02

“Algumas oportunidades serão aproveitadas...”

GABRIELA

Estava com uma camisola branca no topo de uma montanha.

Meus olhos estavam fixos no caminho rochoso que ficava posicionado em minha frente. Não sei o que me deu, mas fui caminhando em direção a sua extremidade.

Quando fui até o limite do pico, eis que cheguei bem na ponta de um precipício. Alguma força me movia para continuar andando sempre em frente, e eu não conseguia controlar perfeitamente meus movimentos.

Ao olhar para baixo e notar a vasta escuridão, alguns arrepios percorreram meu corpo.

O que eu estava fazendo aqui?

Por qual motivo continuei a caminhar para essa extremidade?

Por que meus pés não me obedecem?

Por um momento me estabilizei. Pensei que daria meia volta e retornaria ao ponto inicial, mas estava... imóvel.

É muito estranho essa sensação que está me acometendo. Por um momento consigo raciocinar perfeitamente, e no outro não consigo controlar meu corpo. Estou me sentindo estranha.

Instantes depois, meus ouvidos captaram alguma coisa. Tive certeza de que alguma pessoa estava vindo ao meu encontro. Não conseguia me mover, por isso não identifiquei quem era, pois estava de costas. Fiquei contemplando aquela escuridão no precipício que estava prestes a cair. Sim! Algo me dizia que eu mergulharia nesse vasto buraco negro.

— Vim te ajudar. — Uma voz masculina disse praticamente colada aos meus ouvidos.

— Graças a Deus! — sibilei.

— Está tudo bem. Você não irá se machucar. Confia em mim?

Pensei por um momento, mas disse: — Confio.

Senti suas mãos segurando meu quadril, e quando pensei que tudo iria acabar bem, notei que esse homem me empurrou no precipício...

***

Acordei assustada.

A maioria dos meus sonhos são confusos. Minha vida virou um inferno após sair do hospital.

Fui em direção ao banheiro e lavei meu rosto por inúmeras vezes. Olhei para o espelho e vi uma mulher que não tem noção do motivo de estar tendo sonhos dessa maneira. Na verdade, nem posso considerar o que estou tendo ultimamente como sonhos, mas sim pesadelos.

Após fazer minha higiene pessoal, saí do meu quarto. Ao chegar na sala, Claire já estava preparando o café da manhã.

— Bom dia, dorminhoca. — Ela sorriu para mim.

— Bom dia, amiga.

— Como foi a consulta? — ela me indagou.

Não havia visto Claire desde ontem pela manhã, e por isso não havíamos conversado sobre o horário exato que iria ao hospital.

Conheci ela quando estava cursando Administração em Orlando, no Estado da Flórida.

Sempre fomos muito ligadas, desde o primeiro período da faculdade. Além de tudo, nós duas nascemos na cidade de Miami, uma feliz coincidência. Agora que terminamos o curso, voltamos para nossa cidade natal.

Apesar de termos o temperamento um pouco diferente, sempre nos demos bem uma com a outra. Claire é uma mulher que fala o que pensa, e isso é uma característica marcante. Ela expressa sua opinião doa a quem doer, e não é o tipo de pessoa que segue um padrão específico. Se for para resumir, ela é autêntica.

Claire é pequena. Mas, vocês sabem, não é? Irritem uma baixinha para vocês verem! Eu fiz o teste uma vez e não deu muito certo. Minha amiga deve medir na faixa de 1,60... no máximo. Sou bem mais alta que ela e bem mais calma. Quando Claire explode... sai de baixo. Acho minha amiga muito bonita, pois ela é toda natural. Além de ruiva, possui os olhos castanho-claros, e uma boca carnuda de dar inveja. O problema maior dela em relação aos homens é que ela destruiu vários corações ao longo da sua caminhada. Ela não é de se apegar, e enjoa muito fácil deles, por isso seus casos duram no máximo um mês. Eu já sou um pouco diferente...

— Estou melhor — respondi sua pergunta a respeito da consulta. — Por incrível que pareça, conversar com o doutor Enzo me deixou mais tranquila.

— Fico feliz, amiga. Ele te encaminhou para algum especialista?

— Sim. E disse que vai acompanhar minha situação de perto. Ele falou que faz questão de monitorar meu processo, apesar de não ser a área dele. — Dei um pequeno sorrisinho de satisfação.

— Hmm.

Claire me deu um cutucão nada convencional.

— Pode parar com isso! — Olhei com uma cara de deboche enquanto gargalhava sentada na cadeira.

— Não disse nada. — Ela levantou as mãos.

— Sei que pensou. Eu te conheço, Claire — disse decidida.

Minha amiga é um pouco "direta" em alguns aspectos e provocativa em outros.

— Só acho que alguns médicos não são assim, nada mais.

— É aí que entra outra questão que me surpreendi.

— Qual? — Ela levantou as sobrancelhas de curiosidade.

— Ele me conhece... conhecia, sei lá. — Não sabia a palavra certa para usar nessa ocasião.

— Como é? — Claire soltou um gritinho.

— Isso mesmo. Fomos amigos durante um período. Ele fez faculdade em outro Estado, e agora voltou para a cidade.

— Não acredito! — Ela esbugalhou os olhos. — Isso é muito bom.

— Pois é. Só tem um pequeno problema.

— Que seria...

— Fico muito sem graça na presença dele. Isso se deve principalmente ao fato de saber que ele me conhecia. — Parei por certos momentos relembrando um pouco da consulta. — Posso ter mudado em muitas coisas desde então. E, como não me lembro dele, fiquei receosa em alguns momentos.

— Ele é bonito, desejável, gostoso?

— O que uma coisa tem a ver com a outra? — Comecei a balançar minha cabeça negativamente enquanto me ajeitava melhor na cadeira.

— Só responda, por favor. — Minha amiga fez uma cara séria. Tenho certeza que se não esclarecer suas dúvidas, terei grandes problemas.

— Sim. Até demais.

— Certo. — Ela sorriu.

— Agora posso saber o motivo da pergunta?

— Não é nada. Você fica um pouco sem graça na presença de homens bonitos, apesar de ser a amiga mais linda que tenho. Perguntei somente para ter uma comprovação, Gabriela.

— Não vou falar mais nada para você! — Simulei uma cara enfezada.

— O que eu fiz?! Eu, hein! — Ela me lançou um olhar enigmático, mas sabia que eu estava brincando com a situação que estava ocorrendo.

— Você adora joguinhos, amiga.

— Muito. — Ela se vangloriou. — Você precisa de um homem assim em sua vida.

Será que ela estava se referindo a um médico?

— Está me chamando de problemática?

— Você sempre foi problemática, Gabriela. Se conforme com isso, por favor. — Nós duas começamos a rir. — Estou falando de um homem que lhe traga segurança, entende?

— Acho que sim.

— Eu sei que se sente desprotegida depois de tudo que ocorreu com Antony. Quero que siga em frente, e vou te ajudar, pode ter certeza.

— Eu sei. Estou me preparando para isso. Você sabe que nunca fui uma pessoa de sair muito. Acho que a minha segurança é ficar quieta em casa, entende? Eu prefiro a tranquilidade do local onde moro, mas ultimamente, nem isso está me ajudando.

— Por quê?

— Eu preciso preencher esse buraco em minha vida, Claire. Eu necessito me lembrar dessa lacuna perdida do meu passado.

— É questão de tempo, amiga.

— Você sabe que não é bem assim. Eu posso nunca mais me recordar de algumas coisas que ocorreram. Não sei o porquê, mas sinto que perdi acontecimentos marcantes nesse período.

Esse é um dos meus medos mais reais.

Além da dor na cabeça que sinto certos dias da semana, eu tenho medo dessa pancada causar algo que posso levar pelo resto da vida. Para certas coisas sou medrosa e essa é uma delas. Perder minha identidade, por assim dizer, é algo que me afetaria em grandes proporções.

— Isso não vai acontecer, Gabriela.

Claire veio em minha direção e me deu um grande abraço.

Minha amiga é um dos meus alicerces e não tenho vergonha em dizer isso. Além da minha família, ela é uma das pessoas com quem mais tenho contato, por morarmos juntas, e por isso me abro muito com ela. Posso afirmar que Claire sabe de vários segredos meus e sempre me auxilia quando estou com algum problema, principalmente depois do incidente que me acometeu.

— Não sei o que faria sem a sua amizade, amiga.

— Você não seria ninguém sem mim. Eu sei disso. — Ela me deu uma piscadinha.

— Você é demais. — Gargalhei alto.

— Minha autoestima é muito elevada. E em breve a sua será também. É a meta da minha vida.

— Tudo bem.

Ficamos um certo tempo sem falar nada. Minha cabeça estava trabalhando muito ultimamente, mas de uma forma errada. Acho que todos esses sonhos que estou tendo estão tomando forma de pesadelos por causa do meu stress, e pela falta de inovação em minha vida.

— Que tal assistirmos um filme hoje? — disse do nada.

— Combinado. Vou olhar na Netflix se...

— Não, não. Vamos ao cinema. Tem muito tempo que não vejo uma sessão em uma tela grande.

— Certo. — Ela me olhou desconfiada. — Essa vontade surgiu somente agora?

— Sim. Não sei o que me deu. Você está certa em um ponto: preciso sair um pouco mais e viver a vida.

— É assim que se fala! — Claire se vangloriou.

***

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Comments

Amanda

Amanda

🤔🤔🤔

2023-08-06

1

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