Os dias que se seguiram foram um borrão de dor e silêncio. Meu corpo estava coberto de hematomas, a pele marcada como se cada golpe tivesse deixado uma lembrança gravada para sempre. Eu não conseguia me olhar no espelho sem sentir um nó na garganta. Cada respiração lembrava a costela dolorida, cada passo vacilante me lembrava de que estive à beira da morte.
Mas, ao mesmo tempo, havia sempre alguém ali. Ele.
Não importava a hora do dia ou da noite, quando eu abria os olhos, encontrava sua presença próxima. Às vezes sentado numa poltrona, observando-me em silêncio; outras, apenas entrando no quarto para se certificar de que eu estava bem. Nunca sorria, nunca se mostrava vulnerável, mas também nunca me deixou sozinha.
Eu tentava odiá-lo. Tentava me lembrar do motivo da minha fuga, da vida que eu havia escolhido ao lado de Samuel, da liberdade que pensei ter conquistado. Mas cada vez que a lembrança da ligação vinha à tona — a voz de Samuel rindo, duvidando, desligando — uma parte de mim se despedaçava. E, nos pedaços restantes, era ele quem estava lá, juntando-os sem dizer palavra.
Numa manhã chuvosa, consegui levantar da cama com esforço. Minhas pernas tremiam, mas eu queria provar a mim mesma que ainda tinha força. Apoiei-me na parede, caminhando devagar pelo quarto até alcançar a janela. A cidade se estendia adiante, suas luzes distantes parecendo um mundo ao qual eu não pertencia mais.
— Você não deveria estar de pé ainda. — a voz dele soou atrás de mim.
Virei lentamente, encontrando-o encostado no batente da porta, braços cruzados. A presença dele era tão marcante que o quarto parecia encolher.
— Não vou passar o resto da vida nessa cama. — murmurei, tentando soar firme, mesmo que meu corpo tremesse.
Ele se aproximou, passo após passo, até estar perto o bastante para que eu sentisse o calor que emanava dele. Segurou meu braço com firmeza, mas sem brutalidade, sustentando meu peso quando minhas pernas quase cederam.
— Você precisa de tempo para se recuperar. — disse, olhando-me nos olhos. — Não tente provar nada para ninguém.
Meu coração acelerou. Havia uma estranha ternura escondida em sua voz, algo que eu não esperava. Engoli em seco, afastando o olhar.
— Não sou fraca.
— Eu sei que não é. — respondeu, quase num sussurro.
Ele me ajudou a voltar para a cama, ajeitando os travesseiros atrás de mim. Eu o observei em silêncio, notando detalhes que antes me recusava a ver: a precisão de seus gestos, a paciência inesperada, a forma como parecia carregar uma fúria contida no olhar, mas jamais a deixava cair sobre mim. Era como se fosse feito de aço por fora, mas carregasse algo mais profundo que não ousava mostrar.
Nos dias seguintes, pequenas coisas começaram a acontecer. Uma xícara de chá deixada ao lado da cama. Um cobertor ajustado em meu corpo quando eu adormecia sem perceber. Livros escolhidos e empilhados na mesa, como se soubesse que eu precisava distrair a mente. Ele nunca admitia ter feito nada disso, apenas surgia quando eu notava.
E, contra a minha vontade, aquilo começou a me tocar.
Uma noite, acordei assustada após um pesadelo. Samuel estava no sonho, rindo de mim enquanto eu sangrava, e acordei com o coração disparado, a respiração presa na garganta. Antes que pudesse me recompor, a porta se abriu e ele entrou.
— O que foi? — perguntou, sério, aproximando-se.
Sacudi a cabeça, mas as lágrimas já escorriam.
— Nada… foi só um sonho.
Ele não insistiu. Apenas sentou-se na beira da cama e, com um gesto inesperado, segurou minha mão. Sua pele era quente, firme, e por um momento me senti ancorada. Fechei os olhos, permitindo que aquele contato me acalmasse, mesmo sabendo que não deveria.
— Você não precisa ter medo. — disse ele, baixo, quase como se fosse um segredo. — Enquanto eu estiver aqui, ninguém vai encostar em você de novo.
Minha garganta se apertou. Quis responder que não acreditava, que não precisava dele, mas a verdade era cruel demais: eu acreditava. Pela primeira vez em semanas, senti que talvez pudesse realmente dormir em paz.
E foi o que fiz. Adormeci ainda com sua mão segurando a minha, e pela manhã, quando acordei, ele não estava mais lá — mas o cobertor sobre meu corpo denunciava que havia permanecido a noite inteira, velando meu sono.
Aos poucos, minhas defesas começaram a ruir. Eu ainda dizia a mim mesma que era orgulho, que não cederia, que jamais aceitaria ser a noiva de alguém escolhido pelo meu pai. Mas a cada gesto, a cada olhar silencioso, a cada vez que ele estava ali quando o mundo parecia desmoronar, eu sentia algo dentro de mim ceder.
Não era amor. Ainda não.
Era sobrevivência.
Era gratidão.
Era o começo de algo que eu não tinha coragem de nomear.
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Atualizado até capítulo 51
Comments
Glaucia Marques Gomes
o orgulho é um péssimo conselheiro,ela tem que perceber que foi enganada por Samuel.... se brincar foi ele que armou o sequestro dela.... ansiosa por mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais
2025-09-11
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Maria Luísa de Almeida franca Almeida franca
adorando cada capítulo da história vc está de parabéns autora mais atualização por favor
2025-09-11
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Dulce Gama
É minha linda orgulho ferido de uma péssima escolha pensou que estaria feliz com sua escolha coitada dançou feio 🌟🌟🌟🌟🌟🌹🌹🌹🌹🌹🎁🎁🎁🎁🎁❤️❤️❤️❤️❤️👍👍👍👍👍
2025-09-11
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