CAPÍTULO 5- PRIMEIROS PASSOS

O dia seguinte começou com um céu cinza e pesado, refletindo, de certa forma, o estado de Caio. Apesar da ansiedade que ainda o acompanhava, ele sentia algo diferente: uma centelha de determinação acesa no peito, lembrando-o de que não podia mais fugir de si mesmo.

No caminho para a clínica, cada passo parecia carregado de significado. Ele respirou fundo, repetindo mentalmente: “Eu consigo. Posso lidar com isso.” A conversa da noite anterior com Júlia ainda ressoava em sua mente, lembrando-o de que não precisava carregar tudo sozinho.

Ao chegar, Gabriel já o aguardava na entrada, segurando dois cafés quentes.

— Pensei que você precisaria de energia extra hoje — disse ele, com um sorriso tímido, mas genuíno.

Caio aceitou o café com um aceno de agradecimento. Sentiu-se mais leve naquele pequeno gesto de cuidado, percebendo que não estava sozinho em sua jornada.

Durante a manhã, as tarefas no trabalho pareceram menos intimidantes. Caio ainda sentia a pressão dos olhares e comentários silenciosos, mas descobriu que podia enfrentar essas situações com mais segurança. Pequenas vitórias, como organizar agendas e responder ligações sem tremer, enchiam-no de um senso de conquista que há muito tempo não experimentava.

No intervalo do almoço, Júlia o puxou para uma conversa em um canto mais tranquilo.

— Caio, eu sei que ainda há muito peso em seus ombros, mas você está lidando com tudo de forma admirável. Quer me contar um pouco sobre como está se sentindo? — perguntou, com cuidado.

Por alguns segundos, Caio hesitou. Expor seus sentimentos ainda era doloroso, mas algo na voz de Júlia fez com que ele se sentisse seguro.

— É difícil… — começou, com a voz baixa. — Há dias em que sinto que o mundo inteiro está observando, julgando cada passo que dou… e, além disso, a gravidez me deixa ainda mais vulnerável.

Júlia escutou atentamente, oferecendo palavras de conforto e compreensão. Cada frase dela parecia aliviar uma fração da tensão acumulada, lembrando Caio de que apoio genuíno existia, mesmo em meio às dificuldades.

A tarde trouxe novos desafios. Documentos inesperados precisavam ser revisados, e reuniões urgentes surgiram. Caio ainda sentia o peso da responsabilidade, mas começou a perceber que podia lidar com isso sem se perder. Cada pequena ação bem-sucedida reforçava sua confiança, e ele começou a se sentir capaz de enfrentar não apenas o trabalho, mas também os dilemas pessoais que aguardavam fora da clínica.

Ao final do expediente, sentiu uma sensação inédita de leveza. O dia fora intenso, mas ele conseguira atravessar os desafios sem ceder ao medo. No caminho de volta para casa, refletiu sobre o que aprendera: coragem não era ausência de medo, mas sim a disposição de agir apesar dele.

Em casa, sentou-se à beira da cama, observando o reflexo da cidade nas janelas. O silêncio da noite parecia acolhedor, oferecendo espaço para que pensamentos e emoções se organizassem. Pela primeira vez em muito tempo, Caio sentiu que podia dar os primeiros passos verdadeiros em direção à sua vida, abraçando sua identidade e preparando-se para assumir a responsabilidade pela criança que carregava.

Enquanto caminhava para casa, Caio percebeu pequenas coisas que antes passariam despercebidas: o cheiro da padaria próxima, o riso de uma criança brincando na rua, o vento fresco no rosto. Eram detalhes simples, mas que traziam um alívio silencioso e lhe lembravam que a vida continuava, mesmo com tantos desafios. Cada passo parecia menos pesado, como se a determinação que nascera naquele dia lhe desse forças para enfrentar os próximos.

Ao chegar ao apartamento, encontrou Júlia aguardando com uma expressão preocupada, segurando um envelope.

— Caio, chegou algo para você… — disse ela, entregando o envelope com cuidado.

Caio abriu lentamente e encontrou os resultados de exames que havia feito anteriormente, incluindo alguns relacionados à gravidez. O coração acelerou. Havia medo de más notícias, mas também esperança de que tudo pudesse se encaixar de alguma forma.

— Obrigado, Júlia… — murmurou, sentindo o peso da responsabilidade apertar o peito.

Mais tarde, ao organizar o quarto, Caio sentiu necessidade de escrever. Pegou um caderno antigo, usado apenas para pensamentos privados, e começou a registrar tudo: medos, dúvidas, pequenas vitórias e momentos de gratidão. Cada palavra escrita parecia aliviar a mente, oferecendo clareza em meio à confusão de sentimentos.

— Eu consigo… — repetiu baixinho, como se estivesse afirmando para si mesmo, reforçando a coragem recém-descoberta.

Enquanto isso, no trabalho, lembranças do dia anterior surgiam em flashes. Comentários discretos, olhares questionadores, mas também pequenos gestos de apoio que ele aprendera a valorizar. Gabriel, Júlia e até colegas mais distantes começavam a se tornar uma rede invisível de proteção, mesmo que Caio ainda precisasse manter algumas barreiras para se sentir seguro.

A noite caiu, e Caio sentou-se novamente à janela. Observou o reflexo da cidade e percebeu que cada luz representava uma possibilidade, uma escolha que podia fazer para si mesmo e para o futuro da criança que carregava. Pensou na gravidez, nas mudanças que viriam e no quanto precisaria aprender a equilibrar medos, desejos e responsabilidades. Mas, pela primeira vez em muito tempo, sentiu que não precisava enfrentar tudo sozinho.

Antes de dormir, murmurou baixinho para si mesmo:

— Amanhã será outro dia. E eu vou continuar dando passos, pequenos ou grandes, mas sempre para frente.

O capítulo fechava com Caio respirando profundamente, sentindo uma mistura de cansaço, esperança e determinação. Cada desafio ainda estava à frente, mas ele aprendera algo essencial: coragem não é não sentir medo, e sim seguir adiante apesar dele.

Mais tarde, Caio decidiu preparar algo simples para o jantar. Enquanto mexia a panela, percebeu que o silêncio do apartamento não era mais opressor; era um espaço para ele se ouvir. Cada gesto na cozinha, por menor que fosse, parecia reforçar que podia cuidar de si mesmo e da criança que carregava.

Júlia, que havia passado mais cedo para conferir como ele estava, deixou uma mensagem curta: “Lembre-se de que estou aqui. Sempre que precisar, não hesite.” Caio sorriu levemente. Mesmo pequenas palavras de apoio podiam aliviar o peso no peito, lembrando-o de que havia pessoas confiáveis ao seu redor.

Após o jantar, ele se sentou na sala, contemplando a cidade pelas janelas. Pensou nas semanas que se seguiriam: consultas médicas, ajustes no trabalho, decisões sobre a gravidez e a constante necessidade de se afirmar como homem trans. O medo ainda estava presente, mas algo havia mudado. Ele percebia que cada desafio poderia ser enfrentado com coragem, desde que não tentasse carregar tudo sozinho.

Caio então voltou ao seu caderno, registrando seus pensamentos mais íntimos. Escreveu sobre os pequenos progressos no trabalho, as conversas com Júlia e Gabriel, e a sensação de que estava, finalmente, dando passos para viver sua própria verdade. Cada palavra escrita era uma afirmação de que poderia enfrentar os próximos dias.

Antes de se deitar, ele tocou a barriga, sentindo a vida que crescia ali. Um misto de medo e ternura o invadiu, e ele percebeu que a responsabilidade de ser pai não era apenas um peso, mas também uma oportunidade de amor e transformação. Murmurou baixinho:

— Eu vou conseguir. Vou aprender a ser forte e cuidar de nós dois.

Caio desligou a luz, sentindo-se cansado, mas diferente: havia esperança misturada à ansiedade. Pela primeira vez, percebeu que os pequenos passos, a cada dia, poderiam construir algo sólido.

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Lah_

Lah_

Não consigo pensar em outra coisa a não ser a continuação, atualiza já!

2025-09-01

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