Sob o Domínio do Falcão
🌆 Rotina da Kira e da Scarlett
O relógio marcava 06h30 da manhã.
No centro do Rio de Janeiro, um apartamento moderno, grande, com vista para a cidade, se enchia do som estridente do despertador.
— Droga… mais um dia nessa selva de loucos — resmungou Kira, se levantando da cama. O cabelo preto bagunçado, a cara fechada, e o pijama de seda amassado davam a ela aquele ar de quem não tinha paciência pra nada.
Ela caminhou até a cozinha, onde encontrou Scarlett já de pé, tomando café com a cara enterrada no celular.
— Você não dorme, não? — Kira puxou a caneca da amiga.
— Dormo, mas enquanto você ronca que nem trator, eu estudo caso. — Scarlett deu um gole na própria xícara, rindo da cara de mau humor da outra.
— Cala a boca, escandalosa.
No apartamento das duas, era sempre assim: Kira, a advogada criminalista, sarcástica e sem filtro, e Scarlett, a perita criminal, afiada e debochada. Juntas, eram praticamente uma dupla imparável.
Enquanto se arrumavam, os diálogos eram dignos de stand-up:
— Essa saia é curta demais pra tribunal, não acha? — Scarlett olhou Kira de cima a baixo.
— Querida, quando você tem argumentos e um traseiro desses, ninguém presta atenção na saia.
— Ah, tá se achando.
— Não tô me achando. Eu sou.
Naquele dia, Kira tinha uma audiência pesada e Scarlett iria analisar provas num caso de homicídio. No carro, indo pro trabalho, não faltavam discussões sobre música, trânsito e até fofocas de escritório.
— Juro por Deus, Scarlett, se aquele promotor me interromper de novo, vou enfiar o código penal inteiro no rabo dele.
— Só não pode filmar, senão cai na internet e você vira meme.
— Meme é o mínimo. Eu viro lenda.
O dia foi longo. Kira destruiu o promotor na audiência, Scarlett pegou detalhes importantes de uma perícia e, à noite, as duas decidiram sair pra beber.
No bar, riram, dançaram, cantaram desafinadas e beberam mais do que deviam. Quando pegaram o carro de volta, já passava da 01h da manhã.
— Tá vendo aquele cara ali? — Scarlett apontou pra rua. — Aposto que ele vende DVD pirata ainda.
— Scarlett, você tá bêbada.
— E você não tá?
— Tô, mas eu dirijo melhor bêbada do que você sóbria.
— Ah tá. Vou confiar.
No meio das risadas, o carro derrapou. O som de buzinas, pneus cantando, um clarão de faróis vindo na direção delas.
— Kira!
— Segura!
Um impacto brutal. Tudo apagou.
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🌃 Rotina de Camila e Grazyelly
Enquanto isso, no Morro do Cruzeiro, a vida seguia outro ritmo.
Camila, a piriguete oficial, desfilava de short minúsculo pelo beco, mastigando chiclete e jogando cabelo. Ao lado dela, Grazyelly, igualmente extravagante, mas sempre babando pelo Sub, o Coringa.
— Amiga, você viu o Falcão hoje? — Camila suspirou, olhando pra mansão no alto do morro.
— Vi, mas ele nem olhou na sua cara.
— Cala a boca, vaca. Uma hora ele cai no meu charme.
— Só se for morto. Porque vivo… — Grazyelly gargalhou.
Passaram o dia causando: brigaram com Vanessa e Yasmin, as rivais, fizeram escândalo no bar da Dona Zuleide e ainda juraram se vingar porque o Falcão não deu moral.
— Aquelas duas são ridículas. — Camila batia o pé no chão.
— Ridículas são nós duas, amiga. Você atrás do Falcão e eu atrás do Coringa.
— Mas nós é bonita, né?
— Somos. Mas somos burras.
— Ah, cala a boca e vamos beber.
No fim da noite, voltaram pra casa, rindo alto, falando besteira. Deitaram cada uma no seu quarto. A TV ainda ligada na sala mostrava o noticiário falando de um acidente de carro na cidade. Mas elas já estavam apagadas, sem imaginar nada do que viria.
🌄 O Despertar
O sol mal tinha nascido quando Camila (Kira) acordou. A cabeça latejava, mas a sensação era estranha. Ela olhou em volta. Quarto pequeno, paredes com pôster de funk, roupas espalhadas.
— Mas que… que merda é essa? — Kira sentou na cama. — Isso não é minha casa.
Ela levantou, cambaleando, e foi até o espelho. O choque foi imediato: uma mulher com short curto, barriga de fora e piercing no umbigo a encarava.
— Não. Não, não, não. Isso é pesadelo. Isso é pegadinha.
Ela puxou o cabelo loiro.
— EU. TÔ. NUMA. PIRIGUETE.
Do outro lado da casa, Grazyelly (Scarlett) também acordava.
— Ah, não. Não pode ser. — Scarlett olhou as unhas postiças rosas. — Quem pintou essa coisa? Meu Deus, olha o tamanho desse decote.
Correu pro espelho. — Ah, não. Eu tô dentro da amiga da piriguete.
Na cozinha, as duas se encontraram. Uma encarou a outra, em choque.
— …Kira? — Scarlett arriscou.
— Scarlett? — Kira arregalou os olhos.
— Ah, não. Não, não, não. Você morreu também?
— Claro que morri, sua anta. Você acha que ia me deixar sozinha nessa?
As duas ficaram alguns segundos em silêncio. Então explodiram juntas:
— QUE MERDA É ESSA?!
Kira puxava a blusa curta tentando cobrir a barriga.
— Essas roupas mostram até o útero, Scarlett! Isso é desumano!
Scarlett segurava o cabelo com mega hair.
— Eu pareço uma boneca inflável, Kira!
— Pelo menos a bunda é boa. — Kira olhou pro espelho e deu um tapa no próprio quadril. — Tá, confesso, o corpo é bom.
— É, mas a reputação é lixo.
De repente, flashes começaram a surgir na cabeça delas. Como se fossem memórias que não eram delas: Camila brigando na rua, Grazyelly correndo atrás de soldado, as duas sendo humilhadas pelas rivais no bar da Zuleide.
— Ah, não. Não acredito. Eu sou ELA. Eu sou a barraqueira. — Kira se jogou na cadeira da cozinha.
— E eu sou a grudenta atrás do Sub. Ah, que pesadelo. — Scarlett passou a mão no rosto.
O silêncio durou pouco. As duas começaram a rir alto, quase chorando de tanto rir.
— Kira, olha isso! A gente passou de advogadas fodonas pra duas piriguetes do morro!
— Isso não é reencarnação, Scarlett. Isso é castigo divino!
— Castigo não, amiga… isso é novela mexicana.
E caíram na gargalhada de novo.
📖 – Continuação
A risada ecoava pela cozinha apertada. O chão de cerâmica trincada, a mesa com toalha florida já manchada de molho, a cafeteira velha chiando sozinha.
Nada lembrava a vida de luxo e poder que Kira e Scarlett tinham até algumas horas atrás.
— Tá, vamos pensar. — Kira se apoiou na mesa, séria, ainda que estivesse de top e short minúsculo. — A gente morreu.
— Morreu. — Scarlett confirmou, mexendo nas próprias unhas postiças com nojo.
— Acordamos aqui. — Kira apontou ao redor.
— E no corpo dessas duas. — Scarlett completou. — Eu tô na tal da Grazyelly e você… parabéns, tá na piriguete oficial do morro.
Kira respirou fundo.
— Deus realmente tem senso de humor.
Scarlett bufou.
— Sabe o que é pior? Eu lembro de algumas coisas dessa mulher. Tipo flashes, sabe?
Kira arregalou os olhos. — Também! Eu vi umas cenas horríveis… ela brigando no meio da rua, quase puxando o cabelo de uma mina porque “olhou pro Falcão”.
Scarlett gargalhou. — Ah, não. Eu vi a minha implorando pro Coringa dar carona na moto. O homem nem olhou, e ela atrás igual cachorro pidão.
Elas se olharam e, ao mesmo tempo, disseram:
— Que humilhação!
Riram tanto que as lágrimas vieram. Mas, quando o riso passou, a realidade bateu.
— E agora? — Scarlett perguntou, séria. — O que a gente faz?
— Primeiro… — Kira se levantou e foi até o armário. Quando abriu, deu de cara com uma fileira de roupas curtas, tops coloridos, vestidos minúsculos. — …a gente chora.
Ela pegou um vestido rosa choque com glitter e ergueu como se fosse um pano de chão.
— Isso aqui parece cortina de puteiro.
Scarlett, ainda rindo, puxou um short jeans tão curto que parecia infantil.
— Amiga, esse aqui mostra até a alma.
As duas caíram na gargalhada de novo.
🌪️ Flashback – A vida de Camila e Grazyelly
De repente, as memórias começaram a vir com mais força. Era como se uma porta tivesse se aberto.
Camila (o corpo da Kira):
Ela surgiu na mente das duas. Uma jovem do morro, sempre se achando a mais bonita, andando rebolando pelo beco, dando em cima do Falcão.
— “Um dia ele vai ser meu, vocês vão ver!” — gritava, brigando com as rivais.
Era barraqueira, falava alto, vivia de briga em briga, sempre vestida como se fosse pra baile funk até no mercado.
Grazyelly (o corpo da Scarlett):
Uma cópia da amiga, só que focada no Sub, o Coringa. Era oferecida, dramática, vivia correndo atrás dele.
— “Thiago, só um beijinho, vai…” — lembrava Scarlett, rindo de desespero.
E, claro, era companheira de todas as confusões de Camila.
As imagens mostravam as duas amigas originais aprontando juntas:
Brigando com vizinhas na laje.
Fazendo escândalo no baile.
Caindo bêbadas na calçada.
Tentando se meter na vida do Falcão e do Coringa, sempre sendo rejeitadas.
Quando o flashback terminou, Kira estava boquiaberta.
— Scarlett, eu não consigo acreditar que essa foi minha reencarnação. Eu, uma advogada que botava medo em juiz, agora sou a barraqueira do morro.
Scarlett também parecia em choque.
— E eu? A melhor perita criminal da central, agora sou a sombra da barraqueira.
Elas ficaram alguns segundos em silêncio. Depois, Kira respirou fundo e falou com sarcasmo:
— Parabéns, Scarlett. A gente saiu de advogata e peritona pra piriguete e lambisgoia.
— Obrigada, Kira. Obrigada, universo.
🍳 A Primeira Confusão
Enquanto elas tentavam se acostumar com a nova realidade, a campainha da casa tocou.
— Quem é? — Kira sussurrou, assustada.
— Sei lá, mas se esconder não dá, né? — Scarlett abriu a porta.
Era Dona Zuleide, a fofoqueira do beco.
— Camila! Grazyelly! Vocês ainda dormindo, suas vagabundas? Já são quase dez horas!
Kira e Scarlett se entreolharam.
— Dormindo… é… — Kira tentou inventar. — A gente tava… rezando.
Scarlett segurou o riso.
— Reza é? No short enfiado até a costela? — Dona Zuleide revirou os olhos. — Vão logo comprar pão, e nada de fiado!
Ela foi embora, resmungando. Assim que fechou a porta, as duas explodiram de rir.
— Meu Deus, Scarlett! Eu nunca fui chamada de vagabunda tão cedo na manhã!
— E ainda mandou comprar pão! Eu nem sei onde fica a padaria daqui!
Kira suspirou.
— Tá decidido. Se a gente vai viver nessa bagunça, vamos ter que aprender as regras do jogo.
⚡ Diálogo de Sobrevivência
Sentadas na cozinha, decidiram traçar um “plano de ação”.
— Primeiro: roupa. — Kira levantou o vestido rosa. — Eu me recuso a usar isso.
— Amiga, a gente não tem outra opção. O guarda-roupa só tem piriguetagem. — Scarlett deu de ombros.
— Então vou usar esse short aqui. — Kira pegou o jeans minúsculo. — Mas se alguém olhar demais, eu arranco o olho.
— Isso, garota. Mostra quem manda.
— Segundo: comida. — Scarlett abriu a geladeira. — Tem o quê?
Dentro, só cerveja, iogurte vencido e um pote de margarina.
— Eu… eu sinto falta do meu café da manhã com frutas, aveia, suco verde… — Scarlett quase chorou.
Kira pegou a cerveja, abriu e deu um gole.
— Agora o café da manhã é isso aqui, amiga. Bem-vinda ao morro.
Scarlett caiu na gargalhada, mas no fundo, estava desesperada.
🌞 Explorando o Morro
Mais tarde, as duas resolveram sair. Quando pisaram no beco, a vizinhança toda olhou.
— Olha lá, as duas de novo. — cochichou uma mulher.
— Já devem tá indo atrás do Falcão e do Coringa. — respondeu outra.
Kira, com a língua afiada, não se segurou.
— Olha, Scarlett, parece que temos fãs.
Scarlett piscou. — Fãs não, haters.
Passaram pela padaria, compraram pão e ouviram ainda mais cochichos.
— Hoje tão quietinhas, né? — um vizinho riu. — Estranho vocês não tá arrumando confusão.
— Tô de férias, querido. — Kira respondeu, seca.
Scarlett riu alto.
— Eu amo quando você é grossa. Ninguém nunca entende se é sério ou zoeira.
— É sempre os dois. — Kira piscou.
🌌 Noite
À noite, sentadas na laje da casa, olhando a vista do Rio iluminado, as duas suspiraram juntas.
— Eu ainda não acredito nisso, Kira. — Scarlett falou baixinho. — Ontem eu tava no laboratório. Hoje, tô aqui, com unha postiça e cheiro de funk.
— É. — Kira bebeu um gole da cerveja. — Mas quer saber? Se a vida deu esse corpo, essa casa e esse morro…
Ela olhou firme pra Scarlett.
— …então a gente vai transformar essa merda em poder.
Scarlett sorriu.
— Como sempre, você com a frase de efeito no final.
— E você rindo da minha cara.
— É. Algumas coisas nunca mudam.
As duas brindaram com as latinhas de cerveja, sem imaginar que, dali pra frente, a vida no Morro do Cruzeiro ia ser ainda mais intensa, perigosa e engraçada do que qualquer tribunal ou laboratório.
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Atualizado até capítulo 57
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