O vento da madrugada cortava meu rosto enquanto o carro avançava pela estrada deserta, e eu sentia que podia respirar. Não era apenas o cheiro de gasolina misturado ao de terra molhada que me fazia sorrir; era a sensação de que, enfim, eu tinha deixado para trás o mundo que sempre me sufocou. A mansão com suas paredes altas, os olhares carregados de segredos, as ordens do meu pai que caíam sobre mim como correntes invisíveis… tudo parecia distante agora, como se tivesse sido apenas um pesadelo do qual eu acabara de despertar.
Do lado do motorista, ele segurava o volante com firmeza, os olhos fixos na estrada escura. O homem pelo qual eu havia abandonado tudo. Samuel. Não era mafioso, não era filho de clã algum, não tinha sangue em suas mãos. Quando o conheci, parecia exatamente o contrário de tudo que meu pai representava. Simples, com um sorriso fácil e uma fala macia, ele me prometeu aquilo que eu nunca havia ousado sonhar: uma vida normal.
— Você está bem? — ele perguntou, sem desviar os olhos da pista.
Assenti, ainda abraçando meus próprios braços para afastar o frio.
— Estou. Só… é estranho. Parece um sonho.
Ele riu baixinho.
— Então vamos viver esse sonho juntos. A partir de agora, você é só minha, não daquela prisão que chamam de família.
Meus olhos se encheram de lágrimas, e eu olhei pela janela, deixando que a escuridão engolisse qualquer sombra de culpa. Eu sabia que meu pai não iria desistir facilmente. Ele não era o tipo de homem que aceitava ser desafiado, muito menos pela própria filha. Mas naquele momento eu não queria pensar nele, nem no casamento arranjado, nem na vida que abandonei. Eu só queria acreditar que estava segura, que Samuel era suficiente para me manter longe da guerra, da violência e da morte.
Os dias seguintes foram um turbilhão de descobertas. Acordar em uma cama pequena, de lençóis simples, mas quentes, era uma novidade que me fazia sorrir todas as manhãs. Samuel arrumava café com pão fresco, e às vezes queimava a torrada, arrancando risadas que eu nem lembrava que podia ter. Andávamos de mãos dadas pela rua como um casal qualquer, e ninguém nos olhava com desconfiança, ninguém abaixava a cabeça com medo de quem eu era. Pela primeira vez, eu não era “a filha do chefão”. Eu era apenas… eu.
Mas, por trás da doçura desses momentos, algo sempre parecia fora do lugar. Samuel tinha um jeito inquieto, às vezes distante. Em alguns dias chegava mais tarde do que prometia, com desculpas vagas sobre trabalho. Outras vezes ficava horas preso ao celular, trocando mensagens que não compartilhava comigo. Eu tentava afastar esses pensamentos, porque, no fundo, meu maior medo era que minha desconfiança fosse apenas reflexo da vida que deixei para trás.
Certa noite, acordei com um sobressalto. Samuel não estava ao meu lado na cama. Levantei devagar, sentindo o piso frio debaixo dos pés, e segui a luz fraca que vinha da cozinha. Ele estava encostado à bancada, falando baixo ao telefone.
— Eu já disse, não se preocupe com ela… ela acredita em tudo.
Meu coração acelerou, e precisei segurar a porta para não desmoronar ali mesmo. Quem era “ela”? Será que estava falando de mim? Ou seria apenas paranoia? Fiquei parada, ouvindo, mas antes que pudesse juntar coragem para perguntar, ele desligou e voltou para o quarto. Deitei de volta e fechei os olhos, fingindo dormir. Quando ele me abraçou por trás, eu me obriguei a acreditar que talvez tivesse entendido errado.
Os dias viraram semanas, e a sensação de liberdade começou a rachar como vidro sob pressão. Eu ainda sorria, ainda fingia estar tranquila, mas no fundo algo latejava dentro de mim, uma voz sussurrando que eu estava correndo de um destino apenas para cair em outro. Samuel era doce quando queria, mas havia um vazio no olhar dele que eu não sabia como preencher.
Uma tarde chuvosa, estávamos sentados no sofá, a televisão ligada em um programa qualquer que eu nem prestava atenção. Olhei para ele, o rosto iluminado pelas imagens coloridas da tela, e senti a pergunta subir à minha boca antes que pudesse controlar:
— Você me ama, Samuel?
Ele riu, como se a dúvida fosse absurda.
— Claro que amo, você largou tudo por mim, não é?
Eu forcei um sorriso. A resposta era simples demais, automática demais. Como se amor fosse apenas um lembrete do que fiz, e não algo que ele realmente sentisse.
Naquela noite, sonhei com meu pai. O olhar dele duro, frio, cravado em mim, como se me dissesse: “você vai voltar para mim, cedo ou tarde”. Acordei suando, com a respiração presa na garganta, e percebi que Samuel dormia pesado ao meu lado, alheio ao turbilhão dentro de mim.
As semanas seguintes foram um espelho quebrado: pedaços de felicidade espalhados entre cortes de incerteza. Eu ainda acreditava nele, mas já não tinha certeza se deveria. E, mesmo assim, me agarrava à ideia de que o amor era suficiente para me salvar, para me afastar das garras da máfia, para me proteger do mundo cruel ao qual eu pertencia por sangue.
Eu não sabia, ainda, que essa ilusão teria um preço alto demais. Que a confiança que depositava nele seria o fio que me levaria direto ao inferno.
Mas, naquela altura, eu ainda acreditava. Ainda segurava a mão dele com força, acreditando que havia feito a escolha certa.
E foi justamente essa fé cega que me condenou.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 51
Comments
Sandra Camilo
tadinha acreditou no safado, aposto que está traindo
2025-09-11
2
Sandra Camilo
tadinha acreditou no safado, aposto que está traindo
2025-09-11
0
Dulce Gama
meu Deus que cara safado ordinário será que ele tem.outra.pessoa👍👍👍👍👍❤️❤️❤️❤️❤️🎁🎁🎁🎁🎁🌹🌹🌹🌹🌹🌟🌟🌟🌟🌟
2025-09-11
0