Entre Véu

O eco dos próprios passos e, de vez em quando, um sussurro distante — como se a floresta estivesse viva e observando.

> “Você está perto,” disse a voz em sua mente. Era Kael. Não como antes, mas mais claro. Mais presente.

Ela chegou a uma clareira onde o chão era coberto por cinzas. No centro, uma pedra negra em forma de espiral — idêntica à marca em seu ombro. Ao se aproximar, a pedra brilhou, e o ar ao redor se distorceu como vidro prestes a quebrar.

> “Toque-a,” disse Kael. “E verá o que foi esquecido.”

Isadora estendeu a mão. Ao encostar na pedra, uma onda de calor percorreu seu corpo. O mundo ao redor se dissolveu em fumaça, e ela foi puxada para um espaço entre realidades — um corredor de sombras e luzes vermelhas, onde vozes antigas sussurravam em línguas que ela começava a entender.

No fim do corredor, Kael a esperava.

Sem capuz. Sem distância.

Ele era jovem, mas seus olhos carregavam séculos. A pele pálida contrastava com o brilho prateado dos olhos, e sua presença era ao mesmo tempo reconfortante e perigosa.

> “Você cruzou,” disse ele. “Agora, não é mais apenas humana.”

Isadora tentou falar, mas as palavras fugiram. Kael se aproximou e tocou levemente a espiral em seu ombro. A marca brilhou, e imagens invadiram sua mente — batalhas antigas, guardiãs caídas, véus rasgados por ambição.

> “Você é a última. E o véu está morrendo.”

Ela recuou, assustada. — “O que eu tenho que fazer?”

Kael olhou para ela com algo que parecia dor. — “Escolher. Entre proteger o mundo que te criou... ou salvar o mundo que te escolheu.”

O mundo entre véus não seguia as regras da realidade. O tempo ali parecia dobrar sobre si mesmo, e o céu — se é que havia um — era feito de fumaça e luzes vermelhas que dançavam como brasas ao vento. Isadora sentia o chão sob seus pés, mas não sabia se era terra, pedra ou memória.

Kael caminhava à frente, em silêncio. Cada passo dele deixava um rastro de sombra que se dissipava lentamente. Isadora o seguia, tentando entender o que era aquele lugar — e o que ela era agora.

> “Este é o Limiar,” disse ele, finalmente. “O espaço entre mundos. Onde o véu respira.”

Ela olhou ao redor. Árvores retorcidas cresciam em direções impossíveis. Criaturas feitas de fumaça observavam à distância, sem se aproximar. E ao fundo, uma torre negra se erguia, como se estivesse esperando por ela.

> “A Torre de Varnak,” murmurou Isadora.

Kael assentiu. — “Ela te reconheceu. E vai te testar.”

Eles chegaram a um círculo de pedras antigas, cada uma marcada com símbolos que brilhavam em tons de vermelho e prata. Kael parou no centro e estendeu a mão.

> “Antes de entrar, você precisa se lembrar.”

Isadora franziu o cenho. — “Lembrar o quê?”

Kael se aproximou, tocando levemente a espiral em seu ombro. Imediatamente, imagens invadiram sua mente: ela ainda bebê, envolta em chamas que não a queimavam; Célia chorando diante da torre; Kael, mais jovem, segurando a pedra brasa com mãos trêmulas.

> “Você foi marcada no dia em que nasceu. E desde então, o véu tem te observado.”

Isadora cambaleou, tentando processar tudo. — “Por que eu? Por que não outra pessoa?”

Kael olhou para ela com uma intensidade que a fez prender a respiração.

> “Porque você é a única que pode escolher entre selar o véu... ou deixá-lo se romper.”

O chão tremeu. A torre emitiu um som grave, como um chamado. As pedras ao redor começaram a brilhar mais forte, e o ar ficou pesado.

Kael segurou sua mão.

> “Se entrar, não poderá voltar igual. A torre mostra tudo — até o que você não quer ver.”

Isadora olhou para ele. Para a torre. Para o mundo que deixara para trás.

> “Então vamos. Eu quero saber quem eu sou.”

E juntos, atravessaram o círculo de pedras. A torre os aguardava.

A torre parecia viva.

À medida que Isadora e Kael se aproximavam, a estrutura pulsava com uma energia antiga, como se reconhecesse a presença dela. As pedras negras que a formavam vibravam em tons de vermelho e dourado, e um som grave — quase como um coração batendo — ecoava em seus ouvidos.

> “Ela está acordando,” disse Kael, com a voz baixa. “Você a chamou.”

Isadora sentia o calor subir por sua pele, como se a espiral em seu ombro estivesse queimando de dentro para fora. Mas não era dor. Era... poder.

Eles pararam diante da porta da torre. Não havia maçaneta, nem fechadura. Apenas um símbolo — o mesmo da espiral — gravado em relevo.

> “Toque,” disse Kael. “Ela só abre para quem carrega o fogo.”

Isadora hesitou. E se não estivesse pronta? E se tudo aquilo fosse um erro?

Mas então lembrou das palavras de Célia, da dor nos olhos de sua mãe, da sensação de que sempre esteve à margem de algo maior. Ela estendeu a mão.

Ao tocar o símbolo, a torre se abriu com um rugido silencioso. O ar ao redor se distorceu, e uma luz vermelha envolveu os dois.

Dentro, não havia escadas. Nem salas. Apenas um vazio — e no centro, uma figura encapuzada, envolta em sombras.

> “Você chegou tarde,” disse a figura. “Mas ainda há tempo.”

Isadora deu um passo à frente. — “Quem é você?”

> “Sou o que resta da primeira guardiã. Aquela que falhou.”

Kael se enrijeceu. — “Ela não devia estar aqui.”

> “E você não devia tê-la trazido.”

A figura se aproximou, revelando olhos como carvão em brasa. Ela estendeu uma mão e tocou a espiral de Isadora, que brilhou intensamente.

> “Você carrega o fogo. Mas também a dúvida. A torre não aceita corações divididos.”

Isadora sentiu o chão sumir sob seus pés. Imagens surgiram ao seu redor — Célia chorando, Kael lutando contra uma criatura feita de sombra, um véu rasgado, e atrás dele... um mundo em chamas.

> “Escolha,” disse a figura. “Entre proteger o véu... ou libertar o que está além dele.”

A torre começou a tremer. Kael correu até ela, segurando sua mão.

> “Não escute. Ela quer te quebrar.”

Mas Isadora sabia. Aquilo não era apenas um teste. Era um aviso.

E ela teria que decidir — não apenas quem era, mas o que estava disposta a sacrificar.

A figura encapuzada recuou, dissolvendo-se em sombras que se espalharam pelas paredes da torre. Isadora sentia o peso das visões ainda vibrando em sua mente — imagens de um mundo partido, de escolhas que não eram apenas dela, mas que dependiam dela.

Kael se aproximou, os olhos ardendo com uma mistura de urgência e algo mais... medo?

> “Ela mostrou demais,” disse ele. “A torre não costuma revelar tanto. Ela está com pressa.”

Isadora olhou para a espiral em seu ombro, agora brilhando com uma luz constante. Não era mais apenas um símbolo — era uma chave. Uma promessa. E talvez, uma maldição.

> “O véu está se rasgando,” ela disse, sem saber de onde vinha aquela certeza. “E eu sou a rachadura.”

Kael tocou sua mão, com delicadeza. — “Você é mais do que isso. É a escolha.”

A torre começou a se fechar atrás deles, como se tivesse cumprido seu papel. Mas antes que a porta sumisse por completo, uma última voz ecoou — não da figura encapuzada, mas da própria torre.

> “A sombra já conhece seu nome.”

Isadora estremeceu. O véu entre mundos não era apenas uma barreira. Era um olho. E agora, ele estava olhando diretamente para ela.

Kael a guiou para fora, mas algo havia mudado. O Limiar parecia mais escuro, mais instável. Criaturas de fumaça se aproximavam, curiosas. E ao longe, uma fenda no céu começava a se abrir.

> “Está começando,” disse Kael. “E você precisa decidir de que lado está.”

Isadora não respondeu. Porque no fundo, ela sabia: não havia lados. Havia apenas fogo... e sombra.

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