O silêncio que se seguiu à partida do líder era profundo, mas não vazio. A floresta, testemunha de tudo, já retomava seu ritmo, seu zumbido perene. Jared não se permitiu relaxar. A vitória só é completa quando todos os fios soltos são amarrados e o campo de batalha é limpo.
Com a pistola ainda em mãos, ele refez seu caminho, movendo-se com um propósito renovado. Seu primeiro instinto era pragmático: verificar os corpos de seus adversários. Não por curiosidade mórbida, mas por inteligência tática. Um mapa, um rádio com uma frequência específica, um telefone satelital — qualquer item poderia fornecer informações valiosas sobre a extensão da organização que ele acabara de confrontar.
Ele chegou primeiro à pilha macabra na borda leste da clareira, onde o terceiro homem havia caído sobre o segundo. A cena era grotesca, o cheiro de sangue começando a se misturar com o odor de terra úmida, mas para Jared, era apenas uma tarefa. Ele se agachou, o olhar clínico varrendo a área, mas algo mais chamou sua atenção, algo que não pertencia à breve e violenta passagem do homem.
Na lama macia, sobrepostas às pegadas das botas, havia outras marcas. Grandes, redondas, as almofadas carnudas e as garras que não se retraem completamente. Inconfundíveis. As patas de um grande felino. Uma onça-pintada. O maior felino do continente, provavelmente o verdadeiro rei daquele trecho de selva, já viera inspecionar a perturbação em seu território. As pegadas eram frescas, indicando que a criatura passara por ali há poucos minutos, talvez enquanto Jared interrogava o líder no rio.
Jared se levantou, o olhar percorrendo as sombras densas da floresta ao redor. Um predador de verdade, silencioso e eficiente, estava por perto. Ele sentiu um lampejo de algo raro, algo que poucos seres humanos jamais haviam despertado nele: respeito.
— Um rival à altura — ele murmurou para si mesmo, a voz um sussurro baixo, quase uma saudação.
Naquele instante, seu plano mudou. A onça, atraída pelo cheiro de sangue, logo encontraria os corpos. Ela os arrastaria, espalharia os restos, apagando os rastros e qualquer item de interesse de uma forma muito mais eficiente e definitiva do que ele jamais poderia. A natureza cuidaria da limpeza. Vasculhar os corpos agora era uma perda de tempo e um risco desnecessário.
Mais importante, o confronto o forçara a expor sua presença. Ele havia deixado um sobrevivente para espalhar sua lenda, mas a prudência exigia um passo atrás. Antes de avançar para o verdadeiro objetivo, ele precisava desaparecer completamente. Precisava ter certeza de que a ameaça havia sido neutralizada e que nenhuma outra equipe de retaliação estava a caminho. Ele precisava de um reset tático.
Com a bússola em mãos, ele traçou um novo curso: sudeste. Seu novo destino era a capital estadual mais próxima.
A jornada de volta à civilização foi um exercício de metamorfose. Por dois dias, Jared se moveu pela floresta, não mais como um caçador, mas como uma sombra. Ele seguia cursos d'água e trilhas de caçadores, sua postura relaxada, seus passos deixando pegadas comuns, não as de um soldado. No terceiro dia, ele chegou a uma pequena comunidade ribeirinha, um aglomerado de palafitas que vivia no ritmo do rio. Ali, ele trocou um pequeno canivete de caça por uma camisa puída e um par de sandálias gastas, despiu-se da eficiência tática e vestiu a pele de um trabalhador cansado, um homem qualquer que a selva havia mastigado e cuspido.
Horas depois, um barco de linha de dois andares atracou, o motor diesel ressoando pelo rio. Jared pagou a passagem com algumas notas amassadas e embarcou, escolhendo um lugar no convés inferior, o mais barulhento e lotado. Era o local perfeito para desaparecer. Ele se sentou em um banco de madeira, a mochila entre os pés, e seu corpo se transformou. Os ombros caíram, a coluna se curvou levemente, o olhar perdeu o foco predatório e ganhou o vazio de quem viaja há dias. Ele se tornou apenas mais um rosto cansado na multidão, invisível em sua normalidade. Por horas, o barco desceu o rio. Jared parecia dormir, mas na verdade, ele ouvia tudo.
E então, ele ouviu o que procurava. Dois comerciantes, conversando em voz baixa.
— ...dizem que foi lá pra cima, no afluente do norte — disse um. — A turma do "El Gordo". Onze homens. Sumiram.
— Sumiram como?
— É o que estão dizendo. O barco voltou só com o piloto, um tal de Rojas. Mão estourada, branco que nem cera. Falava que um curupira caçou eles um por um. Que a selva engoliu os homens.
— Besteira. Deve ter sido acerto de contas.
— Não sei... Rojas jurou que era um homem só. Um fantasma. Disse que o chefe deles mandou avisar que nunca mais pisa naquela parte do mapa. Disse que o lugar agora tem dono.
Jared não moveu um músculo. A mensagem fora entregue. A lenda estava se espalhando. Sua trilha estava fria.
A porta do consultório do Dr. Alencar se abriu sem aviso. O psicólogo levantou a cabeça e seu coração deu um salto doloroso. Era Jared Cortez. Limpo, vestido com roupas urbanas simples — jeans e uma camiseta escura —, mas inconfundível. Ele fechou a porta e se sentou na poltrona do paciente, a mochila ao lado.
O Dr. Alencar engoliu em seco, a lembrança dos homens que o ameaçaram e de sua própria traição o inundando. Ele não sabia se aquela era uma visita terapêutica ou uma sentença de morte.
— Jared. — gaguejou ele. — Eu... eu não esperava você.
Jared o observou em silêncio, um silêncio analítico que se esticou até se tornar insuportável.
— Sim, desculpe vir sem avisar — disse Jared, a voz calma e polida quebrando a tensão de forma surreal. — Tem alguns minutos? Se preferir, posso voltar amanhã.
A cortesia foi mais aterrorizante que qualquer ameaça.
— Não! Não, claro... — disse o doutor. — A noite é sua, Jared. Em que posso ajudar?
Jared inclinou a cabeça. — O senhor parece que viu um fantasma, não está agindo naturalmente.
A observação quebrou a frágil compostura do psicólogo. Ele desabou.
— Eles vieram aqui — confessou, a voz embargada. — Armados. Ameaçaram minha família. E eu falei. Eu sinto muito. Eu traí sua confiança.
Ele terminou a torrente de palavras e baixou a cabeça, esperando a sentença.
— Tudo bem — disse Jared.
O doutor levantou a cabeça, chocado.
— Se você contou tudo... é provável que eles nunca mais voltem — continuou Jared, a lógica fria por trás do perdão sendo mais assustadora que a vingança. Ele mudou de assunto abruptamente. — Bom, eu ainda não entendi muito bem os motivos de vir em psicólogos. A gente paga um dinheiro pra vocês só pra conversar e falar o que houve. Você sabe. Eu só venho aqui porque meu falecido pai me pedia por isso. Enfim, você quer perguntar algo?
Forçado a voltar ao seu papel, o Dr. Alencar se recompôs, fascinado e apavorado. Ele se focou na única porta que Jared abriu.
— Você mencionou seu pai. E disse que "eles nunca mais voltarão". Você passou por um evento de alta intensidade. Como você se sente... agora? Depois de tudo resolvido. Há alívio? Silêncio? Ou o sentimento é outro?
Jared considerou a pergunta como um problema matemático.
— Não estava nos meus planos explodir uma fábrica de drogas, mas... eu tenho minhas próprias regras. Eu me sinto bem. Eu sei que eu não fiz o que fiz por ser mau, e sim porque precisava ser feito. Agora posso me concentrar na missão principal. Aquela que não te disse... e nem vou.
Ele se levantou, soltou algumas cédulas sobre a poltrona. — Obrigado pelo seu tempo, doutor.
E saiu, desaparecendo no corredor.
O Dr. Alencar ficou sozinho, olhando para a poltrona. Ele, um homem da ciência, tentou aplicar seus diagnósticos a Jared. Louco? Não, era ordeiro demais. Psicopata? Faltava o sadismo, o ganho próprio; ele agia segundo um código. Ele não era um soldado quebrado, nem um criminoso comum.
Ele pegou a ficha de Jared, um post-it e uma caneta. Ele pensou em todas as classificações do Manual Diagnóstico. Nenhuma delas servia. Nenhuma capturava a essência daquele homem.
Então, ele escreveu uma única palavra no post-it e o colou sobre a ficha. Uma palavra que não era um diagnóstico, mas a única conclusão honesta que sua mente aterrorizada conseguia formular.
Inclassificável.
Ele entendeu, com um arrepio, que Jared Cortez não era um homem para ser analisado. Ele era uma força para ser observada à distância. E a verdadeira e aterrorizante jornada dele estava apenas começando.
Continua...
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Atualizado até capítulo 20
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