Adeline passou o dia em silêncio, observando os quadros que agora mostravam cenas de sua vida que ela não lembrava ter vivido. Uma infância em preto e branco. Um casamento que nunca aconteceu. Um funeral onde ela mesma era velada.
A mansão estava revelando memórias que não eram dela — ou que talvez fossem, de outras vidas, de outras Adelines.
No escritório, o diário de Beatriz estava aberto em uma nova página. A caligrafia era firme, quase autoritária:
> "A casa não escolhe. Ela reconhece. E você foi reconhecida."
Adeline sentiu um peso no peito. Como se algo estivesse tentando emergir de dentro dela. Ela voltou ao porão, onde o círculo de símbolos agora pulsava com uma luz vermelha suave. No centro, havia um espelho — o mesmo do sótão, mas agora quebrado em três partes.
Cada fragmento mostrava uma versão diferente dela:
- Uma criança, com olhos assustados e mãos sujas de terra.
- Uma mulher adulta, vestida de noiva, chorando diante de um altar vazio.
- Uma figura sombria, com olhos negros e sorriso cruel.
Ela tocou o fragmento da criança, e uma lembrança explodiu em sua mente: um quarto escuro, uma voz masculina sussurrando promessas, e uma porta que nunca deveria ter sido aberta.
Depois, tocou o fragmento da noiva. Sentiu o peso da solidão, o abandono, e a certeza de que havia sido esquecida por alguém que prometeu ficar.
Por fim, tocou o fragmento da figura sombria. E ali, não havia dor — havia poder. Um poder que ela nunca soube que tinha. Um poder que a casa havia guardado.
As três versões se fundiram em uma só. E Adeline entendeu.
Ela não era apenas herdeira da mansão.
Ela era o ciclo.
A casa não a assombrava.
Ela era a assombração.
Adeline não conseguia dormir. As imagens dos fragmentos do espelho ainda dançavam em sua mente — a criança, a noiva, a figura sombria. Todas eram ela. Todas gritavam por atenção.
Ela voltou ao sótão, guiada por uma força que não sabia nomear. O espelho estava intacto agora, como se nunca tivesse sido quebrado. Mas ao se aproximar, ele não refletia o cômodo.
Refletia um salão antigo, iluminado por velas, onde várias mulheres estavam reunidas em círculo. Todas tinham os olhos fechados. Todas murmuravam o mesmo nome.
— Adeline.
Ela tocou o espelho e foi sugada para dentro.
O salão era real. Ela estava lá. As mulheres abriram os olhos e a encararam. Eram versões dela mesma — de outras épocas, outras vidas. Uma delas se levantou. Era Beatriz.
— Você chegou ao centro. Agora precisa escolher.
Adeline olhou ao redor. Cada versão sua carregava uma dor diferente. Uma perda. Uma culpa. Uma ferida.
— Escolher o quê?
Beatriz se aproximou, colocando a mão sobre o peito de Adeline.
— Escolher entre continuar o ciclo… ou quebrá-lo.
O chão tremeu. As velas se apagaram. E uma porta surgiu no centro do salão. Atrás dela, o Observador esperava.
Adeline respirou fundo.
Ela não era mais vítima.
Ela era herdeira.
E agora, ela era decisão.
Com passos firmes, caminhou até a porta.
E entrou.
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Atualizado até capítulo 36
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