🌞 O Dia Seguinte
O sol invadia o quarto pequeno, e Kira acordou com um baque na cabeça.
Não era ressaca. Era a realidade.
— Ah, não… — murmurou, passando a mão no rosto. — Ainda tô aqui.
Do outro lado, Scarlett já estava acordada, mexendo nas unhas postiças como se aquilo fosse tortura medieval.
— Bom dia, Camila. — ela disse, com sarcasmo.
— Vai se ferrar, Grazyelly. — Kira rebateu, ainda deitada.
As duas ficaram em silêncio por alguns segundos, até que Kira pulou da cama, com aquele ar determinado.
— Scarlett, eu tive uma ideia.
— Lá vem. — Scarlett suspirou. — Sempre que você fala isso, ou a gente acaba presa, ou explodindo alguma coisa.
— Confia. — Kira ergueu o dedo. — Vamos sair daqui.
— Da casa?
— Não, do morro. Vamos pra cidade. Pra nossa antiga casa.
Scarlett arregalou os olhos.
— Você tá maluca?
— Talvez. Mas me diz: você quer viver o resto da sua vida nessa briboca, cercada de fofoqueira e short enfiado no rim?
Scarlett olhou pro próprio corpo e fez uma careta.
— Tá. Tem um ponto. Mas… como a gente sai daqui?
— Fácil. A gente desce. — Kira abriu os braços.
— A gente nem sabe onde a gente tá, Kira! Isso aqui é o Morro do Cruzeiro! Eu não sei nem onde começa, onde termina…
Kira sorriu maliciosa.
— Então hoje a gente vai descobrir.
🥖 A Preparação
Na cozinha, pegaram duas bolsas velhas e enfiaram o que encontraram: pão, duas latinhas de cerveja e um pacote aberto de bolacha.
— Essa é a comida da missão? — Scarlett riu.
— Agente secreta sobrevive com o que tem. — Kira respondeu, séria.
Quando abriram o guarda-roupa, a decepção foi geral.
— De novo, só piriguetagem. — Scarlett bufou. — Não tem uma calça jeans normal?
— Tem esse macacão aqui. — Kira ergueu um jeans rasgado até a virilha.
— Isso é normal pra quem? Pra Lady Gaga?
— Anda logo, Scarlett. Coloca isso aí.
Depois de vinte minutos de xingamentos, maquiagem torta e salto quebrado, as duas estavam prontas para a “operação fuga”.
🚶 Descendo o Morro
Assim que botaram o pé no beco, começaram os olhares. Crianças correndo gritaram:
— Olha a Camila e a Grazyelly! Já vão caçar confusão!
— Shhh! — Scarlett colocou o dedo na boca, tentando parecer séria.
— É… a gente hoje tá de boas. — Kira tentou se explicar.
As vizinhas, sentadas na porta, já cochichavam:
— Estranho… elas tão quietas demais.
— Isso é coisa. Alguma merda vai acontecer.
Ignorando os comentários, elas foram descendo. Mas logo perceberam um detalhe importante:
— Kira… esse morro tem mais curva que novela mexicana. — Scarlett reclamou, suando.
— Cala a boca e anda.
— Tô andando! Mas esse salto não foi feito pra escalada!
De repente, um cachorro magro começou a segui-las, latindo.
— Sai, demônio! — Scarlett gritou, correndo.
— Relaxa, ele não morde. — disse um moleque. — Só late.
— É, mas eu não sou Jesus pra andar na fé. — Scarlett resmungou, se escondendo atrás de Kira.
🛑 Primeiro Obstáculo
Quando finalmente chegaram a um ponto mais movimentado do morro, deram de cara com dois caras armados, parados no beco.
Um deles ergueu a mão.
— Ô, ô, ô… Camila? Grazyelly? Onde vocês tão indo?
As duas congelaram.
Kira, tentando manter a calma, sorriu falso.
— É… a gente tá indo ali… no… cabeleireiro.
Scarlett piscou, nervosa.
— Isso! Fazer a unha!
— Mas vocês já não fizeram ontem? — o outro cara perguntou, desconfiado.
As duas se entreolharam, desesperadas.
— Mulher que é mulher nunca tá satisfeita com a unha. — Kira rebateu, séria.
O rapaz ficou em silêncio. Depois riu.
— Verdade. Tá certo, vai lá.
Elas seguiram rápido, com o coração na boca.
— Meu Deus, Kira, a gente quase morreu!
— Relaxa, Scarlett. Eu sou advogada até morta. Sempre tenho uma desculpa.
🚏 A Saída
Depois de muito suor, finalmente chegaram na entrada do morro. Viram o asfalto, a rua movimentada, ônibus passando.
Pararam, ofegantes, olhando a cidade.
— Scarlett… — Kira suspirou. — A gente conseguiu.
— Eu me sinto uma fugitiva da prisão.
— De certa forma, somos.
Foram até o ponto de ônibus. Quando o coletivo parou, subiram. Só que não tinham dinheiro.
— A passagem. — disse o cobrador.
As duas se olharam, em choque.
— Scarlett, você tem dinheiro?
— Claro que não! Você acha que piriguete anda com cartão de crédito?
Kira bufou.
— Olha, moço, é o seguinte. Eu tô passando por uma crise existencial, acabei de descobrir que morri e reencarnei no corpo de uma barraqueira. Então, ou você deixa a gente passar, ou eu vou começar a falar artigo do código penal até você desistir.
O cobrador ficou mudo. Depois apontou com a cabeça.
— Sobe logo, vai.
As duas se jogaram nas cadeiras, rindo.
— Kira, você é um gênio.
— Eu sei. Mas ainda tô de short enfiado no rabo.
🏙️ Chegando na Cidade
O ônibus desceu, atravessando as ruas movimentadas do Rio. Kira e Scarlett olhavam tudo pela janela, emocionadas.
— Olha, Scarlett… a cidade! Eu nunca pensei que ia me emocionar de ver sinal de trânsito.
— Eu tô quase chorando por ver uma farmácia.
Quando desceram, caminharam até o prédio onde moravam antes de morrer. Só que tinha um detalhe:
— Kira… — Scarlett puxou o braço dela. — A gente não tem mais chave.
— E nem corpo. — Kira completou, suspirando.
Olharam para a portaria. O porteiro novo, que não conheciam, as encarou de cima a baixo.
— Vocês querem o quê?
Kira respirou fundo.
— Morar aqui.
— Morar? Aqui é prédio de alto padrão.
Scarlett cochichou no ouvido da amiga.
— Kira, a gente tá de shortinho brilhante, parece que saiu do baile. Você acha que ele vai acreditar que morava aqui?
— Shhh. — Kira sorriu pro porteiro. — Escuta, a gente era dona do apartamento 802.
— Dona? — o porteiro riu. — Tá bom, piriguete. Vai sonhando.
As duas ficaram paradas na frente do prédio, em choque.
— Kira, eu tô sentindo uma vergonha alheia tão grande…
— Scarlett, eu nunca apanhei tanto da realidade em um só dia.
Já cansadas, decidiram sentar no banco da praça em frente ao prédio.
O barulho dos carros, gente andando, crianças brincando. Tudo parecia tão normal… mas nada mais era normal pra elas.
— E agora, Kira? — Scarlett perguntou, séria.
— Agora? — Kira deu de ombros. — A gente volta pro morro.
— O quê?! Depois desse esforço todo?
— Scarlett, é a única opção. É lá que esses corpos vivem. Se a gente tentar mudar de vida, vão desconfiar.
— Ai, que ódio.
Kira colocou o braço ao redor da amiga.
— Relaxa. A gente vai transformar esse morro num tribunal.
— E num laboratório. — Scarlett completou.
— Exatamente. Se o universo achou que ia nos derrubar, se enganou.
As duas se olharam e sorriram.
O ônibus de volta ao morro se aproximava.
— Mas amanhã… — Kira piscou. — A gente arruma um jeito de se vingar do universo.
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Atualizado até capítulo 57
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