Lawrence estava perdido sobre como trata-la agora. Mesmo assim, não poderia permanecer calado, então tomou uma nova abordagem.
“Em todo o caso, deixando de lado a questão de tudo isso ser ou não verdade...”
“Acha que sou uma mentirosa?” Holo retrucou ao ouvir. Ele hesitou, mas Holo pareceu perceber que ela mesma estava sendo muito emocional. Ela parou, envergonhada, e murmurou um rápido “Desculpe,” antes de enterrar sua cabeça nas peles mais uma vez.
“Entendo seu ressentimento. Mas para onde você pretende ir, tendo deixado a vila?”
Ela não respondeu imediatamente, mas Lawrence viu suas orelhas reagirem a sua pergunta, então esperou pacientemente. Ela acabou de fazer uma significativa confissão, ele imaginou que ela simplesmente não pudesse encarar alguém por enquanto.
A seu tempo, Holo culposamente olhou para o canto da carroça, confirmando as suspeitas de Lawrence.
“Eu gostaria de retornar ao norte” disse sem rodeios.
“Norte?”
Holo assentiu, voltando seu olhar para cima e ao longe. Lawrence não teve que acompanhar para saber o que ela estava procurando: o verdadeiro norte.
“Minha terra natal. A floresta de Yoitsu. Tantos anos já se passaram que não posso mais nem contar... Queria voltar para casa.”
A expressão terra natal deixou Lawrence momentaneamente chocado, ele olhou para o perfil de Holo. Ele mesmo não tinha visitado sua cidade natal uma vez sequer desde que embarcou na vida de um mercador viajante.
Era um lugar pobre e miserável de onde tinha algumas boas memórias, mas depois de longos dias na carroça, às vezes a solidão o vencia e ele não poderia deixar de pensar carinhosamente do lugar.
Se Holo estava dizendo a verdade, não só ela tinha deixado seu lar centenas de anos atrás, mas aguentou ser abandonada e ridicularizada no local que se assentou...
Ele podia entender sua solidão.
“Mas eu gostaria de viajar um pouco, já que vim de tão distante. E certamente, muita coisa mudou ao longo dos meses e anos, seria bom para ampliar minha perspectiva,” disse Holo, olhando para Lawrence, o rosto dela estava calmo. "Então se você não me levar de volta para Pasloe ou me entregar para a Igreja, eu gostaria de viajar com você. Você é um mercador errante, não é?”
Ela fitou Lawrence com um sorriso amigável sugerindo que ela tinha visto através dele e sabia que não iria traí-la. Ela soava como um velho amigo pedindo um simples favor.
Lawrence ainda tinha que determinar se ele acreditava ou não na história de Holo, mas até onde podia ver, ela não era uma má pessoa. Além de que começou a gostar de conversar com esta estranha garota.
Mas ele não foi totalmente dominado pelo seu charme a ponto de esquecer os instintos de um mercador. Um bom comerciante tinha a audácia de enfrentar um deus e a cautela de duvidar de um amigo.
Lawrence pensou sobre isso e então falou calmamente.
“Não posso tomar essa decisão rapidamente.”
Ele esperava alguma reclamação, mas ele havia subestimado Holo. Ela acenou compreendendo. “É bom ser cauteloso. Mas nunca interpretei mal uma pessoa. Não acredito que seja tão frio a ponto de mandar alguém embora.”
Holo falou com um sorriso travesso nos lábios. Ela então se virou e se enfiou de volta para na pilha de peles, embora sem o mau humor que havia demonstrado anteriormente. Era como se estivesse dizendo “Chega de conversa por hoje.”
Enquanto ela acabava com a conversa, Lawrence podia apenas rir si mesmo, enquanto observava Holo mais uma vez.
Ele pensou ter visto suas orelhas se movendo, em seguida, ela levantou a cabeça e olhou para ele.
“Certamente você não vai me dizer que dormir do lado de fora” ela falou, obviamente consciente de que ele não poderia fazer tal coisa. Lawrence ficou calado; Holo sorriu e voltou para a pilha de peles.
Vendo-a assim, Lawrence perguntou se as ações anteriores foram algum tipo de encenação, como se ela estivesse desempenhando o papel da princesa aprisionada. Contudo, ele duvidava que a insatisfação com a vila ou seu desejo de voltar para casa fossem mentiras.
E se não eram mentiras, então ele deveria acreditar que ela era a verdadeira Holo, porque uma simples garota possuída pelo demônio não seria capaz de inventar tudo isso. Lawrence suspirou quando percebeu que pensar demais no assunto não iria trazer nenhuma resposta; ele decidiu dormir e deixar as reflexões para o dia seguinte.
As peles nas quais Holo dormia pertenciam a Lawrence. Era ridículo pensar que o seu proprietário poderia abrir mão do conforto e dormir no banco de condução da carroça. Dizendo a ela para ir para um lado, ele também se aconchegou na pilha de peles.
Atrás dele, ouviu os sons tranquilos da respiração de Holo. Embora tenha dito a ela que não poderia tomar uma decisão rápida, Lawrence já havia decidido que, caso Holo não fugisse com seus bens na manhã seguinte, ele viajaria com ela. Ele duvidava que ela fosse esse tipo de encrenqueira, mas se fosse, pensou, ela certamente fugiria com toda a sua carga.
Ele aguardou ansiosamente pelo dia seguinte.
Afinal, já fazia muito tempo desde que dormiu ao lado de alguém. Era impossível não ficar feliz com o doce aroma dela penetrando no cheiro forte das peles.
O cavalo relinchou, como se estivesse lendo o pensamento de Lawrence. Talvez cavalos realmente conseguissem entender o ser humano e simplesmente preferiam não falar.
Lawrence sorriu pesarosamente e fechou os olhos.
Lawrence levantou cedo na manhã seguinte. Ele era como a maioria dos mercadores que acordavam cedo a fim de extrair o máximo de lucro no dia. No entanto, quando abriu os olhos na névoa da manhã, Holo já estava de pé, sentada ao lado dele, e vasculhando alguma coisa. Por um instante, Lawrence perguntou se sua ideia sobre ela estava errada, caso estivesse, ela realmente era audaciosa. Ele levantou a cabeça e olhou por sobre ombro, parecia que ela havia ido à procura de roupas entre suas coisas e agora estava amarrando os sapatos.
“Ei! Isso aí é meu!”
Mesmo se não fosse roubo de fato, mesmo uma deusa não deveria ficar remexendo nas coisas de outras pessoas.
Holo virou ao ouvir a reprimenda de Lawrence, mas não havia sequer um traço de culpa no rosto. “Hum? Oh, você está acordado. O que acha disso? Ficou bom?” perguntou, completamente despreocupada enquanto esticava os braços. Longe de se sentir errada, na verdade ela parecia orgulhosa. Vendo ela desse jeito o deixou em dúvida, a Holo abalada da noite passada parecia algo tirado dos sonhos. De fato, parecia que a verdadeira Holo, com quem ele teria que argumentar de agora em diante, era essa coisa imprudente e agitada.
Coincidentemente, as roupas que ela usava eram as melhores que Lawrence tinha, uma vestimenta que ele guardou para negociar com os ricos comerciantes ricos e similares. A parte superior era uma camisa azul índigo por baixo de um colete de comprimento 3/4. As calças eram uma rara combinação de linho e couro, com uma saia que envolvia a parte inferior do corpo completamente, amarrado por um bom cinto de pele de carneiro. As botas eram algo raro, feitas de três camadas de couro cru, boas até mesmo para neve nas montanhas. Acima de tudo isso, ela usava um sobretudo de pele de urso de qualidade.
Mercadores se orgulhavam de suas roupas práticas e de alta qualidade. Para comprar estas, Lawrence esteve poupando gradualmente desde que era um aprendiz — isso levou dez anos. Se usasse essas roupas em uma negociação, combinadas com uma barba bem cuidada, ele teria vantagem sobre a maioria das pessoas.
E agora Holo vestia o conjunto.
Mesmo assim, Lawrence não encontrou em si raiva o suficiente para ficar irritado com ela.
Todas as roupas eram grandes demais para ela, o que só a deixava ainda mais charmosa.
“O sobretudo é preto — meu cabelo castanho faz um belo contraste com ele, hein? No entanto, essas calças — elas ficam no caminho da minha cauda. Posso fazer um buraco nelas?”
As calças que ela falou de forma tão desmerecida foram feitas por um mestre artesão apenas depois de um esforço significativo por parte de Lawrence. Um buraco provavelmente seria impossível de reparar. Ele balançou a cabeça resoluto.
“Hrm. Bom, felizmente, elas ainda são grandes. Darei um jeito.”
Holo não parecia nem imaginar que ele poderia pedir para ela tirar estas roupas. Lawrence não achou que ela fugiria enquanto as estivesse vestindo, de qualquer forma, se levantou e a olhou. Se ela fosse para a cidade e as vendesse, provavelmente faria um bom ouro.
“Você é um mercador por completo, isso é certo. Eu sei exatamente o que você pensa com essa expressão no rosto,” disse Holo, sorrindo. Ela saltou levemente da carroça.
Seu movimento foi tão despretensioso e natural que ele não teve nenhuma reação. Se ela tivesse fugido, ele seria incapaz de persegui-la.
Ou talvez ele tenha reagido porque não acreditou que fugiria.
“Não vou fugir. Se esse fosse o objetivo, já teria ido há tempos.”
Lawrence olhou para o trigo na carroça, e então olhou mais uma vez para a sorridente Holo. Ela tirou o casaco de couro de urso e o jogou de volta na carroça; evidentemente, o casaco que havia sido feito para a altura de Lawrence era grande demais para ela. Ela era ainda menor do que ele havia percebido ontem, tendo visto ela apenas sob a fraca luz da lua. Lawrence era considerado alto, mesmo assim ela era duas cabeças menor do que ele.
Então, enquanto ela olhava se o resto das roupas estavam boas, ela falou sem constrangimento.
“Então, eu desejo de viajar com você. Posso?”
Ela sorriu, mas não parecia querer lhe agradar. Se ela tentasse bajulá-lo, Lawrence sentiu que poderia ter uma razão para recusar, mas ela simplesmente sorriu feliz.
Lawrence suspirou.
Ela não parecia ser um ladrão, pelo menos. Ele não podia deixar a sua guarda baixa, mas não faria mal deixá-la ir junto. E mandá-la embora só faria a solidão constante mais difícil de suportar.
"Isso deve ser algo como o destino. Pois bem," disse Lawrence.
Holo não parecia especialmente feliz — ela apenas sorriu.
"No entanto você vai ter que ganhar seu sustento. A vida de um mercador não é fácil. Espero que a deusa da colheita abundante possa trazer abundantes moedas para o meu bolso."
"Eu não sou tão descarada a ponto de ser irresponsável. Sou Holo, a Sábia Loba e tenho meu orgulho," disse contrariada. Porém, Lawrence não era cego a ponto de pensar que ela não estava fazendo uma demonstração de indignação infantil.
Como esperado, Holo riu. "Apesar de que esta loba orgulhosa fez um espetáculo de si mesma ontem" disse ela se autodepreciando, como se seu comportamento nervoso refletisse seu verdadeiro eu. "Em todo caso, é bom conhecer você... er..."
"Lawrence. Kraft Lawrence. Quando estou trabalhando me chamam de Lawrence."
"Mm. Lawrence. Eu cantarei suas virtudes por toda a eternidade" disse Holo estufando o peito, suas orelhas de lobo se erguendo orgulhosas. Ela parecia estranhamente séria. Difícil dizer se ela estava sendo infantil ou ardilosa. Ela era como o sempre inconstante clima das montanhas.
Aparentemente, esse humor inconstante era parte da sua astúcia. Lawrence rapidamente revisou sua opinião e ofereceu a mão de cima da carroça. Era a prova de que ele realmente a reconheceu como uma acompanhante.
Holo sorriu e pegou sua mão.
Sua mão era pequena e quente.
"A qualquer momento vai começar a chover. Devemos nos apressar."
"O qu...? Por que não me disse antes?!" Lawrence gritou — alto o suficiente para assustar o cavalo. Na noite anterior não havia nenhum sinal de chuva, mas olhando para o céu, ele podia de fato ver as nuvens se formando. Holo riu dele enquanto ele fazia apressadamente as preparações para partir. Ela correu para cima da carroça e, era óbvio o suficiente para ver que, dada a facilidade com que reorganizava as peles de dormir, ela seria bem mais útil do que um aprendiz novato.
"O rio está de mau humor, melhor se afastar um pouco daqui."
Lawrence aprontar o cavalo, pegar o balde de volta e segurar as rédeas, Holo se juntou a ele no assento do condutor.
Era grande demais para uma pessoa, mas um pouco pequeno para duas. Mas para espantar o frio, um pouco apertado era melhor.
Com o relinchar de um cavalo, as estranhas viagens dessa dupla começaram.
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Atualizado até capítulo 118
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