta, ouvindo seus passos, prontos para socorrer ao menor sinal de tropeço, ou necessidade; mas a verdade é que Elui só queria tirar a roupa e deitar sob os cobertores macios, deixando que seu cérebro assimilasse tudo aquilo, pensasse sobre si, porque ele não fazia a menor ideia de como lidar com o que havia se tornado. Sem conseguir dormir pelo pânico dessa escuridão que preenchia tudo, Elui esticou a palma da mão sobre os lençóis, acariciou os cobertores, se contorceu e até quase pulou na cama, tentando se sentir confortável, até que enfim pegou no sono.

Elui caminhava por uma cidade acinzentada, com uma neblina espessa impedindo-o de ver muito além de dois metros à sua frente. Não havia reconhecido o lugar de imediato, mas depois de caminhar por quase três quadras, reconhecera sua cidade natal. As residências estavam apagadas, assim como a praça do centro. Elui sentia saudade da quietude do interior, e o sentimento apenas aumentou quando ele entrou na rua onde estava o que, num passado que parecia outra vida, ele chamou de lar. A casa estava apagada e de portas fechadas, mas a varanda branca quebrada assim como ele se lembrava de um certo verão. Em outros momentos, a porta aberta daria a entrada a um mundo divertido para um jovem Elui cuja mãe girava pela sala com ele pendendo nos braços, imersos em gargalhadas extravagantes. Ele se viu caindo no chão aos risos, e sob a vista daquela versão feliz de si, ele a viu, uma garota com cabelos longos e morenos, as bochechas levemente avermelhadas e os lábios cheios e rosados. Mas os olhos... ele não conseguia se lembrar propriamente deles, embora tentasse mais do que tudo.

Elui acordou em um sobressalto, suor escorria pela testa e pelas costas. Aqueles olhos o arrepiavam. Ele tateou ao seu redor atrás do aparelho celular que estava aprendendo a manejar de novo e com um pouco de dificuldade e algumas ligações erradas, ele finalmente conseguiu ligar para seu pai, Richard.

— Alô — o homem atendeu, o tom sonolento.

— Pai? Te acordei né? — disse, dando um riso sem graça.

— O que aconteceu? — Richard pergunta, alcançando um pequeno copo de vidro recheado de água sobre o criado mudo e o bebe em uma golada só.

— Eu quero conhecer a garota que me levou pro hospital — ele diz, engolindo em seco e espera a resposta do pai, que após se recuperar do choque, pigarreia e finalmente o responde:

— Eu não sei se é uma boa ideia. — Sugere, pensando em seu acordo com Catharina e no dinheiro que não chegaria até ele se Elui se recusasse a casar com ela.

— Eu preciso falar com ela. — ele diz, fazendo Richard esfregar os olhos e sentar-se na cama, acordando Sophia, que boceja ao seu lado abrindo os olhos.

— Tudo bem — ele responde enfim — vou ver o que posso fazer. — finaliza, o coração acelerando-se.

— Obrigado — Elui diz e Richard desliga.

— Tudo bem? — Sophie questiona o marido, sentando-se e acariciando as costas do mesmo, que encara a parede à sua frente com tensão percorrendo seu corpo.

— Elui quer conhecer a suposta “salvadora” — conta, fazendo as aspas com os dedos acima da cabeça.

— Só conhecer não vai quebrar o acordo, Richard — ela o lembra. — Meu amor — ele a chama, fazendo a mulher resmungar enquanto alonga os braços — qualquer pessoa é mais amigável que a noiva dele. Só conhecer pode não ser tão passageiro assim. — Explica.

— Acha que isso vai quebrar o acordo entre você e Catharina? — ela pergunta. — Ela geralmente não desiste tão fácil.

— Não vamos dar motivo para que aconteça. — Ele responde, virando-se para a esposa. — Conta para ela.

Sophie assente e com um sorriso animado pega o celular e disca o número da amiga, que não atende nenhuma vez, deixando Richard ansioso.

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