A Carta

          Alguns meses depois, ela recebeu uma carta que mexeu com ela, muito mais do que imaginou.

          - Patrícia, chegou pra você.

          - É sobre algum contrato?

          - Acho que não, é de Londres, só que eu não reconheci o endereço.

          - De quem é?

          - Só está assinado como Charles.

          - Coloca na minha mesa, eu vejo depois.

          - Certo.

          Ela teve um dia totalmente conturbado, um pouco depois que conseguiu almoçar, ela se lembrou da carta. Assim que começou a ler, seu coração disparou.

          - Patrícia, eu preciso... você está bem?

          - Eu...

          - Paty?

          - Bem, com certeza, eu não estou.

          - O que aconteceu?

          - Você sabia sobre isso?

          - O quê? – Quando ela deu a carta para ele, sua mão estava tremendo.

          - Patrícia...

          - Maurício, por favor, você sabia ou não?

          - Sabia.

          - Então... isso é verdade?

          - Sim.

          - Por que eu e a Luciana nunca soubemos?

          - Não sei, eu mesmo nunca soube da história toda.

          - Mas pelo menos sabia de...

          - Sim, isso o seu pai me contou.

          - Eu preciso que você me faça um favor.

          - Claro.

          - Pesquisa sobre ele, aqui tem o nome todo e o endereço, descobre se ele é quem diz ser.

          - Pode deixar.

          - E eu vou pra casa, preciso conversar com a Luciana.

          - Não se preocupa, eu cuido de tudo.

          - Obrigada.

          Ela estava tão nervosa e sem chão quando saiu da empresa, que pegou um táxi e foi direto para casa.

          - Oi, que bom que você viu a minha mensagem.

          - Vi e fiquei preocupada, o que aconteceu?

          - Eu preciso te mostrar uma coisa.

          - Claro. – Enquanto a irmã lia a carta, ela não conseguia nem sentar. – Isso é verdade?

          - De acordo com o Maurício, sim.

          - O Maurício sabia?

          - Parece que a história não, mas que o papai tinha um irmão, sim.

          - Então... nós ainda temos alguma família?

          - Parece que pelo menos um tio, não sei se ele tem família.

          - E agora?

          - Não sei.

          - Ele convidou...

          - Eu sei...

          - Paty, eu também fiquei em choque, mas no seu caso parece que...

          - Que me tiraram o chão.

          - Sim.

          - Eu sei, e o pior é que eu não faço ideia do motivo.

          - Você quer conversar?

          - Agora não, quero ficar um pouco sozinha.

          - Tem certeza?

          - Tenho, eu... eu preciso descansar um pouco.

          - Certo.

          Assim que ela entrou no quarto e caiu na cama, seu coração estava disparado e mesmo sem entender, apenas a menção da cidade de Canterbury, fazia seu coração não apenas disparar, mas ficar apertado como nunca.

Como não conseguia pegar no sono, ela acabou começando a desenhar e mesmo tentando ignorar, a primeira coisa que ela desenhou foi o castelo, assim que olhou para a folha, fechou o caderno, porque naquele momento, tudo que ela não queria lembrar era daquele sonho e dele.

          Quando ela pegou no sono, uma das piores discussões que teve com o pai, voltou para sua cabeça.

          - Você não vai.

          - Pai, eu não estou pedindo permissão, estou avisando que vou passar um tempo em Londres.

          - Não, você não vai.

          - Pai...

          - Patrícia, se você insistir, eu suspendo o seu passaporte e seu dinheiro.

          - Você não faria isso.

          - Não tenha tanta certeza.

          - Wiliam, você vai acabar perdendo a cabeça.

          - Qualquer lugar, mas você não vai colocar os pés na Inglaterra.

          - Você sabe que eu consigo mudar o voo depois, não sabe?

          - Patrícia, não provoca o seu pai.

          - Mas é verdade.

          - Então está decidido, a viagem está cancelada.

          - Pai...

          - Sem discussão Patrícia, vai pro seu quarto.

          - Isso não é justo.

          - Filha, confia em mim, o seu pai está querendo te proteger.

          - Me proteger de quê?

          - Patrícia, eu já mandei você ir pro seu quarto.

          - Você não pode...

          - Vai, agora.

          - Está vendo mãe, isso não é proteção, é controle.

          - Querida...

          - É verdade, mas você sabe que não vai poder me controlar pra sempre.

          - Pro seu quarto, agora!

          Ela saiu da sala com tanta raiva que entrou no quarto e bateu a porta, mas ela sabia que o pai não poderia controlar a sua vida para sempre, ela só não sabia quanto tempo ainda teria que aguentar aquela situação.

          - Filha, posso entrar?

          - Mãe, se você for tentar melhorar a situação com o papai...

          - Querida, vocês dois precisam parar com essas discussões.

          - Eu não entendo, eu fiz tudo que ele quis, abri mão do que sempre quis fazer pra me formar no que ele quis e não posso realizar o único sonho que ele ainda não tirou de mim?

          - Filha, eu sei que parece injusto...

          - Parece? Mãe, é injusto, principalmente porque ele disse que se eu me formasse poderia escolher a viagem que quisesse.

          - Eu sei...

          - Eu sei que ele é autoritário, sempre soube, mas nunca pensei que o que eu quero importasse tão pouco pra ele.

          - Paty, acredite, ele se importa com você...

          - Claro que sim.

          - É verdade, filha.

          - Então por que ele age como se eu só tivesse nascido pra fazer as vontades dele?

          - Porque tem coisas no passado do seu pai que são difíceis de contar.

          - Então me responde outra coisa, você diz que ele quer me proteger, seja sincera mãe, ele quer me proteger de quê?

          - Filha...

          - Está vendo, isso não é proteção e você sabe.

          - Querida, confia em mim, o seu pai tem os motivos dele.

          - E o que vocês dois não entendem, é que eu não tenho nada a ver com isso.

          - Tem filha, e algum dia o seu pai vai conseguir falar com você e com a sua irmã sobre isso.

          - Sobre o quê?

          - Filha, eu queria te dizer, mas esse assunto é pessoal do seu pai.

          - E por que ele não conta?

          - Porque ele ainda não consegue, mas eu sei que algum dia ele vai.

          Naquele momento seu sonho mudou e ela foi levada para um local que não via a alguns meses e que não imaginava ver, o mesmo castelo do primeiro sonho, as mesmas paredes cinzas de pedra, a mesma escada e ele parado ao seu lado e novamente a mesma sensação de que seu coração não pertencia mais a ela.

E como tinha acontecido das outras vezes, quando eles iam se tocar, ela acordou, com o coração batendo tão forte que parecia que seria arrancado do peito.

          Naquela hora, ela teve certeza de que precisava descobrir por que aquela carta trouxe de volta esse sonho para sua cabeça.

          - Oi Maurício, você conseguiu confirmar a história?

          - Sim, ele é seu tio.

          - Você tem certeza?

          - Absoluta, eu posso continuar investigando se você quiser, mas de acordo com as primeiras informações, a história bate.

          - Não precisa, e obrigada, mas eu cuido de tudo agora.

          - Certo, e você já decidiu o que fazer?

          - Sim, mas ainda preciso falar com a Luciana.

          - Tudo bem, o que você precisar me avisa.

          - Pode deixar, mas eu sei o que preciso fazer.

          - Certo.

          Sim, ela sabia o que fazer, mas ao contrário do que imaginou, não foi tão fácil convencer a irmã. Sua irmã normalmente não levava as coisas muito a sério, mas sobre aquele assunto, infelizmente, ela estava sendo incrivelmente precavida.

          - Luciana, nós estamos dando volta nesse assunto há meses.

          - E pelo visto nenhuma das duas pretende desistir.

          - Não, a diferença é que você sabe que eu vou ganhar essa discussão.

          - Não entendo por quê?

          - Primeiro, porque eu sou sua irmã mais velha.

          - Isso não é motivo pra você ganhar uma discussão.

          - Certo, você tem razão, você só está esquecendo de mais um detalhe.

          - Qual?

          - Você nunca gostou de discutir comigo.

          - Você também não.

          - Mas eu sou muito mais cabeça dura do que você.

          - Certo, nisso você tem razão.

          - Ótimo, então por que nós não pulamos essa discussão e você concorda logo comigo?

          - Porque eu não tenho certeza se essa ideia de ir lá é boa.

          - Então me responde, o que de tão ruim pode acontecer? – E pela primeira vez, seu coração apertou de um jeito quase insuportável, como se alguém estivesse esmagando seu peito.

          - Não sei, mas perto do estado que você fica sempre que lê aquela carta...

          - Do que você está falando?

          - Você fica do mesmo jeito que está agora.

          - Lu, sobre isso não se preocupa, eu só estou...

          - Obcecada.

          - Curiosa.

          - Sempre que você morde o lábio é porque está mentindo.

          - Eu não estou, eu estou curiosa, é normal.

          - Sério?

          - Sim, e quanto mais o tempo passar, mais curiosa e ansiosa eu vou ficar por não resolver essa situação.

          - Tudo bem, eu posso ainda estar em dúvida, mas você tem razão, nós precisamos resolver isso.

          - Ótimo.

          Três meses, foi o tempo que ela demorou para convencer a irmã de que elas precisavam de respostas, a parte positiva é que quando ela conseguiu, já estava tudo organizado na empresa para elas viajarem em duas semanas.

          - Paty, você acha mesmo que é uma boa ideia?

          - Lu, não vamos voltar nisso de novo.

          - Paty...

          - É verdade, nós precisamos descobrir o que aquela carta significa.

          - Mas deixar a empresa?

          - Eu não estou deixando a empresa.

          - Sério?

          - Luciana, a um ano, você nem queria que eu assumisse a empresa, confia em mim, a empresa vai ficar muito bem

          - Você não acha que se o papai quisesse que nós soubéssemos da existência dessa família em Londres, ele não teria contado?

          - Eu já pensei nisso, mas você não quer saber por que durante toda a nossa vida, nós pensamos que o papai não tinha família?

          - Acho que eu sou menos curiosa do que você.

          - Lu, confia em mim, nós devemos ir, eu não sei por que, mas devemos.

          - Você tem falado isso a três meses.

          - E é verdade.

          - Tudo bem, eu já disse que iria, não vou mudar de ideia agora.

          - Ótimo.

          Assim que ela entrou no quarto, pegou a carta que desde que recebeu, já tinha lido e relido diversas vezes.

          "Queridas sobrinhas, imagino que por diversos motivos, vocês não saibam da minha existência. Meu nome é Charles Watts, sou irmão do pai de vocês.

Sei que nunca nos conhecemos, mas desde que soube da morte dos seus pais que gostaria de entrar em contato, e sim, eu sei que faz mais de um ano, mas infelizmente por diversos motivos, não consegui fazer isso antes. Caso vocês tenham interesse, adoraria ter notícias suas ou até mesmo recebe-las para uma visita.

Atualmente moro na cidade de Canterbury, perto de Londres, e gostaria muito de conhece-las, se possível.

OBS. meus contatos seguem anexos à carta.

Atenciosamente, Charles."

          - Posso entrar?

          - Oi, pode.

          - Paty...

          - Que foi?

          - Por que você não consegue largar essa carta?

          - Não sei, acho que é porque eu quero respostas.

          - Eu também, mas...

          - Já sei, você vai dizer que eu estou obcecada.

          - Você está.

          - Lu, eu só preciso descobrir por que isso mexeu tanto comigo.

          - A carta ou o local?

          - O quê?

          - Paty, eu já cansei de te ver pesquisando sobre a cidade e não parece uma busca por informações, você fica horas olhando para fotos da cidade.

          - Eu sei.

          - E você não acha isso uma obsessão?

          - Não é.

          - Tem certeza?

          - Não é obsessão, mas...

          - Paty? – Naquele momento, ela podia não ter certeza, mas se quisesse que a irmã tirasse aquela ideia da cabeça, era melhor contar a verdade.

          - Você lembra do sonho que eu tive no meu aniversário de dezesseis anos?

          - Sonho... você está falando daquele sonho? Do seu príncipe?

          - Por mais que eu já tenha dito que ele não é o meu príncipe, sim, é desse sonho que eu estou falando.

          - Você voltou a sonhar com ele?

          - Mais ou menos.

          - Paty, ou você sonhou ou não.

          - Não é bem o sonho, é a sensação, eu só sei que sempre que penso ou vejo a cidade, tenho o mesmo sentimento.

          - Você acha que isso quer dizer que vai encontrar o amor da sua vida lá?

          - Luciana?

          - Mas pode ser. – E ali estava de novo, sua irmã que sempre imaginava que tudo terminaria em romance.

          - Claro que não é isso, mas não sei explicar o porquê, só que tem algo naquela cidade que me atraí pra ela.

          - Você acha que foi por isso que o papai nunca deixou nós irmos para Londres?

          - Não sei, mas você sabe que algo lá sempre me deixou intrigada.

          - Sempre pensei que fosse para irritar o papai.

          - Não, é o local, a Inglaterra de modo geral, é como se eu precisasse ir lá.

          - E nós vamos, quem sabe assim você descobre por que está sentindo isso.

          - Eu sei que vou, não consigo explicar, mas sei. – E ela tinha razão, ela só não imaginava que ir para Londres iria fazer com que ela descobrisse coisas sobre a família, mas também sobre si mesma.

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