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Os olhos dela foram diretamente para a mesa lateral contra a parede, oposta ao sofá de couro branco. O frasco “peregrino” de porcelana chinesa ainda estava lá, pequeno e modesto, sua beleza delicada não notada pelos outros quatro ocupantes da sala iluminada pelo abajur.

Sarah se aproximou do homem relaxado no sofá. Sabia que ele tinha trinta anos, mas Michael Watson, ou “Ryan”, parecia anos mais jovem, o rosto fino quase sem forma em sua falta de personalidade. Ele aceitou a bebida que Sarah lhe entregou, com um sorriso tolo e mão trêmula.

— Desculpe fazê-lo esperar, mas está uma loucura lá fora — murmurou ela.

— Sem preocupações, querida. — Ele pegou a garrafa de cerveja também, e Sarah o estudou. Ryan estivera apenas bêbado quando ela partira, mas agora estava bastante alterado, julgando pela expressão do seu olhar. Havia uma loira de cabelos pintados sentada em seu colo, que a fitou com superioridade e apontou para o drinque na mão de Sarah.

— Eu fico com esse — disse.

Ryan fez um brinde incoerente com a garota em seu colo, e com a ruiva e a morena, uma de cada lado... as três mulheres com quem vinha se divertindo a noite toda. Tipicamente, parecia não lembrar do nome de nenhuma delas, mas dirigia-se a todas como “querida”. Ele ergueu o copo e disse:

— Saúde, garotas!

Todos riram, exceto Sarah, que percebeu que havia perdido algo que a tornara a estranha do grupo. No momento, todos a ignoravam, mas ela não sabia se podia confiar em que aquilo duraria. Pelo menos, tinha certeza de que nenhum deles poderia ser considerado testemunha confiável, se algo desse errado.

Consciente de que ainda tinha de fingir,

Sarah assumiu uma expressão zangada e moveu-se sobre a bolsa que deixara atrás de uma poltrona branca. Fez uma grande encenação de irritação enquanto cuidadosamente vasculhava a bolsa, murmurando dentro do couro preto abafado. Quando achou um batom barato e um espelho compacto, Ryan tinha começado uma de suas histórias sem sentido, e as três mulheres estavam em volta dele como cobras. Sarah aproximou-se mais da mesa com o frasco.

Bloqueando a vista do sofá com suas costas, abaixou a bolsa aberta ao nível da superfície polida. Como coração disparado, enfiou a mão e retirou a tampa da caixa do centro da bolsa com uma grossa almofada de plástico-bolha. Seus nervos estavam à flor da pele, mas ficou orgulhosa ao ver que a mão estava firme. Acostumada a manusear objetos finos e frágeis, seus dedos delgados removeram as camadas de lenço de papel e ergueram o pequeno frasco branco e azul de seu ninho macio.

Com um movimento suave que praticara repetidas vezes no estúdio de sua casa, colocou o frasco abobadado no topo da mesa com delicada precisão, e quase simultaneamente pegou o que estivera ali. Era pequeno o bastante para caber na palma de sua mão, mas mesmo assim segurou-o com a ponta dos dedos. Com um tremor, seus olhos profissionais encontraram e traçaram uma linha quase imperceptível que indicava uma rachadura restaurada inadequadamente. Já estava começando a desbotar, e com o tempo ficaria óbvio até para os leigos. A raiva a assolou momentaneamente enquanto olhava para a evidência da traição que sofrerá.

Percebendo um súbito silêncio atrás de si, rapidamente guardou o frasco na caixa preparada dentro da bolsa, olhando de lado para encontrar um par de olhos azuis familiares que a observavam da porta, condenando-a.

O pavor congelou-lhe o semblante, enquanto seus dedos continuavam a trabalhar cegamente, embrulhando a porcelana em camadas de lenço de papel e recolocando a tampa na caixa. Ela viu o estranho olhar do frasco sobre a mesa para sua mão, quando esta foi retirada de dentro da bolsa, inocentemente segurando um porta-batom.

Havia quanto tempo ele estava parado lá e o quanto vira realmente? Aqueles olhos gelados haviam assistido ao processo inteiro da troca, ou ele acabara de chegar e percebera apenas seus movimentos furtivos?

Infelizmente,  ele parecia estar completamente sóbrio, porém, as   aparências podiam enganar. Devia ter cerca de trinta anos, quase dez mais velho que Sarah, e as feições pálidas e angulares eram repletas de arrogância.

Ele seria tão austero e tedioso quanto a aparência sugeria? Se assim fosse, o que estava fazendo numa festa como aquela?

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Comments

Gabriela Santos

Gabriela Santos

Muito interresante

2023-09-13

5

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