Grande parte do charme devia-se aos esforços da falecida esposa de Adrian, Rose, que tinha sido uma ávida jardineira e dona de casa. Ela também fora uma apaixonada colecionadora de porcelana chinesa, e regularmente enviava peças a Bells Restorations para conservação ou restauração.
Sarah parou ao lado da garagem em formato de estábulo holandês e desceu para tirar uma grande caixa pesada do abarrotado banco traseiro.
O ar estava carregado com os aromas doces do início do verão, e, com prazer, ela inalou profundamente. Aquilo era uma bênção para seus pulmões, depois do ar poluído que respirara mais cedo naquela manhã. Sarah parou para apreciar a vista panorâmica, que era visível entre o estábulo e o canto da casa. Olhou em direção às praias isoladas ao longe, e não pôde evitar medir a distância entre um grupo de iates atracados e um pedaço de terra particular.
É claro, não podia distinguir a casa de tamanha distância, mas sabia que, em algum lugar por ali, estava o telhado azul da residência Watson. Fazia dois anos desde a troca do frasco de porcelana chinesa, mas ela ainda se lembrava de cada segundo daquela festa obscena, como se fosse ontem. Tivera pesadelos por semanas antes e depois da perigosa aventura, e até hoje, às vezes, acordava transpirando de medo. A ameaça de ser descoberta tinha acabado com o passar do tempo, mas Sarah nunca conseguira se livrar da culpa de ter trapaceado o destino, e ainda sentia um nó no estômago cada vez que passava pela área. Se aprendera algo sobre si mesma naquela noite era que não tinha nascido para ser criminosa!
Fechando a porta do carro com o quadril, carregou a caixa até a porta da frente e usou o cotovelo para tocar a campainha. Enquanto esperava, tirou os sapatos cobertos de fuligem e verificou a sola de suas meias brancas de algodão.
— Olá, sra. Moore. — Ela sorriu para a mulher séria que abriu a porta. — Espero que não ache que eu deveria dar a volta e entrar pelos fundos com esse pacote!
Os olhos escuros de Kay Moore continuaram cautelosos enquanto ela dava um passo atrás para deixar Sarah entrar.
— Ele a está esperando durante toda a manhã, srta. Bells — disse ela em tom de crítica.
Sabendo o quanto a governanta protegia seu patrão, há muitos anos, Sarah resignou-se. A sra.
Moore trabalhava para os King por mais da metade de seus sessenta anos, e ganhara o direito de se sentir proprietária.
— Desculpe o atraso, mas finalmente tive permissão de voltar ao meu estúdio e ver se havia algo que eu pudesse salvar — explicou ela, pondo a caixa no chão, do lado de dentro da porta. — Levou mais tempo do que previ. Eu ia ligar do carro para avisar o sr. King que estava a caminho, mas então lembrei que meu celular perdeu-se no incêndio.
O jogo de compaixão funcionou. O semblante da sra. Moore suavizou-se levemente com a lembrança da perda catastrófica de Sarah.
Ela inclinou a cabeça em direção ao fundo da casa.
— Ele está no escritório.
O espaço ainda era chamado de escritório, apesar de que agora poucos negócios eram conduzidos dentro daquelas paredes. Adrian King tinha vendido sua rede de lojas de ferragens dez anos atrás, durante a primeira batalha bem-sucedida que sua esposa travara contra o câncer. O fato de que tivera mais oito anos da companhia de sua adorada Rose, antes de o câncer retornar de forma mais agressiva, havia justificado a decisão de Adrian de se aposentar. Mas, desde a morte dela, esforçava-se para encontrar um propósito na vida e preencher o vazio em seu interior.
— Obrigada. Posso deixar essa caixa aqui, por enquanto? — perguntou Sarah. Se iria trabalhar lá pelas próximas semanas, não seria bom ter problemas com a sra. Moore. Sarah sempre se dera bem com a mulher mais velha, por isso estava um pouco perplexa pela recepção fria.
A sra. Moore olhou para a caixa de papelão.
— Suponho que o resto de suas coisas esteja no carro?
Havia uma ponta de acusação naquela pergunta? Sarah ficou mais intrigada.
— Bem, algumas delas, mas as deixarei lá até que saiba onde vou colocar tudo. Quando o sr. King fez a oferta, foi vago sobre os detalhes...
O que, pensando nisso agora, não combinava
com ele. Com 75 anos, podia não ter mais a mesma força física com a qual construíra seu império, mas não perdera nada de sua acuidade mental.
A sra. Moore suspirou.
— Bem, é melhor você ir descobrir, então. Ele está extremamente ansioso pela sua chegada. Ficar em tal estado não pode ser bom para o coração do homem.
— E com tal observação que instigava culpa, ela virou-se em direção à cozinha, mas parou para acrescentar:
— Aceita uma xícara de chá?
— Obrigada, eu adoraria — disse Sarah, sorrindo alegremente. — Tomei café-da-manhã com pressa, e não bebi mais nada depois. Minha boca está seca, acho que devo ter engolido cinzas quando separei as coisas na casa.
— Você realmente não parece em seu melhor estado.
Ah, seria aquela a causa da recepção fria da mulher?, perguntou-se Sarah, ciente de que, de jeans e camiseta larga, devia parecer mais com uma adolescente suja do que uma mulher madura de 26 anos. Geralmente se vestia com cuidado para fazer uma visita, tentando apresentar uma imagem de profissional confiante. Porém, uma vez que estava lá para trabalhar, e não para se socializar, precisava de alguma coisa prática e resistente. Como grande parte de seu guarda-roupa fora literalmente queimado no incêndio, suas escolhas eram limitadas. A calça jeans, por exemplo, tinha sido comprada na época em que seus quadris eram menos generosos...
— Sarah... aí está você!
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Atualizado até capítulo 58
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