Sangue E Honra

Sangue E Honra

Prólogo

O gosto de ferrugem e sal preenchia a boca do rapaz amarrado a uma coluna de um galpão que parecia abandonado. O gosto amargo e irritante de sangue enchia sua boca. O cinza das cores do galpão esquecido por Deus, lutando contra o laranja das lâmpadas sustentadas por uma fiação precária.

Chang não se importou e apenas lambeu o lábio sentindo o inchaço, a ferida e a quentura do sangue em sua boca. As mãos presas para trás e seus pulsos sensíveis. Sentiu a mão pesada de Dragão em seu estômago impiedosamente. E então o afago dele em seu rosto.

Os hematomas e a dor que lhe era infligidas o faziam se sentir estranhamente vivo. Os olhos castanhos não saiam dos escuros de seu algoz. O corpo de Chang estremecia sempre que recebia um soco dele, contudo, a dor se transformava em outro algo vergonhoso para Chang.

Uma leve chuva caia sobre o teto num barulho que parecia o de óleo fritando frango. E os pingos de chuva eram visíveis por falhas no telhado, invadindo o galpão e deixando o concreto sem reboco úmido dando um cheiro de terra molhada.

O cabelo curto de Chang caia sobre os olhos asiáticos numa franja. O suor se espalhava por sua pele branca. Os hematomas da surra que tomou não eram nada que o tiravam de seu estado de indiferença habitual ou o fazia implorar por misericórdia do agiota que seu pai devia. Chang até o entendia. Não o odiava. Dragão era quase um amigo porque o via todo ano e sempre no mesmo dia quando vinha cobrar sua dívida desde seus quinze. E secretamente esses encontros mais o estimulavam que o assustavam. Esperava ansioso por isso. Devia mesmo ir se tratar!

O homem de terno que o espancava tomou um longo suspiro parando a onda de socos desferidos no menino que se mantinha com um olhar sombrio no rosto enquanto mirava aquele que o torturava com curiosidade.

Dragão se intrigava com o olhar de Chang. Era viciante. Chang nunca implorou misericórdia ou argumentou que a dívida do seu pai não era a sua. Chang era alguém que intrigava Dragão.

Dragão recebeu de seu subordinado o lenço de seda branco com uma rosa negra bordada. O agiota, cansando, passou o lenço imaculado, entre as articulações das mãos feridas e também sujas com o sangue do rapaz. O branco do lenço foi impregnado pelo rubro.

— Onde está o bastardo do seu pai, Chang? - Dragão exigiu contra o pescoço do menino num rosnado que fez cada pelo de Chang se arrepiar, Dragão fingiu não notar. Prendeu os dedos na garganta de Chang, tomando ar com dificuldade enquanto sufocava o menino. Respirando bem perto da clavícula do rapaz. E encarou-o preso contra a parede e com a camisa branca de botões aberta expondo o peitoral suave e sem músculos cheio de hematomas que o infligiu.

— Se encontrar ele, Dragão… Faça um favor e diga que ele deve a minha mãe também. — O menino respondeu sorrindo e cuspindo sangue.

O agiota o mirou e negou com a cabeça como se não acreditasse na audácia do garoto. Ele tocou o rosto de Chang por um tempo sem se dar conta que o polegar foi ao lábio ferido pelo soco que o deu, e Chang tremeu o estudando. Acariciou o queixo quadrado e imberbe do menino com o polegar.

— Hoje é seu aniversário de vinte e um anos, não é? — Perguntou Dragão mudando o tom sombrio para algo mais afável enquanto fechava a mão na garganta de Chang.

Chang sentiu o coração bater rápido. O menino amarrado confirmou com a cabeça respondendo a pergunta retórica de Dragão porque pelos dedos em sua garganta sua voz não sairia. Todo ano a mesma pergunta. Todo ano a mesma surra. Todo ano a mesma inquietação em sua alma. Todo ano a mesma falta de compreensão do porque se acariciava lembrando da surra que Dragão o dava.

— Solte ele, Adônis. — O homem de terno decidiu-se encarando o subordinado que os assistia.

Dragão acendeu um cigarro e começou a fumar recostando-se contra uma coluna da infraestrutura. Chang tossiu incomodado e tomou ar. Mal tossiu, notou que o cigarro do homem foi apagado enquanto este o analisava com sua altura e porte intimidantes, o terno perfeitamente ajustado ao corpo forte. E eles trocaram um olhar profundo. Dragão desviou o olhar primeiro como se eletrocutado pela intensidade dos segredos de Chang. Chang continuou o admirando.

O jovem rapaz loiro chamado Adônis apenas foi para trás da coluna onde o rapaz foi preso e com o canivete cortou as cordas que mantinham Chang amarrado contra a coluna. O rapaz de descendência asiática assim como Dragão, agora liberto, massageou os pulsos e estudou o seu agressor com a sobrancelha arqueada. Ouviu a ordem de Dragão ecoar:

— Leve-o para uma padaria e o compre um bolo de morango com creme, Adônis. Então passe na farmácia e compre analgésicos e pomadas. Então o leve de volta para a mãe dele.

Chang encarou o homem de terno com mistas emoções em seu peito. Todo ano sempre o mesmo tratamento. Uma surra, os remédios e então um bolo de aniversário. Por que? O que era isso? Morde e assopra? Porque depois de o espancar o tratava como um príncipe e o alimentava?

— É sério. Se eu soubesse onde o bastardo do pai está, eu diria a você Dragão. Não quero problemas. Eu vou arranjar um emprego esse ano. Então se você puder esperar, eu vou pagar a dívida e você vai ter o seu dinheiro. — Chang pela primeira vez se permitiu falar algo mais responsável com Dragão. Queria que ele notasse que cresceu por alguma razão. Não era mais um menino afinal.

Chang sentiu a mão que o surrou agora afagando seu cabelo como se ele fosse um cão adorável. E Chang apesar da humilhação que sentiu por esse gesto, ofegou um pouco.

— A dívida do seu pai não é sua, criança— Dragão disse calmo e insondável. Ele encarou Adônis. — Leve esse bom garoto para comer bolo e compre tudo o que ele quiser depois.

— Sim senhor. — Adônis concordou.

— Não sou mais criança! — Chang protestou engolindo em seco. Dragão o estudou e respirou fundo. — E você não tem que me comprar bolo como antes. Mas se for, pelo menos deveria vir. Você… Bem, você…

Dragão apenas suspirou.

— Quer que eu vá então? — Dragão perguntou a Chang, o tom era outro do cortante de antes. Chang o estudou por um bom tempo. Então Dragão se viu dizendo:

— Não. Esquece. Eu…

— Eu quero que venha! — Chang deixou escapar.

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Comments

Soraya De Fátima Souza

Soraya De Fátima Souza

Que horror que pai e esse que deixa o filho apanhar em todo aniversario' e não paga as dividas

2024-01-13

0

Daniela Rodrigues

Daniela Rodrigues

ele

2023-06-02

0

Ver todos

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