O despertador nem tocava. No morro, quem acordava o Terror era o barulho da rua: moto subindo, mulher gritando com filho, cachorro latindo. Ele abriu os olhos devagar, espreguiçou e levantou. O corpo marcado de cicatriz, lembrança de tiro e facada, mas firme, imponente.
Ligou o chuveiro gelado. Deixou a água cair nas costas, refrescando o calor do amanhecer. Passou a mão no rosto, respirou fundo. Ali não tinha espaço pra preguiça dono do morro não tirava folga.
Vestiu bermuda, camisa leve, corrente grossa no pescoço e saiu. O campinho já tava cheio de molecada chutando bola. Quando o Terror apareceu, os meninos abriram sorriso.
— Aí, Terror! Bora jogar!
Ele riu de canto.
— Demorô, porra. Vamo ver se vocês sabem jogar de verdade.
Entrou no jogo. Pé leve, gingado, dava passe certo, driblava com estilo. A molecada gritava a cada lance. Terror jogava como se fosse um deles, mas ao mesmo tempo era ídolo. No fim, juntou todos, puxou os meninos pelo ombro e deu conselho:
— Escuta só: bola no pé é futuro. Não se perde nesse bagulho de pó, não. Quer virar alguém, corre atrás da bola, da música, de estudo… o crime é só pros que não tem escolha.
Um vapor se aproximou correndo, interrompendo a resenha.
— Patrão, o viciado desceu na boca, levou pó e não pagou.
Terror fechou a cara.
— E deixou barato?
— Ele correu, chefe. Mas a gente sabe onde ele tá.
O sorriso sumiu. Terror caminhou firme até o beco onde o sujeito tava. Era um cara magro, olhos vermelhos, treme de ansiedade. Quando viu o dono do morro chegando, quase caiu de joelhos.
Terror não pensou duas vezes: desferiu um soco seco no rosto do sujeito, que cambaleou. Sacou a pistola, encostou na testa dele.
— Vai pagar ou não vai, filho da puta? Aqui ninguém dá calote, não!
Antes que o cara pudesse responder, um grito agudo ecoou.
— Aaaaah!
Terror virou rápido. Ali estava ela: uma menina branquinha, pele lisa, cabelo negro escorrido, olhos puxados. Só de olhar, ele percebeu que não era dali. O jeito dela entregava. Roupas chiques demais, parecia saída de revista. Mas o detalhe que chamou atenção foi o rosto: era a cara do Japinha só que em versão bonita.
Naerin congelou, com os olhos arregalados. As roupas elegantes chamavam mais atenção ainda. O contraste era surreal: ela parecia uma boneca caída no meio da quebrada.
— Puta que pariu… — Terror murmurou. — Essa só pode ser a irmã do Japa.
Antes que ele se aproximasse, Japinha surgiu correndo, suado, aflito.
— Caralho, kim. Tu tá maluca, menina? Fica andando sozinha assim?
Ela gaguejou, sem conseguir formar frase. O viciado aproveitou a distração e saiu correndo.
— Vai atrás! — Terror mandou o vapor na hora.
Ele encarou a coreaninha de cima a baixo, curioso, mas não disse nada. Ficou só observando, guardando aquela imagem na mente.
Mais tarde, Terror subiu pro alto do morro. Acendeu um baseado, ficou encarando a cidade. As putas se aproximaram, rindo, jogando charme.
— E aí, Terror, bora descer junto?
Ele soltou fumaça devagar, sem dar moral.
— Vai caçar outro, mina. Eu não tô nessa.
Elas se entreolharam, frustradas. E era sempre assim: Terror não se envolvia. Não com qualquer uma. E justamente isso enlouquecia as mulheres dali, que disputavam só pra tentar ser a exceção.
Ele não ligava. Pra ele, corpo não era nada. O que valia era respeito, era confiança.
No fim do dia, como de costume, desceu até a casa e ficou na laje observando a favela.
No morro, todo problema batia primeiro na porta de uma pessoa: Terror. Ele podia ser temido pelos inimigos, mas pelos moradores, era respeitado o homem que resolvia.
Um rapaz magro subiu correndo os becos, esbaforido.
— Terror! Terror! — gritou.
Ele estava sentado na laje, camisa jogada de lado, soltando a fumaça de um baseado, olhando o movimento.
— Que foi, pivete? — respondeu sem levantar.
— A caixa d’água secou de novo… tem família lá embaixo que não vê água desde ontem.
Terror respirou fundo, ajeitou o boné.
— Beleza. Fala pros valores fecharem o cano clandestino da rua de baixo e virar direto pro beco das casas. Hoje a prioridade é quem tá com criança. Vai lá, corre.
O moleque assentiu e saiu voado. Mal tinha descido, apareceu uma senhora de lenço na cabeça.
— Ô, meu filho… as lâmpadas da viela queimaram tudo. As meninas não conseguem nem subir da escola sem medo.
Terror bateu a mão no ombro dela.
— Relaxa, tia Nilda. Vou mandar trocar agora. Vai na minha conta. — gritou pra um dos rapazes que ficava encostado na moto: — Puxa os fios, coloca poste novo. Até de noite essa rua vai tá acesa.
Logo em seguida, outro morador:
— Terror, a quadra das crianças tá um lixo. A trave quebrada, a tabela de basquete caída…
Ele deu uma risada curta.
— Porra, nem dá pra sonhar em ser Neymar desse jeito. — estalou os dedos para um dos homens de confiança. — Vai lá e resolve. Quero a molecada jogando bola ainda hoje.
Mais um chegou, desesperado, segurando uma sacola vazia.
— Cara, tô sem gás… minha mulher tá lá com o bebê, não tem nem leite. Tô quebrado.
Terror não pensou duas vezes.
— Chama o vapores, monta uma cesta completa pra esse cara. Não é só leite não, quero arroz, feijão, carne, fralda… tudo. — olhou direto pro homem. — Aqui no morro ninguém passa fome. Entendeu?
O rapaz começou a chorar.
— Valeu, Terror… você é diferente, cara.
Ele desviou o olhar, sem jeito com elogio.
— Só tô cuidando do que é meu. Vai lá cuidar da sua família.
Assim passava a tarde toda ,problema chegava, Terror dava solução. Não era só vender droga, não era só impor respeito. Ser dono do morro, pra ele, era responsabilidade. E cada ordem que dava, cada favela que se iluminava, cada barriga que ficava cheia, só reforçava a lealdade de quem vivia ali.
No fim da tarde, depois de resolver meio mundo de problema, ele tomou um banho gelado rápido e decidiu subir até a casa do Japinha. Já era quase rotina a comida de dona Gisele não tinha igual.
Quando bateu na porta, Japinha abriu com aquele sorriso debochado.
— Carai, Terror… já veio garantir o prato do dia, né?
— E tu reclama? Quem é que come macarrão da tua coroa melhor que eu? — riu, entrando sem pedir licença.
A sala cheirava a alho frito e tempero fresco. E lá estava ela: Naerin. Sentada no sofá, folheando uma revista, de roupinha simples mas ainda assim chique. O cabelo negro liso caía como um manto, e os olhos puxados brilhavam na pouca luz.
Quando percebeu ele entrando, Naerin fechou a revista de repente.
— Oi… — disse baixinho, ainda com sotaque carregado.
Terror deu uma coçada na nuca, sem graça.
— Sobre mais cedo… mal impressão do morro, foi mal aí. Esse corre faz parte, mas não era pra tu cair no meio.
Japinha se meteu, rindo.
— Relaxa, man. Essa aqui é minha irmã, kim Naerin
Ela olhou direto pra ele.
— Nome difícil, né? — sorriu de canto. — Mas você… Terror? Que apelido fofinho.
Ele arqueou a sobrancelha, quase rindo.
— Fofinho? Tá de sacanagem. É só apelido de quebrada.
— Apelido? O que é isso? — perguntou, confusa.
Dona Gisele, que vinha da cozinha enxugando as mãos no avental, entrou na conversa.
— É quando a gente dá um nome de mentira, minha filha. Tipo… carinhoso ou de respeito.
Naerin fez que entendeu e riu baixinho.
— Ah, entendi. Então você não é terror de verdade.
— Quer testar pra ver? — ele rebateu, meio brincando, meio sério.
Ela mordeu o lábio, divertida. O clima ficou leve. Até Japinha notou.
— Tá vendo, irmãzinha? É só ficar relax que tu fala normal.
Naerin ajeitou o cabelo e soltou sem pensar:
— Oppa, onde tem toalha pra eu tomar banho?
Terror arregalou os olhos.
— Oxi… falou o quê aí?
Japinha gargalhou.
— Oppa é tipo… “irmão mais velho” na língua dela. Mas cuidado, man… se ela começar a te chamar de oppa, já era.
Ele deu risada.
— Ah é? Então vou ficar esperto.
Na mesa, o macarrão fumegava. Todos se sentaram. Terror pegou o garfo, provou a primeira garfada e fechou os olhos.
— Puta merda, dona Gisele… a senhora vai me viciar.
Naerin, do outro lado, comia animada.
— Muito bom! — disse com a boca cheia. — Melhor do que restaurante caro.
O jeito fofo e espontâneo dela fez até Terror soltar uma risada verdadeira.
— Essa mina é engraçada demais, na moral.
Japinha cutucou ele por baixo da mesa.
— Vai se apaixonar, maninho… cuidado.
Terror balançou a cabeça, rindo.
— Para com essa porra.
Naerin tinha aquele jeito leve, diferente de tudo que ele via no morro. E cada palavra atravessava o português arranhado dela como música estranha, mas viciante.
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Atualizado até capítulo 46
Comments
Tatiana Michelli
Tô adorando a história
2025-10-02
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