Rostinho delicados

A grande porta de madeira começou a girar lentamente, e por trás dela surgiu a figura de uma pequena garota. Seus olhos brilhavam com curiosidade, e seus cabelos escuros caíam suavemente sobre os ombros. Seu rosto era delicado, inocente, quase angelical. Antes que eu pudesse reagir, uma segunda criança apareceu, idêntica à primeira. Gêmeas. Lindas.

Por um momento, fiquei apenas observando, absorvendo a doçura daquela cena. Mas o encanto logo foi interrompido pelo grito em conjunto das duas:

— Papiiiii! — exclamaram, correndo em direção a Gustav com entusiasmo.

O som das vozes delas era tão vibrante, tão cheio de vida, que por um instante senti como se estivesse em outro mundo—um mundo onde não havia perseguições, medo ou desespero, apenas a alegria inocente de crianças felizes. Gustav, sorrindo, recebeu as duas de braços abertos. Enquanto isso, eu apenas permaneci ali, me perguntando se um dia sentiria essa leveza também.

Ele começou a explicar às meninas, da forma mais clichê possível, que eu era uma amiga dele. E era melhor assim. Não havia como contar a verdade para crianças tão pequenas. Elas não entenderiam e, pior, ficariam assustadas.

Seguimos para a sala principal, e ao entrar, percebi que era muito mais do que um simples ambiente de descanso. Era um verdadeiro cinema particular. Uma enorme TV dominava a parede central, ladeada por duas grandes caixas de som que certamente tornavam qualquer experiência cinematográfica imersiva. Imaginei Gustav e suas filhas reunidos ali nos finais de semana, assistindo a filmes enquanto riam e se divertiam. A ideia de uma vida tão simples e calorosa me fez querer, por um breve instante, pertencer àquele cenário.

As gêmeas se jogaram no tapete e, com olhares suplicantes, pediram para que eu me deitasse com elas. Achei um pouco estranho, mas como resistir aos sorrisos delas? Cedi, e assim que meu corpo tocou o tapete macio, senti uma paz absurda. Era a melhor sensação que experimentara em dias—talvez em toda a minha vida. Ali, ao lado daquelas duas crianças cheias de energia, me permiti relaxar pela primeira vez.

Enquanto eu descansava naquele tapete maravilhoso, uma terceira figura surgiu na sala. Desta vez, uma garota de aproximadamente dezesseis anos. Seu estilo era completamente diferente das gêmeas—mais sombrio, alternativo. Cabelos curtos com uma mecha rosa de um lado, meias de renda escuras, roupas pretas estampadas com caveiras. Ela carregava um ar misterioso, mas não hostil.

Assim que apareceu, as gêmeas gritaram em coro:

— Saioriiii!

Então, seu nome era Saiori. Gustav se aproximou e cumprimentou a garota, explicando que era uma amiga das filhas dele. Disse ainda que, apesar do estilo um pouco mais pesado, era comum na cidade de onde ela vinha. Segundo ele, adolescentes daquele lugar costumavam se isolar e ouvir músicas tristes. "Gente, por tudo que passei, esse estilo não é para mim", pensei. Mas algo em Saiori me intrigava. Apesar da aparência soturna, seu jeito com as meninas era carinhoso, quase maternal. Parecia uma babá dedicada.

Finalmente, descobri os nomes das pequenas gêmeas. Saiori saudou cada uma pelo nome, e eu gravei imediatamente: Estela e Alanna. Bonitos nomes para crianças tão doces.

Fiquei observando as meninas brincando ao meu lado, me permitindo relaxar um pouco mais. Por um breve momento, tudo parecia normal. Seguro.

Mas logo, meu corpo lembrou do básico: sede e fome. Levantei do tapete e, um pouco sem jeito, perguntei a Gustav onde ficava a cozinha. Precisava de um copo de água, algo para comer. Ele me encarou por um instante e... naquele pequeno intervalo de tempo, um arrepio percorreu minha pele. Não sabia por quê, mas comecei a tremer. Talvez fosse o medo de estar em um ambiente desconhecido. Talvez fosse a lembrança de que nada, absolutamente nada, na minha vida era simples.

Então ele sorriu. Um sorriso genuíno, tranquilo.

— Venha. — disse, guiando-me até a cozinha.

E que cozinha! Era linda. As peças de inox refletiam a luz suave do sol que entrava pela janela, criando uma mistura hipnotizante de claro e escuro. Era quase cinematográfica. Se alguém me dissesse que era o cenário de um filme, eu acreditaria.

Gustav abriu a geladeira e pegou uma maçã para mim. Depois, me entregou um copo e apontou para o filtro de água no balcão. Simples gestos, mas que me fizeram sentir algo que eu não sentia há muito tempo: acolhimento.

Bebi aquele copo de água com uma vontade absurda. A sede que estava era como se eu estivesse a dois dias sem nada na boca. Sentir a água deslizar pela garganta foi quase um presente divino. Enquanto comia a maçã, degustando cada mordida como se fosse a melhor coisa do mundo, uma nova figura surgiu na porta da cozinha.

Desta vez, um homem alto.

Muito alto.

O ar ao seu redor parecia mais frio, pesado. Seu olhar refletia algo que eu não conseguia interpretar—ódio? Desconfiança? O tipo de expressão que só vi em vilões de filmes sombrios. Cabelos vermelhos, quase no tom de sangue, um tapa-olho sobre o olho direito, roupas escuras com uma nuvem escorrendo sangue estampada no moletom.

Meu corpo travou na hora.

Quem era ele?

Gustav percebeu minha reação imediatamente. Sem hesitar, se posicionou entre nós dois, como se fosse um escudo.

— Irmão, essa aqui é uma amiga minha. Seja gentil com ela. — Ele disse, sua voz firme, mas amigável.

"Irmão?" Meu coração acelerou. Gustav e aquele homem eram irmãos?

Antes que eu pudesse processar o que isso significava, minha mente foi inundada por memórias antigas e dolorosas. Tudo voltou como um relâmpago. Meu corpo perdeu as forças. Senti minhas pernas falharem e caí no chão, incapaz de me sustentar.

O homem se moveu rapidamente. Tão rápido que, por um instante, parecia uma sombra atravessando o cômodo. Antes mesmo de Gustav reagir, ele já estava ao meu lado, segurando-me antes que eu pudesse me machucar.

Fiquei ali, sem saber o que pensar. Um olhar assustador, um jeito intimidador… mas ele me ajudou.

Quem era esse homem?

Era alguém em quem eu poderia confiar?

Ou apenas mais uma peça desse jogo cruel que minha vida se tornara.

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