05— O peso da tradição

 O cheiro de lavanda era o primeiro sinal de que não estava sozinho no quarto.

 Fernando abriu os olhos devagar, acordou no próprio quarto na mansão López. O corpo pesava, a boca tinha gosto amargo da ressaca, e a luz que entrava pelas cortinas parecia ferir mais do que iluminar.

 Por alguns segundos, não sabia ao certo como havia voltado para casa. Então, flashes a noite anterior voltaram: a porta da boate, o carro preto, o olhar severo de Maria del Pilar e a mão firme de Raúl.

 Ainda estava de terno, a gravata frouxa e a camisa amassada.

 A cortina filtrava a luz da manhã, lançando um brilho dourado sobre a poltrona próxima a janela. Ali, sentada com postura ereta e um livro aberto sobre o colo, estava Maria del Pilar.

 — Finalmente acordou.— a voz dela era calma, mas carregava um tom que sempre o lembrava que, desde criança não havia espaço para desculpas ou preguiça.

 — Veio me vigiar enquanto durmo?— murmurou tentando se levantar.

— Vim garantir que não fugiria de mim antes de conversarmos.— respondeu, fechando o livro sem pressa.— Está na hora de parar com essa palhaçada.

 Fernando passou a mão pelo rosto, como se quisesse apagar a noite anterior.

 — Se veio falar de Valéria...

— Não vim falar de fantasmas.— a matriarca o cortou, com voz ríspida.— Vim falar do seu futuro.— a voz firme como um aço afiado.

 Ele se recostou na cabeceira, resignado.

 — E que futuro é esse?

 Maria del Pilar se levantou, caminhando até a janela. Abriu um pouco a cortina e deixou a luz inundar o quarto, fazendo-o apertar os olhos.

 — Você tem 30 anos, Fernando. Trinta! É o mais velho dos meus netos. É o homem na linha de sucessão, herdeiro de um império que o seu avô construiu. E até agora, tudo o que fez foi se arrastar por toda a Madri feito um rapaz sem rumo.

— Eu...

 — Você vai sair desta cama, tomar banho e se tornar homem! Um López ! Alejandro não foi treinado para esse posto, e você sabe disso. Não tenho mais idade para ficar à frente da organização.— ela se virou apoiando as mãos no peitoril.— temos que honrar a palavra de seu avô. E a sua união com Elena Gutiérrez é necessária.

 — Está dizendo que preciso me casar para ser aceito?

 — Estou dizendo que precisa se casar porque esse é o caminho que foi traçado para você. — ela o olhou de forma tão direta que ele sentiu como se fosse novamente um garoto de 8 anos sendo repreendido.— E esse caminho tem nome: Elena Gutiérrez.

 Ele fechou os olhos, massageando a têmpora.

— Não a vejo à anos. E se me lembro bem, ela era uma criança.

 — Não é um problema. Ela está com 20 anos agora, não é mais uma criança. Elena sabe quem você é. Sempre soube que um dia se casariam. Esperou por isso desde os seus 10 anos. Ela foi treinada para ser uma esposa exemplar não frequentou festas ou universidades, foi educada pelos melhores professores e guardada para ser uma esposa pura.

 Fernando riu, sem humor.

 — Parece um conto de fadas distorcido...

 — Não é um conto de fadas, é tradição.— a voz desceu um tom, quase um sussurro autoritário— O casamento entre nossa família e os Gutiérrez não é apenas união. É um pacto selado a décadas. Seu avô Arturo Gutiérrez decidiram isso muito antes de vocês dois entenderem o significado da palavra "compromisso".

 Ele levantou-se da cama, começou a andar pelo quarto, sentindo o peso de cada palavra.

 — E se eu disser que não quero?

 Maria del Pilar não se moveu.

 — Então Fernando, me diga: quer continuar se envolvendo com mulheres que somem no meio da noite? Quer passar mais 10 anos decidindo se está pronto? Quer ver todo o nome López na sarjeta?

 O silêncio que se seguiu quase palpável. Ela sabia onde pressionar. Sabia quais feridas cutucar até que a resistência começasse a ceder.

 — A vida é feita de escolhas e às vezes não são as escolhas que queremos, mas a que precisamos fazer. — ela aproximou-se devagar, pousando a mão sobre o ombro dele— Elena será uma boa esposa. Bela, educada, discreta... pura. Terá filhos fortes e saudáveis. E, acima de tudo, vai manter a família exatamente onde sempre esteve: no topo.

......................

 Durante todo o dia, Fernando tentou se ocupar com reuniões e documentos, mas as palavras da avó ecoavam como um sino distante. Cada argumento que tentava formular contra o casamento desmoronava diante da realidade: não havia uma vida fora daquela rede de alianças e interesses.

 Na hora do jantar, Maria del Pilar não tocou no assunto. Conversou sobre política, sobre o clima, sobre eventos beneficientes, mas ao levantar-se da mesa, deu a sentença:

 — Em uma semana, darei a resposta aos Gutiérrez, quero acreditar que será o que espero.

......................

 Na madrugada, Fernando estava sozinho na biblioteca. O seu irmão caçula, Rodrigo López, aos 20 anos já era um valente "executor", já Alejandro López, aos 25 anos era quase o cérebro da organização, o "consejeiro", sempre tomando decisões estratégicas e cuidando das inúmeras empresas de fachada, já que o seu rosto era pouco conhecido.

 Fernando serviu-se de um whisky, sentou-se na poltrona e ficou olhando o líquido dourado girar no copo. A lareira acesa projetava sombras trêmulas nas paredes revestidas de livros.

 Pensou muito nas palavras da avó...

 Ele era o mais velho. Tinha que fazer o que se esperava dele. Fez um brinde silencioso ao avô.

 Devia tirar Valéria Garcia o seu coração e casar-se com a tal Elena Gutiérrez, só assim o seu avô seria o descanso eterno.

 A única lembrança que tinha da tal noiva sentada no velório de seus pais, os pés mal tocavam o chão, criança vestida de negro...

 Agora ela estava com 20 anos...

Fernando imaginou a vida que teria ao lado dela: formais para se mostrar um homem de respeito, filhos... Sim ele podia fazer isso, a sua vida seria estável.

 Lembrou-se dos pais, mortos cedo demais e o avô, cuja autoridade moldara cada passo seu. Os homens da família López haviam feito casamentos estratégicos. Talvez fosse isso que se esperava dele.

 Na manhã seguinte, sentou-e a mesa para o desjejum e sem rodeios, disse:

— Pode Arturo Gutiérrez que o casamento acontecerá... Marquem a data. Não quero saber dos detalhes, apenas digam o dia e o horário, eu estarei presente.

— Sabia que tomaria a decisão correta.

— Não tomei a decisão correta, tomei a decisão necessária.

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Comments

Andreia

Andreia

Nossa até que enfim ele acordou,só lamento pela Elena que irá pagar uma conta que não é dela🥲

2025-08-31

3

adelice miranda de aguiar

adelice miranda de aguiar

acho que a Helena se tornou uma mulher linda, ele vai se apaixonar, mas não vai admitir por nada e por consequência vai fazer ela sofrer

2025-09-01

1

Mavia Dantas

Mavia Dantas

eeeeeee agora você vai conhece a mulher de verdade

2025-09-01

0

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