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Sob o Domínio do Falcão

Capítulo 1 - O Acidente e a Reencarnação

🌆 Rotina da Kira e da Scarlett

O relógio marcava 06h30 da manhã.

No centro do Rio de Janeiro, um apartamento moderno, grande, com vista para a cidade, se enchia do som estridente do despertador.

— Droga… mais um dia nessa selva de loucos — resmungou Kira, se levantando da cama. O cabelo preto bagunçado, a cara fechada, e o pijama de seda amassado davam a ela aquele ar de quem não tinha paciência pra nada.

Ela caminhou até a cozinha, onde encontrou Scarlett já de pé, tomando café com a cara enterrada no celular.

— Você não dorme, não? — Kira puxou a caneca da amiga.

— Dormo, mas enquanto você ronca que nem trator, eu estudo caso. — Scarlett deu um gole na própria xícara, rindo da cara de mau humor da outra.

— Cala a boca, escandalosa.

No apartamento das duas, era sempre assim: Kira, a advogada criminalista, sarcástica e sem filtro, e Scarlett, a perita criminal, afiada e debochada. Juntas, eram praticamente uma dupla imparável.

Enquanto se arrumavam, os diálogos eram dignos de stand-up:

— Essa saia é curta demais pra tribunal, não acha? — Scarlett olhou Kira de cima a baixo.

— Querida, quando você tem argumentos e um traseiro desses, ninguém presta atenção na saia.

— Ah, tá se achando.

— Não tô me achando. Eu sou.

Naquele dia, Kira tinha uma audiência pesada e Scarlett iria analisar provas num caso de homicídio. No carro, indo pro trabalho, não faltavam discussões sobre música, trânsito e até fofocas de escritório.

— Juro por Deus, Scarlett, se aquele promotor me interromper de novo, vou enfiar o código penal inteiro no rabo dele.

— Só não pode filmar, senão cai na internet e você vira meme.

— Meme é o mínimo. Eu viro lenda.

O dia foi longo. Kira destruiu o promotor na audiência, Scarlett pegou detalhes importantes de uma perícia e, à noite, as duas decidiram sair pra beber.

No bar, riram, dançaram, cantaram desafinadas e beberam mais do que deviam. Quando pegaram o carro de volta, já passava da 01h da manhã.

— Tá vendo aquele cara ali? — Scarlett apontou pra rua. — Aposto que ele vende DVD pirata ainda.

— Scarlett, você tá bêbada.

— E você não tá?

— Tô, mas eu dirijo melhor bêbada do que você sóbria.

— Ah tá. Vou confiar.

No meio das risadas, o carro derrapou. O som de buzinas, pneus cantando, um clarão de faróis vindo na direção delas.

— Kira!

— Segura!

Um impacto brutal. Tudo apagou.

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🌃 Rotina de Camila e Grazyelly

Enquanto isso, no Morro do Cruzeiro, a vida seguia outro ritmo.

Camila, a piriguete oficial, desfilava de short minúsculo pelo beco, mastigando chiclete e jogando cabelo. Ao lado dela, Grazyelly, igualmente extravagante, mas sempre babando pelo Sub, o Coringa.

— Amiga, você viu o Falcão hoje? — Camila suspirou, olhando pra mansão no alto do morro.

— Vi, mas ele nem olhou na sua cara.

— Cala a boca, vaca. Uma hora ele cai no meu charme.

— Só se for morto. Porque vivo… — Grazyelly gargalhou.

Passaram o dia causando: brigaram com Vanessa e Yasmin, as rivais, fizeram escândalo no bar da Dona Zuleide e ainda juraram se vingar porque o Falcão não deu moral.

— Aquelas duas são ridículas. — Camila batia o pé no chão.

— Ridículas são nós duas, amiga. Você atrás do Falcão e eu atrás do Coringa.

— Mas nós é bonita, né?

— Somos. Mas somos burras.

— Ah, cala a boca e vamos beber.

No fim da noite, voltaram pra casa, rindo alto, falando besteira. Deitaram cada uma no seu quarto. A TV ainda ligada na sala mostrava o noticiário falando de um acidente de carro na cidade. Mas elas já estavam apagadas, sem imaginar nada do que viria.

🌄 O Despertar

O sol mal tinha nascido quando Camila (Kira) acordou. A cabeça latejava, mas a sensação era estranha. Ela olhou em volta. Quarto pequeno, paredes com pôster de funk, roupas espalhadas.

— Mas que… que merda é essa? — Kira sentou na cama. — Isso não é minha casa.

Ela levantou, cambaleando, e foi até o espelho. O choque foi imediato: uma mulher com short curto, barriga de fora e piercing no umbigo a encarava.

— Não. Não, não, não. Isso é pesadelo. Isso é pegadinha.

Ela puxou o cabelo loiro.

— EU. TÔ. NUMA. PIRIGUETE.

Do outro lado da casa, Grazyelly (Scarlett) também acordava.

— Ah, não. Não pode ser. — Scarlett olhou as unhas postiças rosas. — Quem pintou essa coisa? Meu Deus, olha o tamanho desse decote.

Correu pro espelho. — Ah, não. Eu tô dentro da amiga da piriguete.

Na cozinha, as duas se encontraram. Uma encarou a outra, em choque.

— …Kira? — Scarlett arriscou.

— Scarlett? — Kira arregalou os olhos.

— Ah, não. Não, não, não. Você morreu também?

— Claro que morri, sua anta. Você acha que ia me deixar sozinha nessa?

As duas ficaram alguns segundos em silêncio. Então explodiram juntas:

— QUE MERDA É ESSA?!

Kira puxava a blusa curta tentando cobrir a barriga.

— Essas roupas mostram até o útero, Scarlett! Isso é desumano!

Scarlett segurava o cabelo com mega hair.

— Eu pareço uma boneca inflável, Kira!

— Pelo menos a bunda é boa. — Kira olhou pro espelho e deu um tapa no próprio quadril. — Tá, confesso, o corpo é bom.

— É, mas a reputação é lixo.

De repente, flashes começaram a surgir na cabeça delas. Como se fossem memórias que não eram delas: Camila brigando na rua, Grazyelly correndo atrás de soldado, as duas sendo humilhadas pelas rivais no bar da Zuleide.

— Ah, não. Não acredito. Eu sou ELA. Eu sou a barraqueira. — Kira se jogou na cadeira da cozinha.

— E eu sou a grudenta atrás do Sub. Ah, que pesadelo. — Scarlett passou a mão no rosto.

O silêncio durou pouco. As duas começaram a rir alto, quase chorando de tanto rir.

— Kira, olha isso! A gente passou de advogadas fodonas pra duas piriguetes do morro!

— Isso não é reencarnação, Scarlett. Isso é castigo divino!

— Castigo não, amiga… isso é novela mexicana.

E caíram na gargalhada de novo.

📖 – Continuação

A risada ecoava pela cozinha apertada. O chão de cerâmica trincada, a mesa com toalha florida já manchada de molho, a cafeteira velha chiando sozinha.

Nada lembrava a vida de luxo e poder que Kira e Scarlett tinham até algumas horas atrás.

— Tá, vamos pensar. — Kira se apoiou na mesa, séria, ainda que estivesse de top e short minúsculo. — A gente morreu.

— Morreu. — Scarlett confirmou, mexendo nas próprias unhas postiças com nojo.

— Acordamos aqui. — Kira apontou ao redor.

— E no corpo dessas duas. — Scarlett completou. — Eu tô na tal da Grazyelly e você… parabéns, tá na piriguete oficial do morro.

Kira respirou fundo.

— Deus realmente tem senso de humor.

Scarlett bufou.

— Sabe o que é pior? Eu lembro de algumas coisas dessa mulher. Tipo flashes, sabe?

Kira arregalou os olhos. — Também! Eu vi umas cenas horríveis… ela brigando no meio da rua, quase puxando o cabelo de uma mina porque “olhou pro Falcão”.

Scarlett gargalhou. — Ah, não. Eu vi a minha implorando pro Coringa dar carona na moto. O homem nem olhou, e ela atrás igual cachorro pidão.

Elas se olharam e, ao mesmo tempo, disseram:

— Que humilhação!

Riram tanto que as lágrimas vieram. Mas, quando o riso passou, a realidade bateu.

— E agora? — Scarlett perguntou, séria. — O que a gente faz?

— Primeiro… — Kira se levantou e foi até o armário. Quando abriu, deu de cara com uma fileira de roupas curtas, tops coloridos, vestidos minúsculos. — …a gente chora.

Ela pegou um vestido rosa choque com glitter e ergueu como se fosse um pano de chão.

— Isso aqui parece cortina de puteiro.

Scarlett, ainda rindo, puxou um short jeans tão curto que parecia infantil.

— Amiga, esse aqui mostra até a alma.

As duas caíram na gargalhada de novo.

🌪️ Flashback – A vida de Camila e Grazyelly

De repente, as memórias começaram a vir com mais força. Era como se uma porta tivesse se aberto.

Camila (o corpo da Kira):

Ela surgiu na mente das duas. Uma jovem do morro, sempre se achando a mais bonita, andando rebolando pelo beco, dando em cima do Falcão.

— “Um dia ele vai ser meu, vocês vão ver!” — gritava, brigando com as rivais.

Era barraqueira, falava alto, vivia de briga em briga, sempre vestida como se fosse pra baile funk até no mercado.

Grazyelly (o corpo da Scarlett):

Uma cópia da amiga, só que focada no Sub, o Coringa. Era oferecida, dramática, vivia correndo atrás dele.

— “Thiago, só um beijinho, vai…” — lembrava Scarlett, rindo de desespero.

E, claro, era companheira de todas as confusões de Camila.

As imagens mostravam as duas amigas originais aprontando juntas:

Brigando com vizinhas na laje.

Fazendo escândalo no baile.

Caindo bêbadas na calçada.

Tentando se meter na vida do Falcão e do Coringa, sempre sendo rejeitadas.

Quando o flashback terminou, Kira estava boquiaberta.

— Scarlett, eu não consigo acreditar que essa foi minha reencarnação. Eu, uma advogada que botava medo em juiz, agora sou a barraqueira do morro.

Scarlett também parecia em choque.

— E eu? A melhor perita criminal da central, agora sou a sombra da barraqueira.

Elas ficaram alguns segundos em silêncio. Depois, Kira respirou fundo e falou com sarcasmo:

— Parabéns, Scarlett. A gente saiu de advogata e peritona pra piriguete e lambisgoia.

— Obrigada, Kira. Obrigada, universo.

🍳 A Primeira Confusão

Enquanto elas tentavam se acostumar com a nova realidade, a campainha da casa tocou.

— Quem é? — Kira sussurrou, assustada.

— Sei lá, mas se esconder não dá, né? — Scarlett abriu a porta.

Era Dona Zuleide, a fofoqueira do beco.

— Camila! Grazyelly! Vocês ainda dormindo, suas vagabundas? Já são quase dez horas!

Kira e Scarlett se entreolharam.

— Dormindo… é… — Kira tentou inventar. — A gente tava… rezando.

Scarlett segurou o riso.

— Reza é? No short enfiado até a costela? — Dona Zuleide revirou os olhos. — Vão logo comprar pão, e nada de fiado!

Ela foi embora, resmungando. Assim que fechou a porta, as duas explodiram de rir.

— Meu Deus, Scarlett! Eu nunca fui chamada de vagabunda tão cedo na manhã!

— E ainda mandou comprar pão! Eu nem sei onde fica a padaria daqui!

Kira suspirou.

— Tá decidido. Se a gente vai viver nessa bagunça, vamos ter que aprender as regras do jogo.

⚡ Diálogo de Sobrevivência

Sentadas na cozinha, decidiram traçar um “plano de ação”.

— Primeiro: roupa. — Kira levantou o vestido rosa. — Eu me recuso a usar isso.

— Amiga, a gente não tem outra opção. O guarda-roupa só tem piriguetagem. — Scarlett deu de ombros.

— Então vou usar esse short aqui. — Kira pegou o jeans minúsculo. — Mas se alguém olhar demais, eu arranco o olho.

— Isso, garota. Mostra quem manda.

— Segundo: comida. — Scarlett abriu a geladeira. — Tem o quê?

Dentro, só cerveja, iogurte vencido e um pote de margarina.

— Eu… eu sinto falta do meu café da manhã com frutas, aveia, suco verde… — Scarlett quase chorou.

Kira pegou a cerveja, abriu e deu um gole.

— Agora o café da manhã é isso aqui, amiga. Bem-vinda ao morro.

Scarlett caiu na gargalhada, mas no fundo, estava desesperada.

🌞 Explorando o Morro

Mais tarde, as duas resolveram sair. Quando pisaram no beco, a vizinhança toda olhou.

— Olha lá, as duas de novo. — cochichou uma mulher.

— Já devem tá indo atrás do Falcão e do Coringa. — respondeu outra.

Kira, com a língua afiada, não se segurou.

— Olha, Scarlett, parece que temos fãs.

Scarlett piscou. — Fãs não, haters.

Passaram pela padaria, compraram pão e ouviram ainda mais cochichos.

— Hoje tão quietinhas, né? — um vizinho riu. — Estranho vocês não tá arrumando confusão.

— Tô de férias, querido. — Kira respondeu, seca.

Scarlett riu alto.

— Eu amo quando você é grossa. Ninguém nunca entende se é sério ou zoeira.

— É sempre os dois. — Kira piscou.

🌌 Noite

À noite, sentadas na laje da casa, olhando a vista do Rio iluminado, as duas suspiraram juntas.

— Eu ainda não acredito nisso, Kira. — Scarlett falou baixinho. — Ontem eu tava no laboratório. Hoje, tô aqui, com unha postiça e cheiro de funk.

— É. — Kira bebeu um gole da cerveja. — Mas quer saber? Se a vida deu esse corpo, essa casa e esse morro…

Ela olhou firme pra Scarlett.

— …então a gente vai transformar essa merda em poder.

Scarlett sorriu.

— Como sempre, você com a frase de efeito no final.

— E você rindo da minha cara.

— É. Algumas coisas nunca mudam.

As duas brindaram com as latinhas de cerveja, sem imaginar que, dali pra frente, a vida no Morro do Cruzeiro ia ser ainda mais intensa, perigosa e engraçada do que qualquer tribunal ou laboratório.

-

Capítulo 2 - Operação Fuga da Briboca

🌞 O Dia Seguinte

O sol invadia o quarto pequeno, e Kira acordou com um baque na cabeça.

Não era ressaca. Era a realidade.

— Ah, não… — murmurou, passando a mão no rosto. — Ainda tô aqui.

Do outro lado, Scarlett já estava acordada, mexendo nas unhas postiças como se aquilo fosse tortura medieval.

— Bom dia, Camila. — ela disse, com sarcasmo.

— Vai se ferrar, Grazyelly. — Kira rebateu, ainda deitada.

As duas ficaram em silêncio por alguns segundos, até que Kira pulou da cama, com aquele ar determinado.

— Scarlett, eu tive uma ideia.

— Lá vem. — Scarlett suspirou. — Sempre que você fala isso, ou a gente acaba presa, ou explodindo alguma coisa.

— Confia. — Kira ergueu o dedo. — Vamos sair daqui.

— Da casa?

— Não, do morro. Vamos pra cidade. Pra nossa antiga casa.

Scarlett arregalou os olhos.

— Você tá maluca?

— Talvez. Mas me diz: você quer viver o resto da sua vida nessa briboca, cercada de fofoqueira e short enfiado no rim?

Scarlett olhou pro próprio corpo e fez uma careta.

— Tá. Tem um ponto. Mas… como a gente sai daqui?

— Fácil. A gente desce. — Kira abriu os braços.

— A gente nem sabe onde a gente tá, Kira! Isso aqui é o Morro do Cruzeiro! Eu não sei nem onde começa, onde termina…

Kira sorriu maliciosa.

— Então hoje a gente vai descobrir.

🥖 A Preparação

Na cozinha, pegaram duas bolsas velhas e enfiaram o que encontraram: pão, duas latinhas de cerveja e um pacote aberto de bolacha.

— Essa é a comida da missão? — Scarlett riu.

— Agente secreta sobrevive com o que tem. — Kira respondeu, séria.

Quando abriram o guarda-roupa, a decepção foi geral.

— De novo, só piriguetagem. — Scarlett bufou. — Não tem uma calça jeans normal?

— Tem esse macacão aqui. — Kira ergueu um jeans rasgado até a virilha.

— Isso é normal pra quem? Pra Lady Gaga?

— Anda logo, Scarlett. Coloca isso aí.

Depois de vinte minutos de xingamentos, maquiagem torta e salto quebrado, as duas estavam prontas para a “operação fuga”.

🚶 Descendo o Morro

Assim que botaram o pé no beco, começaram os olhares. Crianças correndo gritaram:

— Olha a Camila e a Grazyelly! Já vão caçar confusão!

— Shhh! — Scarlett colocou o dedo na boca, tentando parecer séria.

— É… a gente hoje tá de boas. — Kira tentou se explicar.

As vizinhas, sentadas na porta, já cochichavam:

— Estranho… elas tão quietas demais.

— Isso é coisa. Alguma merda vai acontecer.

Ignorando os comentários, elas foram descendo. Mas logo perceberam um detalhe importante:

— Kira… esse morro tem mais curva que novela mexicana. — Scarlett reclamou, suando.

— Cala a boca e anda.

— Tô andando! Mas esse salto não foi feito pra escalada!

De repente, um cachorro magro começou a segui-las, latindo.

— Sai, demônio! — Scarlett gritou, correndo.

— Relaxa, ele não morde. — disse um moleque. — Só late.

— É, mas eu não sou Jesus pra andar na fé. — Scarlett resmungou, se escondendo atrás de Kira.

🛑 Primeiro Obstáculo

Quando finalmente chegaram a um ponto mais movimentado do morro, deram de cara com dois caras armados, parados no beco.

Um deles ergueu a mão.

— Ô, ô, ô… Camila? Grazyelly? Onde vocês tão indo?

As duas congelaram.

Kira, tentando manter a calma, sorriu falso.

— É… a gente tá indo ali… no… cabeleireiro.

Scarlett piscou, nervosa.

— Isso! Fazer a unha!

— Mas vocês já não fizeram ontem? — o outro cara perguntou, desconfiado.

As duas se entreolharam, desesperadas.

— Mulher que é mulher nunca tá satisfeita com a unha. — Kira rebateu, séria.

O rapaz ficou em silêncio. Depois riu.

— Verdade. Tá certo, vai lá.

Elas seguiram rápido, com o coração na boca.

— Meu Deus, Kira, a gente quase morreu!

— Relaxa, Scarlett. Eu sou advogada até morta. Sempre tenho uma desculpa.

🚏 A Saída

Depois de muito suor, finalmente chegaram na entrada do morro. Viram o asfalto, a rua movimentada, ônibus passando.

Pararam, ofegantes, olhando a cidade.

— Scarlett… — Kira suspirou. — A gente conseguiu.

— Eu me sinto uma fugitiva da prisão.

— De certa forma, somos.

Foram até o ponto de ônibus. Quando o coletivo parou, subiram. Só que não tinham dinheiro.

— A passagem. — disse o cobrador.

As duas se olharam, em choque.

— Scarlett, você tem dinheiro?

— Claro que não! Você acha que piriguete anda com cartão de crédito?

Kira bufou.

— Olha, moço, é o seguinte. Eu tô passando por uma crise existencial, acabei de descobrir que morri e reencarnei no corpo de uma barraqueira. Então, ou você deixa a gente passar, ou eu vou começar a falar artigo do código penal até você desistir.

O cobrador ficou mudo. Depois apontou com a cabeça.

— Sobe logo, vai.

As duas se jogaram nas cadeiras, rindo.

— Kira, você é um gênio.

— Eu sei. Mas ainda tô de short enfiado no rabo.

🏙️ Chegando na Cidade

O ônibus desceu, atravessando as ruas movimentadas do Rio. Kira e Scarlett olhavam tudo pela janela, emocionadas.

— Olha, Scarlett… a cidade! Eu nunca pensei que ia me emocionar de ver sinal de trânsito.

— Eu tô quase chorando por ver uma farmácia.

Quando desceram, caminharam até o prédio onde moravam antes de morrer. Só que tinha um detalhe:

— Kira… — Scarlett puxou o braço dela. — A gente não tem mais chave.

— E nem corpo. — Kira completou, suspirando.

Olharam para a portaria. O porteiro novo, que não conheciam, as encarou de cima a baixo.

— Vocês querem o quê?

Kira respirou fundo.

— Morar aqui.

— Morar? Aqui é prédio de alto padrão.

Scarlett cochichou no ouvido da amiga.

— Kira, a gente tá de shortinho brilhante, parece que saiu do baile. Você acha que ele vai acreditar que morava aqui?

— Shhh. — Kira sorriu pro porteiro. — Escuta, a gente era dona do apartamento 802.

— Dona? — o porteiro riu. — Tá bom, piriguete. Vai sonhando.

As duas ficaram paradas na frente do prédio, em choque.

— Kira, eu tô sentindo uma vergonha alheia tão grande…

— Scarlett, eu nunca apanhei tanto da realidade em um só dia.

Já cansadas, decidiram sentar no banco da praça em frente ao prédio.

O barulho dos carros, gente andando, crianças brincando. Tudo parecia tão normal… mas nada mais era normal pra elas.

— E agora, Kira? — Scarlett perguntou, séria.

— Agora? — Kira deu de ombros. — A gente volta pro morro.

— O quê?! Depois desse esforço todo?

— Scarlett, é a única opção. É lá que esses corpos vivem. Se a gente tentar mudar de vida, vão desconfiar.

— Ai, que ódio.

Kira colocou o braço ao redor da amiga.

— Relaxa. A gente vai transformar esse morro num tribunal.

— E num laboratório. — Scarlett completou.

— Exatamente. Se o universo achou que ia nos derrubar, se enganou.

As duas se olharam e sorriram.

O ônibus de volta ao morro se aproximava.

— Mas amanhã… — Kira piscou. — A gente arruma um jeito de se vingar do universo.

Capítulo 3 - O Desprezo é a Melhor Arma

🌆 De Volta ao Morro

O ônibus sacolejava morro acima, cheio de gente voltando do trabalho, sacolas plásticas e crianças gritando.

Kira estava de braços cruzados, cara fechada. Scarlett, do lado, mordia um pacote de biscoito que compraram com o pouco troco que arrumaram.

— Eu ainda não acredito. — Kira resmungou. — Saímos de advogata e peritona pra duas fugitivas sem chave e sem moral.

— Pelo menos ganhamos um pacote de biscoito e a viagem de graça. — Scarlett riu, com a boca cheia.

— Você consegue rir de tudo, né?

— Claro. Se eu não rir, eu choro.

Quando o ônibus parou no ponto do morro, as duas desceram. O calor do asfalto subia em ondas, misturado com o cheiro de churrasquinho, cigarro e funk ecoando nos becos.

— Scarlett, você tem noção? A gente vai subir isso de novo.

— E com salto, Kira! Eu tô com bolha até na alma.

Enquanto subiam, começaram os comentários.

As vizinhas na porta das casas cochichavam:

— Olha lá, voltaram.

— Tava onde, hein?

— Aposto que atrás do Falcão e do Coringa.

Kira girou os olhos.

— Eu vou enfiar esse pão na boca dessa velha fofoqueira.

Scarlett segurou a amiga pelo braço.

— Não começa, Kira. Não começa.

🦅 Primeiro Encontro

Quando viraram a esquina, o silêncio foi automático.

Dois homens estavam encostados em carros importados, cercados de soldados e olhares respeitosos.

Dante “Falcão”, o dono do morro.

Thiago “Coringa”, o braço direito.

Camisas de grife, correntes douradas, tatuagens à mostra, postura de quem manda e desmanda. Conversavam baixo, fumando charutos, mas a presença deles já dominava a rua inteira.

Scarlett parou por um segundo.

— Kira… são eles.

— Eles quem?

— O Falcão e o Coringa.

Kira olhou de relance. Só de relance.

Viu Dante ajeitar o relógio caro no pulso e Thiago dar risada de algo. Bonitos. Muito bonitos. Mas…

— Ah. É só isso? Dois galinhas de marca.

— Shhh! — Scarlett sussurrou. — Você tá falando alto!

— Dane-se. — Kira ergueu o queixo. — Bonito todo mundo é. Quero ver segurar argumento na frente de um juiz.

Passaram direto, firmes, sem olhar de novo.

Até que Kira, num impulso, quase levantou o dedo do meio.

— Kira, não! — Scarlett segurou o braço dela, desesperada. — Quer morrer no terceiro dia de reencarnação?

— Eu só ia coçar o olho com o dedo errado…

— Sei. Coçar o olho com o dedo do meio. Muito convincente.

👀 As Reações

Atrás delas, os dois homens repararam.

Dante ergueu a sobrancelha.

— Estranho. — murmurou, olhando para as duas.

— O quê? — Thiago perguntou.

— Camila e Grazyelly passando reto. Nem tentaram dar um sorriso, nem um tchauzinho.

Thiago riu.

— Até parece. Essas duas vivem grudadas na gente.

— Pois é. E agora, nada.

Eles ficaram observando até as duas sumirem no beco.

😂 Comentando os “Galãs”

Assim que viraram a rua, Scarlett não aguentou e caiu na risada.

— Kira, você quase mandou o dedo do meio pro dono do morro! Você quer aparecer no jornal amanhã?!

— Ai, Scarlett, me irrita! O cara com cara de “sou fodão”, cercado de gente puxando saco. Não aguento esse tipo.

— Tá, mas convenhamos… bonito eles são.

Kira olhou de lado, fingindo desdém.

— Bonito e o quê? Galinha. Aposto que comem até sombra.

— Eu não reclamaria de ser a sombra. — Scarlett riu, piscando.

— Você não vale nada.

— E você vale?

— Muito mais que esses dois.

Andaram mais um pouco, bufando.

— Scarlett, sério, olha bem pra minha cara. — Kira parou, colocando a mão no peito. — Você realmente me imagina, Kira, advogada criminalista, caindo no charme de um traficante galinha?

Scarlett pensou por um segundo e abriu um sorriso safado.

— Sim.

— Vai se ferrar. — Kira deu um tapa no braço da amiga.

📢 Confusão na Subida

Enquanto ainda discutiam, passaram por um grupo de crianças jogando bola no beco.

— Olha lá! A Camila e a Grazyelly! — gritou um dos meninos. — Vão lá ver o Falcão de novo?

— Vão nada, já foram rejeitadas ontem. — outro respondeu.

Kira parou, furiosa.

— Quem falou isso?

Scarlett agarrou o braço dela de novo.

— Não, Kira, pelo amor de Deus. Vai brigar com criança agora?

— Criança hoje em dia não tem respeito! — Kira bufou, mas deixou pra lá.

Continuaram subindo, mas as risadas dos meninos ecoavam atrás.

— Um dia eu ainda volto e dou aula de disciplina nesse morro inteiro.

— Aula de quê? De “como dar dedo pro dono do morro”? — Scarlett gargalhou.

🍻 Na Bodega do Seu Zé

Antes de chegar em casa, resolveram parar no barzinho da esquina. Seu Zé, o dono, já as conhecia pelos barracos anteriores das “donas originais”.

— Olha quem apareceu. — ele resmungou. — Camila e Grazyelly, hoje tão calminhas?

— A gente mudou, Seu Zé. — Scarlett sorriu. — Hoje somos mulheres de paz.

— Paz? Vocês? — ele gargalhou. — Quero ver até quando.

Kira pediu duas cervejas, e as duas sentaram na mesa de plástico.

Ficaram olhando os carros passando lá embaixo, ainda rindo do encontro com os dois chefes.

— Scarlett, você percebeu que eles ficaram olhando?

— Percebi. Mas deve ter sido porque a gente não deu bola.

— Pois é. Acho que a melhor vingança é o desprezo.

— O desprezo e uma bunda bonita. — Scarlett completou.

As duas brindaram, gargalhando.

🌙 Fechando

Já à noite, voltaram pra casa.

Na porta, encontraram novamente Dona Zuleide, a fofoqueira oficial.

— Vocês duas tão diferentes hoje… não fizeram barraco, não ficaram atrás do Falcão, não brigaram com ninguém.

Kira deu um sorriso falso.

— É que a gente agora tá no modo “luxo”. Barraco só com horário marcado.

Scarlett riu.

— Agenda cheia, sabe como é.

Entraram em casa e fecharam a porta. Assim que sentaram no sofá rasgado, começaram a rir alto, sem parar.

— Kira, eu ainda não acredito que você quase mandou o dedo pro Falcão.

— E eu ainda não acredito que você tava quase babando no Coringa.

— Eu? Tava nada!

— Tava sim. Eu vi o olhinho brilhando.

— Mentira!

— Verdade.

— Ah, cala a boca, Kira.

E riram de novo, até as lágrimas escorrerem.

Mas, no fundo, sabiam: a vida no Morro do Cruzeiro estava só começando.

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