Capítulo 4

Isabel.

Murilo ouvia atentamente o que o velho falava do outro lado do telefone, até que ele disse:

— Senhor Anthony, o que deseja saber?

Nesse momento a minha curiosidade falou mais alto, me aproximei do Murilo e falei no seu ouvido:

— Põe celular no viva—voz, agora!

Ele me encarou incrédulo com as minhas palavras, retirou o telefone do ouvido e colocou no viva voz.

— Dr. Murilo? Está me ouvindo? — Disse uma voz grave do outro lado da linha.

— Estou sim. Pode falar. — Respondeu Murilo.

—O valor da quebra de contrato pode ser reavaliado? Não irei pagar tão caro somente para não casar com uma interesseira. 

— Não pode ser reavaliado. 

— Mais que droga! O que eu tenho a ver com isso?

— Foi assinado por seus pais. Tudo que é deles e tudo que é seu está em jogo. As coisas da garota, irão pro parente mais próximo. 

— Por qual motivo isso não vale para mim?

— Você tem algum parente próximo? Que eu saiba não. Então tudo iria para o seu pai. Por isso, ou paga a multa ou perde tudo. Ou simplesmente casa, resolve os problemas de todos.

— Injusto isso! 

— Bom, agora tenho um compromisso. Tenho que desligar.

O homem agradeceu e desligou o celular. Murilo me encarou e deu de ombros. Esse homem só pode estar de sacanagem com a minha cara. 

Já estava quase na hora do almoço, Murilo disse que iria almoçar e voltava para leitura do testamento, eu e Gabriela pedimos almoço pelo aplicativo e após comer e limpar tudo, fui para o meu quarto descansar um pouco. Esses dias eu não estava dormindo direito, por isso estava me sentindo muito cansada.

Acabei pegando no sono, acordei com batidas na minha porta, me levantei e abri a mesma. Gabriela estava parada me olhando.

— já está pronta? — Perguntou.

— Vou me arrumar rapidamente, desço em 10 minutos. — Disse indo em direção a janela — Ele já chegou?

— Quem? O seu tio? 

— Sim, quem mais seria?

— Oh! Desculpa amiga. Seu tio ainda não chegou.

— Você sabia de tudo, não é? — Questionei ainda olhando para a janela.

— Claro que não amiga, como saberia de tal loucura? E se eu soubesse, teríamos fugido.

— Fugido como? Eles estavam falidos, daí jogaram-me num casamento de merda.

— Não fica assim, vamos resolver isso, está bem?

— Tudo bem. Enquanto não chegar o dia do casamento, não quero conhecer este rapaz, caso eu me case mesmo. 

— Vai casar com ele sem ter visto uma única vez? — Perguntou.

— Ora, que diferença faz? Não terei que casar de qualquer maneira? — Disse virando-me e para encará-la — Vou me casar e me divorciar com algum tempo.

— Como quiser. Mas não seja uma interesseira, como ele mesmo já disse na ligação.

— Não serei, irei pensar melhor na possibilidade. Agora se me der licença, vou me arrumar.

— Tudo bem. Estarei lhe esperando lá embaixo. — Falou se virando para sair.

Eu apenas assenti com a cabeça confirmando.

Me virei para o meu guarda—roupas, escolhi uma aparência totalmente preta, óculos escuros. Fiz uma maquiagem simples para a ocasião e decidi deixar meu cabelo solto.

Em silêncio desci as escadas com Gabriela, enquanto os olhares daquela sala se voltavam para mim. Estava Murilo, uma mulher aparentando ter uns 45 anos, que deveria ser a mulher do meu tio, e outros dois homens que eu não conhecia, deveriam ser as testemunhas.

Em pouco tempo, o Dr. Murilo ficou à frente de todos, temperou a garganta pegando o papel à sua frente.

— Boa tarde a todos! Eu sou o advogado da família e a partir de agora darei início a leitura do testamento.

—  Eu, Miguel Koch Batchelor, que me encontro em uso e gosto das minhas faculdades mentais, livre de qualquer sugestão, inutilmente ou causão, deliberei fazer este meu testamento particular, datilógrafo. E com observância das regras estáticas pela Legislação Pátria Vigente, exauro minhas últimas vontades, declarando o seguinte.  — temperou a garganta. — Possuo somente um descendente vivo. ISABEL MASIOLI BATCHELOR, de modo que de minha livre e espontânea vontade disponho por este testamento a totalidade de meus bens, que neste momento são: Cadernetas de poupança junto a minha companheira, cafeteria Masioli e uma casa no interior da cidade. O presente testamento logo após a minha morte, deverá ser levado em registro, inscrição e cumprimento competentes. 

— Este documento está errado! — Gritou a mulher com a cara mais feia do mundo.

— Não há erros, senhora. — Respondeu Murilo.

— Claro que há. Como meu cunhado não nos deixa nada? — Perguntou com fúria nos olhos — Era só o que me faltava!

— Não era de sua vontade. Afinal, quem deveria estar aqui era o senhor Maurício! Bom, tenho outro assunto para tratar com vocês. — Murilo disse me olhando.

O meu coração acelerou, eu já sabia qual era o outro assunto e pela reação daquela mulher, eu esperava o pior.

— Não sendo nada inútil, diga de uma vez. — Ela respondeu exaltada.

— Bom, como Isabel tem 17 anos, ficará com o parente próximo, como uma tutela provisória. Assim que completar 18, os advogados entrarão em contato. Sendo assim, o senhor Maurício e Eliana, ficarão a dispor dos cuidados da garota.

— Além de não receber nada, terei que cuidar da menina? É um inferno mesmo! — Gritou.

— Sim. Tem um documento. — Murilo disse calmo.

— Tá, tá.. — Disse se virando e me encarando — Arrume suas coisas, amanhã mesmo você pode ir.

Apenas confirmei com a cabeça, fui em direção às escadas e subi para o meu quarto em silêncio. A sensação que eu tive há uns dias de que iria acontecer algo ruim, nem se compara ao sentimento que se instalou no meu peito.

O resto da tarde eu passei no meu quarto lendo, pensando nos pais e na falta que me fazem. Já à noite, fui até a cozinha e comi uns biscoitos com leite. Depois voltei do meu quarto, tomei um banho para relaxar, me deitei e dormi.

De manhã, tomei banho e desci para tomar meu café da manhã. Após isso, voltei para o quarto e peguei minha mala, começando a arrumar as coisas na mesma. Depois de tudo pronto, fiquei olhando o jardim pela janela.

— Isabel! Já terminou de arrumar suas coisas? — Gabriela gritou do pé da escada.

— Já sim, Gabi! Tudo pronto. — Gritei de volta.

— Está quase na hora do táxi chegar, se apresse.

— Estou indo mulher, calma. — Falei enquanto fechava a porta do quarto.

Peguei a mala e uma bolsa de ombro e fui descendo com as malas. Não estava nem um pouco animada para essa viagem, mas tinha ciência que faltavam apenas 6 meses para eu completar 18 anos sair de lá.

— Quanta coisa! — Exclamou. — Uma pena eu não poder visitá-la. Talvez nem o Victor possa, sabe que não apoio esse namoro, né?

— Espero que eles não proíbam meu namoro. Agora que descobri esse "contrato", não sei se poderei ficar com o Victor.

— Tem isso também, porém, você pode abandonar tudo ou ficar com o seu noivo, que deve ser um pedaço de pecado.

— Não pense nisso, isso me parece arriscado. Para abandonar, preciso de grana, e o Victor, ele está estranho comigo, não sei se isso é bom ou ruim. Sinto que não vamos ficar juntos tanto tempo.

— Olha, decida o que você quer. Você sabe o que penso sobre esse Victor, se está sentindo isso, veja se é realmente o que quer para sua vida.

— Vou pensar, Gabi. Mais uma vez, obrigada por tudo. 

— Eu irei voltar pro meu apartamento. A casa aqui será entregue a hipoteca, parece que venceu.

— Já esperava por isso, mas está tudo bem. Vou tentar ir te visitar.

Nos despedimos e me afastei saindo de casa, o táxi já me aguardava na entrada. No meio do caminho, o táxi parou, pro meu total estresse. O que me fez descer e esperar por outro. 

— Que droga! — disse baixo.

Desci o caminho puxando as malas e parei no ponto de táxi próximo, segurando entre as mãos um papel com o endereço escrito. Respirei fundo, desviando de um grande grupo de pessoas cheias de sacolas.

— Cuidadooo!

Uma voz distante gritou, mas nem deu tempo de olhar para a pessoa, pois logo esbarrei em algo gigante que me fez perder o equilíbrio. Todas as minhas malas estavam prontas para irem ao chão.

— Ah! Não! — choraminguei.

A bolsa deslizou devagar em meu ombro e não teve mais jeito, estava tudo no chão e eu quase...

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