ADEUS A LINDA

Após termos dormido juntos na casa de Silas, encontrei-me com Linda em mais duas oportunidades, até que ela sumiu de uma vez, como se não mais existisse no planeta.

Na verdade, talvez, ela nem tivesse desaparecido para as outras pessoas, mas eu que tivesse deixado de enxergá-la. Eu sempre tive essa aptidão por não ver pessoas que não me interessassem. Já na minha infância e adolescência eu utilizava esse dom para não sentir vergonha de vender meus pastéis na rua, já que eu precisava vende-los e não suportava ver meus ricos colegas de escola passarem me olhando, apontando e, alguns, até sorrindo. Eu tinha que não enxergá-los para prosseguir a minha vida. Já quando me tornei executivo, utilizava esse poder para somente enxergar pessoas ricas, que pudessem fazer o meu tempo se converter em valores, pois eu não via sentido em perder tempo com pessoas que não me dessem lucros. É triste, mas eu fui assim por alguns anos. No caso de Linda, eu achei estranho porque não tive razão para cultivar nenhum sentimento capaz de criar um filtro contra ela, mas, enfim, fato é que nunca mais a vi, e se a vir nos dias de hoje, é provável que não a reconheça.

Mas, voltando a falar dos nossos encontros, gostaria de narrar cada um dos dois, detendo-me mais no primeiro, que foi mais longo, porém, já estou ávido por chegar no segundo que, aliás, foi o encontro mais maravilhoso e importante que tive em toda a minha vida.

O primeiro encontro se deu no centro da cidade, no meio da semana seguinte àquela em que deixei meu carro com Ana e Elvira. O veículo ainda estava com elas.

Sai do trabalho e andava em direção à imobiliária para encontrar um tal de Vasconcelos que teria um apartamento para alugar.

[Alguém atrás de mim] - Hum, agora sei que vou tomar uma bela dose de uísque.

Olhei e me deparei com Linda.

[Eu] - Oi, tudo beleza? Está a fim de beber alguma coisa mesmo?

[ Linda] - Sim. Como já falei, quero um uísque. Do mais caro. Você vai querer o quê, Nalva?

[ Nalva] - Eu? Nada. Sei lá, o cara nem me conhece...

[Eu] - Se for esse o problema...

[Nalva] - Não. O problema não é só esse, não. Tem ainda que eu não quero atrapalhar nada.

[Eu] - Se a sua presença atrapalhasse alguma coisa seria porque, ou você tem a energia muito ruim, ou então a tal coisa já tivesse nascido atrapalhada. Mas, como você é muito simpática, acredito que daí não saia nada de negativo.

[Nalva] - Você falou muito bem, porque minha energia é brutalmente positiva. E eu já gostei de você, que já veio logo levantando o meu moral com essa ideia cheque-mate.

[Eu] - Pronto. Então vamos procurar um lugar por aqui mesmo porque eu estou sem carro.

[Linda] - Se tu vê o carro desse cara, Nalva! Eu me senti dentro de uma nave espacial quando entrei. Cadê ele, tá na oficina?

[Eu] - Não. Está emprestado.

[Nalva] - E tu já entrou no carro do cara? Alguma coisa em troca eu sei que tu não deu.

[Linda] - Você é a pessoa mais especial que conheço, Nalva, mas tem hora que tu fala demais.

[Nalva] - Desculpe, amiga. Não estou mais aqui.

[Eu] - Tem o barzinho de Regi na rua detrás dessa loja. É muito frequentado pelos meus colegas de trabalho.

[Linda] - Então é nesse barzinho mesmo que vamos, porque lá, com certeza, tem o melhor uísque.

Tinha, realmente, o melhor uísque, ou seja, a bebida que Regi apresentou como o seu melhor uísque refletiu-se como algo excepcional no paladar das meninas. Ele trouxe de algum lugar de fora de suas prateleiras e elas se esbaldaram. A conta foi muito alta, mas eu não estava ali para limitar gastos.

Naquele dia, aproveitei o fato de não estarmos sozinhos e cuidei para não insinuar que eu quisesse sair dali para algum outro lugar de maior intimidade com Linda, todavia, como a aparência e os trejeitos dela eram condizentes com o seu nome, embora eu lutasse, não conseguia resistir aos seus encantos e tinha uma sensação de perda muito grande quando pensava em sair dali e deixar claro que não mais a procuraria e, por isso, acabei não fechando completamente aquela porta, conservando-a semiaberta para, quem sabe, em algum outro momento adentrar sem dificuldades.

[Eu] - Nos veremos novamente?

[Linda] - Se você quiser...

[Nalva] - Você vai querer, não é?

[Eu] - Vou jogar a responsabilidade para ela. Se ela ligar...

[Linda] - Eu tenho seu número. Pode deixar.

[Nalva] - Pode deixar, Julião, que ela vai ligar, sim. Nem que eu tenha que dar uma surra nela.

[Eu] - Ah, não, Nalvinha. Só serve se ela decidir por conta própria.

Não demorou cinco dias e Nalvinha ligou. Disse que era a mando de Linda e que era para nos encontrarmos.

[Eu] - Você vai também, não é?

[Nalva] - Se você está me convidando eu vou, sim. Não é todo dia que tenho oportunidade de tomar um uísque daquele. Mas não se preocupe, no momento em que vocês quiserem ficar sozinhos é só se mandarem que eu me viro para tomar meu rumo.

[Eu] - Qualquer coisa eu te deixo onde você quiser ficar. Já estou com o meu carro.

[Nalva] - Com a nave espacial?

[Eu] - Sim, a nave espacial. Então é para quando?

[Nalva] - Ela disse que pode ser hoje a noite.

[Eu] - Certo. Em que lugar?

[Nalva] - Ela pediu para você passar na casa dela.

Naquele dia eu saí do hotel preparado para ter com Linda uma conversa em que ficaria estabelecido que seríamos apenas bons amigos. Era bem verdade que não tínhamos nenhum compromisso selado e que muitos homens, naquela situação, nem se sentia compelido a sequer ter conversa alguma para explicitar ou justificar nada, mas eu queria firmar aquela amizade daquela forma, estabelecendo que poderíamos nos encontrar sempre e sem a intenção de irmos posteriormente parar numa cama.

Fiz uma curva para entrar na rua em que Linda morava e ainda vi quando ela entrou na casa. Ela não me viu, pois caminhava no mesmo sentido do meu carro, de costas para mim. Estacionei, desci e chamei. Um rapaz mais jovem e muito parecido com ela me atendeu, perguntou meu nome e disse que iria chamá-la. Contudo, voltou dizendo que se enganou quando pensou que ela estivesse em casa.

[Eu] - Ok. Tudo bem. Você tem certeza de que procurou direito?

[Jovem] - Tenho. A casa não é tão grande assim. Sanitário aberto e tudo.

[Eu] - Valeu.

Esse fato se deu, se não me engano, numa terça-feira e, ao sábado eu estava com Eliot, que tomava um uísque, enquanto eu tomava uma cerveja bem devagarinho. Esperávamos Valadares, que, aliás , foi quem marcou o encontro. Silas também teria sido convidado, mas não podia comparecer, pois estava de plantão no hotel.

Estavamos no boteco do famoso Rangel, do outro lado da rua que tangenciava a grande e turística lagoa de Florânia. Ele servia um negócio de uma tripa suína, algo bem crocante, que era o xodó da galera. Eu não gostava muito porque a mastigação era deveras barulhenta.

Determinado momento vi Luciana passar do outro lado da lagoa com uma amiga. Havia muita gente e uma poluição sonora, porque cada barzinho, que eram muitos, colocava a sua música. Levantei-me e tentei acompanhar a trajetória dela com o olhar para que, quando ela fizesse o contorno e estivesse do mesmo lado que eu estava, eu a chamaria para sentar-se conosco. Silas não estava mas. quem sabe a irmã não o substituiria à altura? Mas, para bem visualizá-la eu tive que atravessar a rua e ficar bem à margem do lago, sobre um largo passeio que chamavam de orla. Ali eu podia ver se quando chegasse ao final da lagoa se ela iria fazer o contorno ou se seguiria pela rua transversal àquela em que eu estava e, assim, não passaria por mim.

Ela não passou, mas antes de voltar à mesa, ainda olhando para o final da Lagoa, vi Linda sentada diante de uma mesa com algumas pessoas. Contava-se uns trinta metros de distância. Fui lá para dar meus cumprimentos.

[Eu] - Oi.

Falei diretamente com ela sem olhar no rosto de ninguém que estava ao seu redor. Nem Nalva, que a abraçava e, portanto, estava muito próxima, eu tinha visto.

[Linda] - Oi. Tudo beleza?

[Eu] - Beleza. Fui a sua casa Você mesma foi quem marcou e depois não quis me receber?

[Linda] - Meu irmão me disse mesmo que você esteve lá.

[Eu] - Mas você estava lá.

[Linda] - Eu mesma não...

[Nalva] - Estava, sim, Julião. Deixa logo eu bater a real porque você é um cara nota dez. Aquele encontro, a gente tinha marcado porque eu queria que ela lhe dissesse logo que nós duas formamos um casal. Nem eu, nem ela curte homem, não.

Como eu disse, aquele foi o último encontro que tive com Linda, mas foi o encontro mais importante da minha vida.

[Eu] - Sem problemas. Cada um na sua. Vou indo, então.

Girei o corpo para voltar à companhia de Eliot.

[Alguém] - Mas já eu adoro homem, moço. E gostei de você.

Em princípio, vindo a voz da mesa, eu não queria dar ouvidos e nem tinha entendido direito o que foi dito, mas a voz me intrigou e me fez voltar o rosto para olhar. Os cabelos estavam maiores e já um tanto encaracolados; os olhos estavam fechados pelo efeito do álcool, mas, enfim, era Eloá.

[Eu] - Repete aí, você gostou de mim?

[Eloá] - Gostei. Mas não vai dar lance, não, porque já sei que você é muito legal e eu sou ladra e putona.

[Uma moça da mesa] - Mentira, moço. Ela é doidinha, mas de puta e ladrona aí não tem nada.

[Eloá] - Estou avisando que eu sou puta, ladra e problemática.

[Eu] - Sem problemas. Podemos conversar.

[Eloá] - Agora não. Estou bêbada. Se quiser conversar comigo é amanhã, cinco horas da tarde. Espero você na frente da secretaria da fazenda. Sabe onde é?

[Eu] - Sei. Mas a gente não pode falar nada agora? Vamos dar uma saída.

[Eloá] - Eu já disse que não. Estou bem mais bêbada do que você está percebendo. Hoje não, Amanhã, porque não quero que você me conheça assim. Estou indo embora, você paga minha parte aí que eu vou caminhando sozinha, por aquela rua e nem caia na besteira de me seguir. Estamos acertados para amanhã?

[Eu] - Claro.

[A mesma moça que falou anteriormente] - Não vá mesmo atrás dela, não, moço. É melhor não ir, mas escreve aí que de puta, ladrona e problemática aquela ali não tem nada.

[ Outra moça] - Pode pagar dez cervejas que a parte dela fica quitada. Ok?

[Eu] - Pode deixar que eu fico com a conta toda para mim, ok?

[Todas] - Valeu!

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!