Arlen segurava firme meu braço, como se tivesse medo de que eu me aproximasse da mulher misteriosa. Eu sentia os olhos dela queimando em mim, e, por um instante, tudo à minha volta pareceu se calar — as vozes da multidão, o vento noturno, até mesmo o bater apressado do meu coração.
Quando tentei piscar, ela já não estava mais lá.
— Onde ela foi?! — perguntei, com a respiração entrecortada.
Arlen olhou em volta, os punhos cerrados.
— Eu… eu não sei. Ela simplesmente sumiu.
Mas eu sabia. De algum modo, a mulher não precisava se mover como as pessoas comuns. Era como se tivesse atravessado a própria sombra e desaparecido dentro dela.
A multidão começou a se dispersar, voltando às casas, murmurando sobre o azar da carroça virada. Eu ainda não conseguia desgrudar os olhos dos símbolos pintados nas tábuas quebradas. Eram círculos entrelaçados, como correntes, marcados por runas antigas que não reconhecia, mas que despertavam algo em mim.
— Precisamos sair daqui. — Arlen puxou minha mão novamente. — Venha.
Deixamos a praça em silêncio, com o som de nossos passos ecoando pelas pedras molhadas. O frio da madrugada parecia ter se infiltrado na minha pele, mas não era apenas o clima. Era o pressentimento de que aquela noite tinha aberto uma porta que jamais se fecharia.
Nossa vila, Ravaryn, sempre foi pequena e isolada. Erguida no vale entre duas montanhas, parecia protegida do resto do mundo, como se fosse um lugar esquecido pelos deuses. As casas eram de pedra cinzenta, cobertas por telhados de palha, e o cheiro de lenha queimada fazia parte de cada esquina.
Quando criança, eu amava correr pela praça central durante os festivais. Minha mãe sempre me dava uma fita vermelha para amarrar no cabelo, dizendo que a cor afastava os maus espíritos. Meu pai, por sua vez, ficava me observando de longe, rindo quando eu tropeçava nas saias longas.
Sacudi a cabeça, espantando a lembrança. Fazia anos que eles haviam desaparecido sem deixar rastro. Não houve corpos, nem cartas, nem explicação. Apenas silêncio. Um vazio que ninguém ousava preencher.
Arlen notou meu olhar distante.
— Pensando neles outra vez?
Assenti em silêncio.
— Eu sei que dói. — ele disse com a voz baixa. — Mas você não pode se perder nisso, Lyra. Se essa mulher for mesmo real… se essas vozes forem um aviso, então você precisa estar preparada.
— Preparada para quê? — perguntei, minha voz soando mais frágil do que eu gostaria. — Eu não sei nem o que significa esse enigma. “Sempre ou para sempre”… como se fosse uma escolha. Mas entre o quê? Entre quem?
Ele parou de andar e me encarou.
— Talvez não devamos descobrir.
Havia sinceridade nos olhos dele, mas também medo. Pela primeira vez percebi que Arlen não estava apenas preocupado comigo. Ele temia o que eu poderia me tornar.
Antes que eu pudesse responder, um som distante cortou o ar: o soar grave dos sinos da torre central. Três badaladas lentas, seguidas de silêncio. Nunca eram tocados à noite, a não ser em casos de extrema urgência.
O coração apertou no peito.
— O que será agora?
Arlen não respondeu. Ele apenas me puxou novamente pela mão, correndo em direção à praça.
Quando chegamos, o ancião da vila já estava lá, ladeado por dois guardas. O rosto dele estava pálido, os olhos cheios de sombra.
— Habitantes de Ravaryn! — a voz dele ecoou pela praça, firme apesar da idade. — Uma marca foi encontrada. Um presságio antigo que anuncia tempos de trevas.
Senti meu corpo gelar. Eu já sabia de qual marca ele falava.
— Ela estava na carroça, não estava? — sussurrei para Arlen.
Ele apenas assentiu, sem coragem de olhar para mim.
O ancião ergueu uma das tábuas quebradas da carroça, mostrando os símbolos que eu já havia visto. As runas brilham por um instante sob a luz das tochas, como se estivessem vivas. Um murmúrio percorreu a multidão.
— A lenda retorna. — disse o ancião. — E com ela, a pergunta que ninguém deseja ouvir.
O silêncio tomou conta da praça, até que ele completou:
— Sempre ou para sempre?
Meu coração parou.
A mesma frase. As mesmas palavras que ecoavam em meus sonhos.
E, pela primeira vez, tive certeza absoluta de que não era coincidência.
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Atualizado até capítulo 36
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