Na manhã seguinte, Caio acordou com o barulho da cidade atravessando as cortinas do seu apartamento. O sol tímido da primavera mal iluminava o quarto, mas ele já se sentia inquieto. Hoje seria um dia importante. Sentia que cada pequeno deslize no trabalho poderia trazer consequências maiores do que simples repreensão. Ajustou a faixa no peito, respirou fundo e tentou convencer a si mesmo de que nada do que sentia seria percebido por outros.
Ao chegar à clínica, o corredor ainda exalava cheiro de desinfetante, um perfume frio que contrastava com o calor humano que ele desejava sentir. O relógio de parede ticava de forma insistente, lembrando-o de cada segundo que passava. Caio tentava manter o foco nas tarefas simples: organizar cadastros, conferir agendamentos e responder a ligações telefônicas. No entanto, sentia o peso da observação constante. Cada movimento seu parecia ser analisado.
Pouco depois, Dr. Renato Vasques atravessou o saguão com passos firmes, segurando uma pasta volumosa. O homem parou diante de Caio, apoiando a mão sobre a mesa e fitando-o com um olhar que misturava curiosidade, expectativa e julgamento.
— Espero que hoje não haja falhas — disse, a voz polida, mas carregada de frieza.
Caio apenas assentiu, engolindo em seco. Não era novidade sentir a pressão do chefe, mas havia algo no tom daquela manhã que o fez tremer por dentro. Ele sentiu o peito apertar, como se cada palavra fosse um peso sobre os ombros. Tentou disfarçar, mantendo o semblante calmo, mas não conseguiu evitar o leve tremor nos dedos ao organizar os documentos sobre a mesa.
Enquanto digitava informações no computador, Caio percebeu vozes baixas vindas da copa. Curioso, ergueu o olhar discretamente e reconheceu o timbre de Clara, a estagiária recém-chegada.
— Ele é simpático, mas... tem algo diferente, não acha? — murmurou, sem perceber que Caio podia ouvir.
Outra funcionária respondeu num tom baixo, porém carregado de julgamento:
— Já ouvi comentários, mas não quero me envolver.
As palavras cortaram Caio como facas invisíveis. Um calor estranho subiu pelo corpo, misturando vergonha, medo e uma raiva contida. Sentiu-se exposto, vulnerável, como se seu segredo estivesse sendo revelado sem consentimento. Respirou fundo, tentando manter a compostura, mas o peso era sufocante.
Júlia surgiu naquele instante, trazendo dois cafés com seu sorriso habitual. Ao perceber a expressão abatida do amigo, o sorriso se transformou em preocupação.
— O que houve? — perguntou, entregando-lhe uma caneca quente.
Caio hesitou. Parte dele queria desabar ali mesmo, contar tudo e aliviar a pressão que sufocava seu peito. Mas outra parte, mais cautelosa, lembrava-o de que ainda não estava pronto para se expor. Forçou um sorriso curto, que não alcançou os olhos.
— Nada demais… só cansaço — respondeu, tentando soar natural.
Júlia estreitou os olhos, desconfiada, mas não insistiu. Pousou a mão de leve em seu braço, transmitindo conforto silencioso, e disse:
— Você não precisa enfrentar nada sozinho.
Mesmo com aquelas palavras, Caio não conseguiu sentir alívio completo. A cada cochicho, a cada olhar desconfiado, sentia sua fortaleza interna rachar. Durante anos, aprendera a esconder partes de si mesmo, mas a sensação de que o mundo à sua volta começava a perceber era esmagadora.
No almoço, tentou se concentrar na comida, mas o sabor parecia perdido. Cada mordida lembrava-o do quanto se sentia deslocado. Clara passou por ele, desviando o olhar, e Caio percebeu novamente a distância que existia entre ele e os colegas. Não era hostilidade direta, mas a separação silenciosa fazia mais doer do que qualquer confronto aberto.
O restante do expediente se arrastou. Cada ligação atendida, cada agendamento confirmado, era uma pequena batalha para manter a calma. Caio tentava se convencer de que aquilo não mudaria nada, mas o desgaste emocional era evidente. Cada olhar, cada cochicho, cada comentário sutil no corredor pesava mais do que o normal.
Quando finalmente o relógio anunciou o fim do expediente, Caio sentiu um misto de alívio e ansiedade. O dia fora cumprido, mas o impacto emocional permanecia. Caminhou até a saída acompanhado de Júlia, respirando o ar fresco da tarde. As ruas pareciam mais silenciosas do que o habitual, e cada passo soava como se estivesse caminhando sobre vidro quebrado.
De volta ao apartamento, Caio se encarou no espelho do quarto. O reflexo lhe devolvia a imagem de quem ele era, mas não a sensação de segurança que tanto buscava. Encostou a testa contra o vidro frio, respirando fundo. O segredo que carregava, aquele que ainda não revelara a ninguém, parecia maior do que ele, exigindo atenção, coragem e tempo. Sabia, no fundo, que não poderia escondê-lo para sempre.
Sentado na beira da cama, observou as próprias mãos e sentiu a pressão de tudo o que vinha acumulando. Cada rosto que cruzava em seu cotidiano — Júlia, Clara, Renato, Gabriel — representava um desafio diferente, uma expectativa ou julgamento. O mundo parecia pronto para questioná-lo, e ele ainda precisava descobrir como responder sem se perder.
A noite caiu, silenciosa, mas pesada. No espelho, Caio viu não apenas seu reflexo, mas a tensão acumulada de dias e anos, a urgência de se mostrar por completo, de enfrentar o mundo com sua verdade. E naquele instante, decidiu que, cedo ou tarde, não poderia mais fugir.
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Atualizado até capítulo 37
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