"O Peso dos Olhos, Desejam Amar!"
O vestido vermelho arrastava pelo mármore frio, e cada passo de Helena ecoava no vasto salão como um segredo prestes a ser revelado.
A mansão de Arturo estava lotada naquela noite: políticos, empresários, famílias ricas da cidade.
Todos brindavam, riam, fingiam harmonia. Mas os olhos de Helena ardiam como se cada olhar lançado em sua direção fosse uma corrente apertando-lhe o pescoço.
Sentada à cabeceira, ao lado do marido, sorria mecanicamente. Os lábios desenhavam cortes delicados, mas os olhos denunciavam cansaço. Arturo, altivo, brindava com seus convidados como se fosse um rei absoluto.
Sua voz grave dominava a mesa, e quando falava, ninguém ousava interromper. Helena, como sempre, permanecia em silêncio.
Era conhecida como “a esposa perfeita”. Rosto sereno, gestos contidos, um ar de devoção que todos admiravam. Ninguém imaginava que atrás da fachada impecável existia uma mulher quebrada, sufocada em um casamento que nunca lhe dera amor, apenas obrigações.
Arturo não a agredia com socos, mas suas palavras eram punhais. Não levantava a voz em público, mas no íntimo fazia dela apenas uma peça decorativa de seu império.
Naquela noite, porém, algo dentro de Helena mudou.
Durante o brinde, seus olhos se perderam entre as taças, até encontrarem, por acaso, um par diferente. Um olhar que não lhe exigia nada, não lhe cobrava perfeição, não a julgava. Um olhar que a via.
Era Miguel.
Ele estava ali como convidado de última hora, apresentado por um dos sócios de Arturo. Jovem médico, recém-chegado à cidade, buscava abrir uma clínica modesta.
Nada tinha a ver com aquele mundo de joias e champanhe, mas sua presença destoante parecia dar-lhe ainda mais força. Os olhos de Helena cruzaram os dele, e por um instante, o salão inteiro desapareceu.
Ela desviou rápido, o coração acelerado. Não podia, não devia. Mas já estava feito: aquele olhar acendera algo que Helena julgava morto.
Depois da festa, quando todos se recolheram, Helena caminhou pelo jardim silencioso. O vento noturno trouxe-lhe um alívio breve.
Tocou as rosas do canteiro como se nelas pudesse encontrar refúgio. E foi ali que a surpresa aconteceu.
— Também precisa de ar? — disse uma voz suave atrás dela.
Ela se virou, assustada. Miguel estava ali, com as mãos nos bolsos e um sorriso tímido.
— Desculpe — continuou ele, percebendo a tensão no rosto dela. — Não quis assustá-la. Só… parecia que precisava respirar.
Helena hesitou. Olhou para as janelas da mansão, temendo que alguém os observasse.
— Sim — respondeu enfim, a voz baixa. — O ar aqui dentro costuma sufocar.
Foi a primeira vez em anos que admitiu em voz alta o que sentia. Miguel não comentou, apenas assentiu com os olhos cheios de compreensão.
Ficaram alguns segundos em silêncio, ouvindo o vento. E, naquele instante, Helena percebeu algo simples, mas devastador: pela primeira vez em muito tempo, não se sentia sozinha.
Nos dias seguintes, tentou apagar a lembrança. Jogou-se nas tarefas da casa, nas visitas sociais impostas por Arturo, nas conversas vazias de salão.
Mas os olhos de Miguel a perseguiam. Bastava fechar as pálpebras, e lá estavam eles, intensos, serenos, perigosamente vivos.
O destino, porém, parecia decidido a provocá-la. Uma semana depois, encontrou Miguel novamente — desta vez na praça da cidade, ajudando uma senhora a carregar sacolas. O gesto simples, humano, fez com que o coração dela se agitasse.
— Senhora Helena — ele a cumprimentou, surpreso. — Não esperava vê-la por aqui.
Ela pensou em ignorar, em apenas acenar e seguir adiante. Mas as palavras saíram sozinhas:
— Nem eu esperava.
O diálogo foi breve, mas suficiente para reacender o fogo. Helena voltou para casa tremendo. Arturo a esperava com perguntas secas, analisando cada detalhe como um juiz.
“Onde esteve? Por que demorou? Quem encontrou?”. A cada resposta, o medo crescia. Ela sabia: se Arturo desconfiasse, não haveria misericórdia.
A tensão aumentou quando Miguel passou a aparecer discretamente em lugares onde ela estava: a igreja, o mercado, a livraria. Sempre com uma desculpa, sempre com cuidado.
Nunca a tocava, nunca avançava além da palavra, mas cada encontro roubado era um risco, e cada risco alimentava ainda mais a chama.
Helena começou a se olhar no espelho de outro jeito. Não via mais apenas a esposa obediente, mas uma mulher que ainda podia sentir, que ainda podia desejar. E isso a apavorava tanto quanto a embriagava.
Numa tarde chuvosa, encontrou Miguel novamente. Ele a ofereceu abrigo sob o guarda-chuva, e por um instante, as mãos se tocaram. Foi rápido, quase imperceptível, mas suficiente para que Helena sentisse um choque percorrer-lhe o corpo.
— Está se colocando em perigo — ela sussurrou, sem encará-lo.
— E a senhora? — ele retrucou, olhando-a nos olhos. — O que arrisca todos os dias, vivendo assim?
Helena não respondeu. Apenas se afastou, com lágrimas disfarçadas pela chuva.
Na mansão, Arturo percebia a mudança. Não sabia exatamente o quê, mas sentia. Seu olhar desconfiado seguia Helena como uma sombra. Ele tinha inimigos por todos os lados, e desconfiava até da própria esposa.
Certa noite, enquanto ela dormia, Arturo levantou-se devagar e observou o rosto dela à meia-luz. Não havia ternura em seu olhar, apenas cálculo. Tocou levemente o queixo dela e murmurou:
— Se estiver escondendo algo de mim, Helena… vai se arrepender.
Ela não ouviu. Mas, no fundo, sentia. O perigo estava cada vez mais próximo, rondando sua vida como um predador silencioso.
No dia seguinte, Helena recebeu um bilhete escondido no livro que costumava pegar na biblioteca da cidade. O papel simples, sem assinatura, dizia apenas:
"Encontre-me onde tudo respira. Miguel."
Seu coração disparou. Sabia do risco, sabia do abismo em que pisava. Mas as mãos tremiam de desejo e medo. Ela não resistiu.
À noite, saiu de casa dizendo que visitaria a mãe doente. Pegou o carro sozinha e dirigiu até a praça, onde o vento sempre parecia trazer liberdade. E lá estava ele, à sombra de uma árvore, como se esperasse desde sempre.
— Achei que não viria — disse Miguel, com um sorriso tímido.
— Eu também achei — respondeu ela, a voz trêmula.
Ficaram frente a frente, as palavras presas, os olhos falando o que os lábios temiam. Então, devagar, Miguel estendeu a mão.
Helena hesitou apenas um segundo, depois deixou que os dedos dele tocassem os seus. Foi como se o mundo desabasse em silêncio ao redor.
Ela sabia que aquele gesto mudaria tudo. Sabia que o fio que os unia poderia arrastá-los para a perdição.
Mas, naquele instante, não importava. Pela primeira vez em anos, Helena sentia-se viva.
E, longe dali, no alto da colina, alguém observava os dois à distância.
Um olhar frio, vingativo, que não perdoaria.

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Atualizado até capítulo 80
Comments
RosaMaria
Gostando do início😍Essa história promete ter emoções fortes👏
2025-10-01
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