O CONVITE VIP

O CONVITE VIP

####O CLUBE

A mansão não tinha placa, número visível nem campainha que anunciasse a sua existência. Era um boato na cidade, um sussurro entre dentes bem escovados de gente muito rica: “a casa onde o desejo veste máscara”. O portão de ferro trabalhado parecia uma peça de museu roubada de alguma catedral medieval, e atrás dele, jardins aparados a laser desenhavam arabescos que só se compreendiam por completo do alto — como se a mansão pedisse um olhar de Deus para entregar seu segredo.

Carros discretos chegavam sem pressa, vidros fumês refletindo apenas o necessário: um lampejo de uma gargantilha de couro por baixo de um sobretudo, a curva de um punho dentro de uma luva negra, um par de olhos ansiosos atrás de uma máscara guardada num estojo de veludo. O caminho até a entrada principal era um corredor de sombras e luzes âmbar, pontuado por pequenas chamas protegidas em cúpulas de vidro — nada de luz fria. Ali, tudo era cálido, colonial, deliberadamente antigo, como se o tempo tivesse sido amarrado por uma fita de cetim e convidado a se comportar.

O saguão recebia os convidados com um silêncio que não era vazio: era autoridade. Piso de mármore escuro, paredes forradas em painéis de madeira e, ao centro, um relógio alto, de pêndulo, marcando uma hora própria — porque, naquela casa, o que acontecia do lado de fora não importava. À direita, um biombo japonês pintado com garças sobre um lago em tinta dourada disfarçava um corredor; à esquerda, um aparador com fichas de jade e ônix. Nada dizia “casa de jogos”, e, ainda assim, tudo ali era aposta — sobretudo, de si mesmo.

A recepção tinha regras que não precisavam de placas. O olhar da mulher por trás do balcão, impecável num vestido de alfaiataria, dizia tudo: “Sem convite, sem palavra-código, volte pelo mesmo caminho.” A palavra-código mudava a cada noite. Hoje, um sussurro simples: “tenacidade”. Quem a dizia baixinho, inclinando levemente a cabeça, recebia de volta um aceno quase imperceptível, como se duas notas exatas, finalmente, entrassem no mesmo acorde.

Pulseiras de cores diferentes eram entregues em caixinhas pequenas, de madeira laqueada, como joias. Verde significava curiosidade sem compromisso. Âmbar, observação participante, mas com limites firmes. Vermelho era outra coisa: compromisso, exclusividade, território demarcado — cor que pedia uma reverência silenciosa de quem cruzasse seu caminho. Gargantilhas discretas, algumas com uma inicial gravada por dentro, faziam as vezes de brasões de família. A casa chamava isso de protocolos de cuidado; lá fora, alguns diriam posse. A diferença, ali, estava no contrato assinado, nos termos discutidos, na segunda via guardada em envelope lacrado num arquivo que só duas pessoas podiam abrir.

Subindo a grande escada em curva, a música quase não existia — era um teto de cordas e sopros que se aprendia mais pela pele do que pelo ouvido. Cortinas de veludo, pesadas, engoliam passos. Quadros antigos, pinturas de autor desconhecido, mostravam mitos, quedas e coroações. Não havia nudez nas paredes. Havia histórias de poder. Não era por pudor; era um lembrete: naquela casa, o corpo era texto, mas a gramática era controle.

A mansão tinha três andares acima do térreo, mas a geografia que contava era a de baixo. No subsolo, um corredor de pedra, com lâmpadas presas em arandelas de ferro, levava a portas com nomes gravados em placas discretas. Arcádia. Éden. Coliseu. E, por fim, a mais comentada, a mais temida, a mais disputada: Sala de Sodoma e Gomorra. Não era uma confissão; era uma hipérbole. Um exagero assumido, meio blasfemo, meio teatral, destinado a separar curiosos de iniciados.

Antes de qualquer porta, uma antessala. Ali, regras eram lembradas num painel de couro, letras em baixo-relevo: palavra de segurança definida e testada; sinais manuais ensinados para o caso de voz que falha; limites declarados por escrito. A casa não tolerava improviso quando o assunto era segurança. Havia um médico de plantão em sala invisível, havia observadores treinados espalhados pelos cantos, camuflados de convidados, havia câmeras que não filmavam rostos, mas registravam movimentos técnicos por garantia mútua. O que acontecia ali era secreto, mas não era selvagem. A selvageria, quando aparecia, era estética — um teatro de ferros e fitas que parecia brutal, mas era milimetricamente ensaiado.

A Sala de Sodoma e Gomorra era menos barulhenta do que o nome sugeria. Era ampla, abóbadas de tijolo aparente, chão de pedra encerada e um perfume que misturava couro, madeira polida e lavanda. No centro, um espaço vazio que valia como palco. Nas laterais, mobiliários que não se chamavam cadeiras nem camas; eram estruturas, pranchas, cavaletes, bancos com correias acolchoadas, cruzes oblíquas de ferro — o famoso X —, tudo com acabamento impecável, cantos arredondados, nenhum parafuso à mostra. Era um ateliê de controle.

Pessoas circulavam como se deslizassem, máscaras translúcidas que escondiam sem apagar. Havia pares. Havia trios. Havia solitários observando. Havia quem mantivesse os braços cruzados, estudando a postura dos outros como quem avalia um cavalo em pista. Havia quem risse baixo, não de escárnio, mas de uma alegria peculiar de pertencimento: “eu entendo esse idioma”. Ali, ninguém precisava justificar preferências; bastava enunciá-las com a clareza de quem negocia um contrato. Palavras como cuidado, depois, não hoje, só até aqui eram ditas com a mesma seriedade com que, do lado de fora, se assinava um acordo de fusão entre duas empresas.

O mestre de cerimônias não usava cartola, mas tinha a mesma aura. Um terno preto que não brilhava, sapatos tão silenciosos quanto neve, um broche mínimo em lapela que só iniciados reconheciam. Era ele quem abria a noite com duas frases: “Respeito é ritual. Limite é lei.” Depois, se afastava para um canto que parecia sombra, e de lá, apenas inclinava a cabeça quando algo lhe pedia atenção.

O público se acomodava em semicírculo, mas não havia cadeiras enfileiradas: eram plataformas baixas, com almofadas de veludo, e quem se sentava ali assumia o compromisso tácito de assistir sem intervir a não ser que a casa autorizasse. Cada platô tinha uma mesinha com água, panos macios, um pequeno estojo com itens que, para alguns, seriam exóticos; ali, eram apenas ferramentas de cena, tão banais quanto um pincel para um pintor.

Na parede oposta à entrada, um espelho largo, antigo, com moldura de madeira talhada em folhas e uvas, duplicava o espaço. Aquilo era mais do que vaidade arquitetônica. Era um dispositivo narrativo: mostrava, ao mesmo tempo, o que acontecia e o que parecia acontecer. Ali, a percepção era parte do jogo. O espelho sempre aumentava algo. Às vezes, aumentava o próprio espelho — na mente de quem olhava.

Uma música quase sem melodia, apenas uma espinha dorsal de cordas, começou como uma respiração. Era a senha. Um grupo de cinco pessoas entrou e, como se obedecessem a uma geografia invisível, ocupou pontos exatos no salão. Um dos cinco levava nas mãos uma bandeja de couro com cintas e prendedores que não eram agressivos à vista; eram elegantes, uma elegância que deixava algumas pessoas desconfortáveis justamente por existir. Outra figura carregava um estandarte de tecido escuro, sem símbolo nenhum — o símbolo era a ausência. Um terceiro, de luvas de camurça, segurava algo pequeno, protegido, que ninguém precisava ver para respeitar.

No centro do palco silencioso, o X de ferro já esperava. A cruz não parecia um instrumento de castigo; parecia uma moldura. Os parafusos, embutidos. As tiras, acolchoadas. A base, tão sólida que até o chão parecia endireitar a coluna só de se aproximar.

O rumor de expectativa não era rumor — era geada: você não ouvia, mas sentia pousar.

Havia nomes sussurrados nos cantos, mas nenhum dito alto. A casa tinha superstição de teatro: falar antes quebrava o encanto. Alguns dedos — enluvados — apontavam, discretos, para uma condição muito particular de exclusividade: a pulseira vermelha. Não era raro vê-la; raro era ver quem a usava — e quem a concedia. Naquela noite, haveria demonstração. A palavra correu como poeira de ouro arrastada por vento: demonstração. Todos sabiam o que isso queria dizer. Um ritual público de algo que, em geral, se fazia em privado. A casa, às vezes, como um templo, abria a cortina para os fiéis.

As portas laterais se fecharam com um clique quase inaudível. Não era para trancar. Era para delimitar. Dentro daquele círculo de pedra e veludo, começava uma peça com gente de carne e osso e, ainda assim, mais metáfora do que corpo. O ar ficou um pouco mais denso, não de fumaça — de expectativa. Uma vela foi acesa no canto oposto ao espelho. Depois, outra, e outra, como se alguém escrevesse um poema em língua de chama. As sombras alongaram os objetos, e as abóbadas do teto ganharam, de repente, a curvatura íntima de um coração visto por dentro.

Então, veio o som que todos esperavam: o arrastar lento de solas sobre a pedra, cadenciado, preciso, quase marcial. O semicírculo instintivamente se abriu, e o corredor ao centro se fez por si, como se mãos invisíveis afastassem o tecido do ar para a passagem do Dom.

Nada nele gritava; tudo nele impunha. A máscara de couro negro entregava apenas a linha da mandíbula, o contorno do lábio, a precisão do queixo. O resto — olhos, maçãs do rosto, sinais que traem intenções — permanecia no reino do enigma. O terno, escuro e sem brilho, parecia não ter costuras. O relógio no punho não tinha diamantes: tinha peso. As luvas eram uma concessão estética e uma declaração técnica. Quem conhecia as regras da casa reconhecia ali menos vaidade do que responsabilidade.

Quando ele passou, não houve aplauso. Houve silêncio. O tipo de silêncio que, parado, ainda assim se move: sobe do chão, atravessa o estômago, aperta a garganta, e só então chega aos ouvidos. Não era medo, embora lembrasse. Era respeito — essa palavra antiga que a modernidade tenta aposentar e, por isso mesmo, ali se cultuava como se cultuam vinhos raros.

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