O fogo que arde e o vazio que queima

Mariana conseguiu escapar do café da manhã, mas do almoço com o pai não teve salvação.

A mesa imponente dos Marcondes, sempre cenário de silêncios calculados e ordens veladas, hoje seria palco de algo maior. Ela ainda não sabia, mas cada garfada escondia uma sentença — e não era de comida que seu pai falaria.

Mariana sentou ao lado de seu pai e parecia só um almoço normal, até que ele começou a falar.

— Hoje você recebeu uma proposta de casamento.

A faca de Mariana parou no ar. O coração acelerou em um tropeço descompassado, e ela se obrigou a manter a expressão impassível.

— Não precisa me olhar assim, minha filha — disse o pai, satisfeito em esticar a tensão como um artista no palco.

— Claro que recusei. Mas devo admitir que o rapaz foi bastante insistente… e afirmou que vocês já se conhecem, mesmo eu sabendo que você não daria atenção para um tipo daqueles.

Mariana respirou fundo, disfarçando o pânico.

— Quem é ele? De que tipo ele é? Mariana perguntou tentando manter a naturalidade.

— Romeu Félix, nosso vizinho na Ilha da Feitoria.

— Otávio apoiou o guardanapo sobre a mesa e a olhou com malícia. — Mas sei que você não se lembra dele, senão já teria comentado comigo. E também minha pérola nunca se misturaria com bijuterias.

Um sorriso irônico se espalhou no rosto dele, satisfeito com sua própria dedução. Mariana engoliu em seco, forçando um sorriso que mais parecia uma máscara.

— Claro que não me lembro desse tal Romeu, o senhor sabe que não gosto da ilha.

Otávio, convencido de sua vitória, levantou-se com a imponência de sempre e deixou a mesa. Assim que ele cruzou a porta, Mariana puxou o celular com mãos trêmulas. Digitou o nome de Romeu Felix. O resultado apareceu rápido, a tela iluminando o rosto dela.

Romeu. O mesmo olhar, o mesmo sorriso que horas antes tinha lhe tirado o fôlego. O chão pareceu sumir sob seus pés.

— Meu Deus! — sussurrou, levando a mão ao peito. O que foi que eu fiz? Correu escada abaixo, atravessou o jardim e saiu em direção ao seu veículo, mas parou antes de entrar, não podia arriscar que vissem seu carro próximo ao hotel.

Precisava encontrá-lo antes que a situação fugisse de controle. Não podia permitir que o pai descobrisse a verdade. Saiu para a rua, chamou um Uber e foi para o hotel. Um frio passou por sua espinha, rever Romeu e naquele quarto ia ser intenso.

Chegou no hotel com os nervos à flor da pele, subiu para o segundo andar e, quando chegou na porta, pensou em voltar para trás, mas não podia, tinha que falar com Romeu, convencê-lo a ir embora.

Bateu na porta e, quando Romeu abriu, o ar se encheu do cheiro amadeirado que ainda impregnava sua pele.

Romeu ergueu o olhar e um meio sorriso se formou nos lábios. — Mariana. — A voz dele, rouca, arrastada, era como um arrepio direto na espinha dela. — Veio me procurar… ou correu do seu pai?

Ela entrou no quarto sem o encarar, respirou fundo, tentando controlar o tremor. — Preciso que esqueça a noite passada. Que não fale nada a ninguém! Eu… não posso ser vista com um homem como você.

Romeu arqueou a sobrancelha, aproximando-se devagar, como um predador avaliando sua presa. — Esquecer? Não sei se consigo. Na verdade, nem quero. E que tipo de homem eu sou?

— Por favor, Romeu… — a súplica escapou antes que ela pudesse conter. Os olhos brilharam de aflição. — Apenas vá embora! Fingimos que nada aconteceu.

Ele deu mais um passo, tão próximo que o perfume dela se misturou ao dele. — Você sabe que não é tão simples. Não sou homem de apagar da memória um presente como o que você me deu. — A pausa dele foi afiada, provocadora. — Aliás, não usamos proteção. Já pensou na possibilidade de estar grávida? A mente de Mariana girou.

Um arrepio percorreu-lhe o corpo, uma mistura de medo e desejo. Tentou sorrir, nervosa. — Não posso ter engravidado com uma única vez.

— Não foi só uma vez. — O olhar dele queimava. — E eu vou te provar.

Antes que pudesse reagir, Romeu a puxou contra o peito e tomou-lhe a boca em um beijo ardente, cheio de urgência e ferocidade. Mariana resistiu alguns segundos, tentando preservar o orgulho, mas logo o corpo traiu a razão.

Seus braços envolveram o pescoço dele, e o beijo se transformou em um incêndio. O mundo desapareceu quando as costas dela tocaram o colchão. Roupas se perderam pelo chão, o ar se encheu de gemidos contidos, de respirações entrecortadas.

Romeu a possuía com a força de quem não aceitava negar o sentimento que crescia no peito. E Mariana, mesmo sabendo que estava errada, entregava-se àquela chama, queimando com ele.

Quando o silêncio enfim caiu sobre o quarto, ela acariciou o rosto dele, tentando esconder o turbilhão interno.

— Ainda consegue dizer que foi só sexo? — perguntou Romeu, com os olhos cravados nela. Mariana desviou o olhar, o coração em guerra. — Eu… não sei o que dizer. Preciso sair daqui. Vestiu-se às pressas, como se cada peça de roupa fosse uma armadura contra o desejo, e saiu antes que fraquejasse novamente.

Saiu andando sem rumo, só queria arrumar os sentimentos que ardiam dentro do peito. Como ia conseguir ficar longe de Romeu? E como ia convencer seu pai que queria namorar um ‘cowboy'  

A noite já caia quando voltou à mansão. O perfume de Romeu ainda impregnava sua pele, como se ele tivesse marcado cada centímetro dela. No jardim, avistou Lucas, o amigo de infância, o filho da governanta, que a esperava sorridente com um embrulho nas mãos. — Feliz aniversário atrasado,... Mari.

— Ele a abraçou com carinho sincero. Ela retribuiu, tentando sorrir. Mas o destino foi cruel. Do portão, Romeu observava. Os olhos se estreitaram, a respiração ficou pesada. O sangue ferveu em ciúmes. Em segundos, atravessou a entrada com passos firmes, a raiva transbordando. — Então é assim? — A voz dele cortou o ar, fria e dura. — Me usa à noite e, no dia seguinte, se esconde nos braços de outro?

Mariana congelou, o coração batendo descompassado.

— Romeu, por favor… não é o que parece.

Ele riu sem humor, aproximando-se com olhar faiscante. — Não? Você sempre tem uma explicação conveniente. Usa os homens e depois pede para que te esqueçam, quando o dia amanhece?

— Ele é como um irmão para mim! — tentou argumentar, colocando-se entre os dois. — Foi criado nesta casa, só estava me dando parabéns…

Romeu não ouviu.

O ciúme falou mais alto. — Achei que tínhamos algo real. Mas é isso, não é? Você vive em um mundo onde eu não me encaixo. Sou só uma aventura de uma noite.

Mariana sentiu a dor rasgar o peito. Mas, ao mesmo tempo, viu ali a saída que tanto precisava. Respirou fundo, engolindo a lágrima que ameaçava cair.

Segurou o braço de Lucas, como quem selava sua escolha. — Exatamente. — A voz dela saiu firme, mas o coração sangrou. — Foi só uma noite, Romeu. E acabou. Você não pertence ao meu mundo, e eu não posso te dar mais do que isso.

O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. O olhar dele se turvou, os músculos tensos como cordas prestes a arrebentar. Por um instante, Mariana pensou que ele avançaria. Mas Romeu apenas respirou fundo, fechou os punhos e se virou.

— Então que seja. — A voz dele saiu grave, embargada. — Mas não esqueça, Mariana: segredos têm vida própria. E eles sempre voltam para nos assombrar.

Saiu sem olhar para trás, deixando o peso de suas palavras pairando no ar como uma maldição. Mariana permaneceu imóvel, agarrada ao braço de Lucas, mas com a alma despedaçada. Tentava convencer a si mesma de que havia feito o certo. Porém, no fundo, sabia: o fogo que Romeu acendera dentro dela jamais se apagaria com mentiras.

O ronco da caminhonete foi sumindo, mas o coração de Mariana continuava batendo em um ritmo estranho, como se Romeu ainda estivesse ali.

Abraçada a Lucas, chorava em silêncio, tentando se convencer de que havia escolhido o certo. Mas no fundo sabia: não existe mentira que apague o fogo de um amor proibido.

E cedo ou tarde, esse incêndio cobraria o seu preço.

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