CAPÍTULO 4

Eu estava sorrindo. Tinha um livro no meu colo, ele estava com a capa virada para baixo, o que me impossibilitava de saber qual era. O sol estava forte lá fora, minha mãe olhava para mim, ela estava esperando alguma coisa, mas eu não sabia o que era. O que ela queria? Meu pai também olhou pra mim, ele falava algo mas eu não conseguia entender, o que ele queria? Eles começaram a ficar com um olhar triste, eu não entendia o que eles queriam de mim, balanço a cabeça, apertando meus olhos.

 Não conseguia entender e então senti um impacto forte... 

Como você continua seguindo em frente quando seu coração está quase parando?... 

Eu não sei o que me acordou; o despertador ou o pesadelo com o acidente. Isso estava acontecendo algumas vezes nas últimas semanas, o que era desesperador, porque eu não sabia o que eles queriam de mim. E logo em seguida vinha o impacto e tudo ficava escuro e sem vida, e então aquela sensação de sufocamento me acordava. Meu coração acelerado. 

Levantei sem disposição alguma para ir à escola, esses pesadelos estão acabando  comigo, mas não consigo falar para ninguém. Sophie e a família dela tem feito tanto por mim que eu não quero falar nada para que eles não precisem se preocupar, não quero ser um problema ainda maior. Uma hora isso vai parar, ou diminuir pelo menos. 

Me arrumo mais devagar do que de costume, demora um pouco mais do que eu esperava para o efeito do pesadelo desaparecer. Olhando para minha grade de horários percebo que hoje é aula de química, sinto meu coração apertar quando lembro que minha mãe sempre me ajudava nas lições de química, por isso eu gostaria de ter uma desculpa para não ir à essa aula, mas eu não tenho. 

E é por isso que depois de tomarmos café, sou obrigada a sair de casa e ir para a  escola com James. 

Chegamos na escola depois de uma breve parada para pegar Erin; sigo com Libby até os armários, preciso pegar os livros das primeiras aulas. Coloco a chave no cadeado e um arrepio estranho passa pelo meu corpo, quando abro meu armário encontro um envelope azul quase igual aos que minha mãe costumava usar, havia apenas uma diferença, esse envelope tinha desenhos em auto relevo quase imperceptível para quem olhasse rápido demais. Eram galhos e flores que rodeavam todo o envelope, mas era tão imperceptível que você não notaria se olhasse rápido demais 

Uma curiosidade bateu em mim. Aquilo com certeza não estava lá ontem, vasculhei meu armário atrás do celular que já não estava em lugar nenhum. Aquela situação era para lá de estranha, e contrariando tudo o que meus pais me ensinaram eu peguei o envelope e pus na minha bolsa para que pudesse ler mais tarde. 

Estava fechando o meu armário quando Davie parou ao meu lado. Ele era um cara bonito, se tivéssemos em outra situação e não em uma que os meus pais morreram, com toda certeza a Lílian de antigamente seria caidinha por ele. 

_Hei Lílian, como vai? 

Pensando em tudo o que tinha me acontecido, que vinha sentindo em alguns momentos e como se não fosse pouco, aqueles pesadelos idiotas, eu não estava nada bem, mas a resposta que saiu dos meus lábios foi totalmente diferente, na verdade foi uma grande mentira. 

_Bem e você? 

_Ótimo. Então, mais tarde vai ter o primeiro jogo da temporada, eu gostaria que você viesse. 

_Claro, vou pensar no assunto. 

_A Libby com certeza vai...você pode ir com ela. 

_Claro que sim, obrigado pelo convite.

_Não foi nada. 

Ele dá um sorriso que confirma minha teoria de que se fosse em outro momento eu teria ficado caidinha por ele, e então ele sai andando. 

_O quê que foi isso? 

Libby fala me assustando 

_Isso o quê? 

_Como assim? 

_O Davie estava babando em você, o que ele queria?. 

_Ele veio me convidar para ir ao primeiro jogo da temporada. 

_Hum, o Davie nunca convidou nenhuma menina antes, sabia? 

_Não Libby, não sabia. Você vem? 

_Claro, além do meu melhor amigo ser o capitão do time meu irmão é o treinador, e vai por mim, Dylan faz questão que todos estejam lá. 

Meu estomago revirou com a menção do nome dele, me lembrei da noite que ele estava na cozinha, e de ontem quando ele estava cantando baixinho para ninguém escutar mas eu escutei. Foi estranho descobrir que aquele cara do aeroporto que fez meu coração bater mais rápido era meu primo. 

Que droga, ele era meu primo... 

                                      

                     ********************* 

A aula correu normalmente, não me esforcei o suficiente para entender o que o professor de Química estava falando. Posso imaginar a cara de reprovação que minha mãe faria se soubesse que estava fazendo algo desse tipo.  

Abro um sorriso quando lembro o jeito que ela falava comigo para prestar atenção na aula, que eu não era burra para não entender o que o professor estava explicando. 

O resto das aulas foram tranquilas, menos insuportáveis do que Química.

Chegamos em casa morrendo de fome e Sophie já havia terminado de fazer o almoço. Comemos todos juntos, ela não abre mão disso, mas Dylan não tinha ido almoçar, e ninguém parecia saber o motivo. Depois que terminei o almoço subi para o meu quarto para rever a matéria de química, eu não tinha mais minha mãe então eu estava por conta própria agora. 

E se tinha uma coisa que eu precisava fazer era estudar Química. 

Fechei a porta do quarto para bloquear o barulho que vinha lá de baixo, peguei minha mochila e me sentei na escrivaninha, quando puxei meu caderno o envelope azul caiu no chão. Me lembrei que tinha guardado ele ali para ler depois. Peguei com cuidado, como se fosse me infectar de alguma forma, com medo do que iria encontrar, com medo de ser algo pessoal de outra pessoa, mas a curiosidade venceu

Quando abri o envelope e tirei a folha de lá de dentro, passei os olhos pelas letras incrivelmente lindas e comecei a ler a carta. 

_______________________________________________

Hei garota!!

 Sei que você não sabe quem eu sou, contudo, preciso que você confie em mim. Eu sei o quanto isso é pedir muito, já que você não sabe em quem está confiando, mas por favor tente confiar em mim. Eu vi algo em seus olhos, eu percebi a tristeza que está te consumindo, eu percebi como você está se perdendo por dentro, e acredite Lílian, isso não é uma coisa boa. 

Eu quero ser seu amigo, e eu prometo não contar nada para ninguém, nada daquilo que você me confiar, estará sob minha proteção até que você esteja pronta para contar para alguém além de mim. Mas tudo bem, guardarei mesmo que você nunca queira contar a mais ninguém . 

Eu quero estar com você, eu sei o quão maluco isso parece ser, mas eu quero ser o fiador dos seus segredos, seu melhor amigo, a pessoa que você confia para ser quem você realmente é, para contar tudo o que você está sentindo. 

Eu só quero ajudar nas cicatrizações das suas feridas. 

Eu só peço por favor... 

CONFIE EM MIM LÍLIAN 

PS: não vou te deixar enquanto não obter respostas suas, pode deixar no seu armário que irei pega-las. Acho que você não quer receber cartas assim como o Harry Potter não é? 

Não duvide de mim faria um trabalho tão bom quanto as coruja de Hogwarts                                                 D.C

_______________________________________________

 Abri um pequeno sorriso com a menção de Harry Potter, a primeira coleção de livros que meus pais me deram de presente, me levaram ao cinema para ver todos os filmes. 

Havia lágrimas escorrendo pelo meu rosto. As perguntas explodiam na minha mente, todas elas sem resposta. 

Qual era o significado disso tudo? Quem me enxergou além do sorriso forçado, quem enxergou a escuridão dentro de mim? Quem havia escrito aquela carta? 

                                 

                      ******************

 Como alguém pode ter enxergado aquilo que eu tentei esconder tão bem? 

Essa pergunta não saía da minha cabeça nenhum segundo sequer. Ela ficava sendo repetida na minha mente incontáveis  vezes, e ainda não consigo entender como alguém conseguiu ver tudo isso? Quem se importou dessa maneira? E quem é D.C ? Onde vou encontrar alguém com essas iniciais? Eu respondo a essa carta? D.C (seja lá quem for) disse que não me deixaria até ter uma resposta e parecia falar bem sério em relação à insistência dele. 

Mas como eu faria isso? Como iria contar meus segredos para alguém que não conhecia? Que não sabia quem era?. Como poderia confiar em alguém assim?. 

Não sei se isso seria possível. 

_Lílian você pode... 

Libby entra pela a porta e para no meio da frase e fica me olhando com cara de confusão. 

_O que foi, aconteceu algo? 

Eu não sei como minha cara estava, mas com toda certeza estava entregando algo. Fecho o caderno escondendo a folha da carta antes que Libby possa perceber.

_Não, o que poderia ter acontecido? 

Ela dá de ombros e deixa para lá 

_Então, tem como você me emprestar aquela sua saia azul, que vai combinar com a blusa do time? 

_Claro, pode pegar no armário. 

Ela pega e sai toda saltitante por causa de uma saia, enquanto minha cabeça está um poço de confusão e curiosidade pra descobrir quem é D.C . 

Eu vou fazer isso. 

Eu não sei o que me fez tomar essa decisão, eu não sei se foi a curiosidade de descobrir quem era esse cara; se foi a vontade de falar com alguém sobre tudo que vinha acontecendo,  ou se foi simplesmente  a necessidade de confiar em alguém. De saber que eu poderia ser realmente quem eu era, uma Lilian quebrada e cheia de receios que precisavam ser curados.                                         

                   ******************** 

O telão do campo de futebol marca 20:00h da noite quando os jogadores finalmente fazem sua entrada, esse é o primeiro jogo do time, estou vestindo um calça jeans, uma blusa vermelha e uma jaqueta de couro preta. 

Todos estão aqui, como Libby disse ninguém da família perdia os jogos do time, todas as arquibancadas estavam cheias, cheias de pessoas desconhecidas. O time da escola entra no campo, seguido pelas lideres de torcida, e logo atrás Dylan aparece, como a consciência do quanto ele é lindo. Sei que eu não poderia estar pensando nele dessa forma, mas ele é tão lindo que é impossível não lembrar. Ele está com uma calça jeans escura, uma blusa preta com a logo do time e um boné escondendo seu cabelo extremamente preto. E como se ele pudesse ouvir meus pensamentos, ele olha diretamente para mim, assim como aconteceu no aeroporto, ele abre um sorriso que acaba trazendo aquela sensação estranha novamente. 

Ele dá um tchauzinho para Sophie e Holly, que estão sentadas alguns degraus abaixo na arquibancada, e quando olho para Libby ela está alternando seu olhar entre mim e Dylan fazendo uma cara engraçada. Eu disfarço e olho para um ponto fixo do outro lado do campo. Já era estranho achar o meu primo lindo, eu não poderia compartilhar isso com a irmã dele. 

O jogo está ao nosso favor, o que deixa todos da arquibancada muito animados. Todos estão em pé, gritando, se abraçando, e eles estão começando a me deixar nervosa, estou sentindo minhas mãos soarem frio, os gritos de alegria estão começando a me sufocar, não sei como isso é possível, mas é como se elas fossem me engolir, estou me sentindo em um quarto pequeno e apertado, apesar da multidão que me rodeia. 

EU PRECISO SAIR DAQUI.

Falo para Libby que vou ao banheiro e saio de lá o mais rápido possível. Aquela sensação me pega novamente, ela está me sufocando de novo, aperto minhas mãos até perceber que elas estão brancas demais. Saio das arquibancadas e entro em um corredor vazio. Me encosto na parede e respiro fundo, minha respiração fica difícil, como se tivessem cortado todo o ar, o corredor começa se fechar ao meu redor, é quando saio do campo e vou para uma parte calma e sem nenhuma movimentação da escola. Sento embaixo de  um carvalho lindo e enorme e espero essa pressão no peito passar; aperto minhas mãos e olho para longe.As cenas do acidente invadem minha mente, o rosto do meu pai, da minha mãe e o impacto logo em seguida, respiro fundo novamente, tentando afastar aquela sensação de mim, mesmo estando em espaço aberto parece que estou ficando presa... 

_Ei garota, o que você faz aqui? 

Escuto aquela voz vindo de algum lugar do imenso vazio, olho para o lado e vejo ele vindo em minha direção com o boné em uma mão e passando a outra pelo o cabelo. 

Ele está vindo rápido demais, respiro fundo tentando me acalmar, porque ele não pode me ver assim, ele não pode me ver nesse estado...

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Comments

Lena Macêdo E Silva

Lena Macêdo E Silva

são consequências dos traumas pós acidente pois além dos traumas físicos tem os emocionais que levam mais tempo para aprendermos a lidar com eles e amenizar a dor que é imensurável, aprendemos a conviver com essas sequelas dia após dia ...

2023-08-13

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Tatiane Figueredo

Tatiane Figueredo

ela tem que procurar ajuda logo.

2021-03-31

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